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Antonio Gramsci é considerado um dos principais pensadores ligados ao marxismo. Nascido na Sardenha em 1891, ele não apenas fundou o Partido Comunista da Itália, como formulou o conceito de hegemonia cultural, descrevendo o processo de dominação das instituições culturais por parte do Estado a fim de conservar o seu poder. Ateu e profundamente crítico da religião e, especificamente, do catolicismo, o final da sua vida está, entretanto, imerso em uma névoa: Gramsci teria ou não se convertido em seus últimos meses?

O filósofo esteve preso desde 1926, por ordem do regime de Benito Mussolini, e morreu em Roma em 1937, aos 46 anos, na clínica Quisisana, onde estava internado desde 1935. É ali, no lugar em que Gramsci passou seus últimos anos, que algumas fontes dizem que teve lugar a sua conversão.

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O rumor começou a circular nos anos 1960 e voltou à tona em 2008, quando o arcebispo Luigi de Magistris – em 2015 nomeado cardeal pelo papa Francisco – falou sobre a suposta conversão do filósofo em uma conferência de imprensa. De Magistris, que também é sardenho, disse que no quarto de Gramsci no hospital havia uma imagem de Santa Teresinha do Menino Jesus e contou um episódio que teria ocorrido em um dos natais que o filósofo passou no local.

“As freiras da clínica onde ele estava internado levavam aos doentes a imagem do Menino Jesus para ser beijada. Não a levaram a Gramsci. Ele disse: ‘Por que não me o trouxeram?’ Elas levaram a imagem a ele e Gramsci a beijou”, relatou o arcebispo, hoje com 91 anos.

“Gramsci recebeu os sacramentos ao morrer. Retornou à fé de sua infância. A misericórdia de Deus nos persegue santamente”, disse De Magistris. “No mundo da ‘foice e martelo’, preferem se calar sobre esse fato, mas foi isso que aconteceu”.

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O arcebispo colheu o relato de uma religiosa também sardenha, a irmã Pinna, que falou sobre o assunto a alguns clérigos presentes em uma missa pela alma de seu irmão, Giovanni Maria Pinna, que foi secretário do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica até a sua morte, em 1971. Segundo a freira, Gramsci beijou a imagem do Menino Jesus “com sinais evidentes de comoção”.

O relato da irmã Pinna converge com o de outra religiosa, a irmã Gertrude, uma freira suíça que trabalhou na clínica Quisisana durante a internação de Gramsci. Ela confirmou que, no quarto 26, onde o filósofo estava, havia uma imagem de Santa Teresinha, “à qual ele parecia nutrir uma simpatia humana, tanto que não queria que fosse tirada dali e nem sequer posta em outro lugar do quarto”.

 

Objeções

O filósofo e ex-parlamentar comunista Beppe Vacca, presidente do Instituto Gramsci, rejeitou as revelações de Monsenhor De Magistris. “Nenhum dos numerosos documentos editados e inéditos sobre as últimas horas de Antonio Gramsci dá crédito à tese da conversão”, declarou ele à agência Ansa. Ainda assim, para Vacca, “não seria nenhum escândalo, nem mudaria nada”. “Se há novos documentos, são bem-vindos. Mas essas vozes, sozinhas, não constituem uma prova suficiente”, disse o ex-parlamentar.

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Entre os documentos sobre a morte de Gramsci, estão cartas de Tania Schucht, a cunhada de Gramsci, que descrevem em detalhes os últimos dias da enfermidade do filósofo, e uma carta de Carlo, seu irmão, sobre o seu desejo de ser cremado. “Tratam-se de confidências estritamente familiares nas quais uma notícia como essa deveria ter aparecido”, diz Vacca.

Uma carta de Tania, escrita menos de um mês após a morte de Gramsci, chega a fazer referência à presença de um padre nos seus últimos momentos. “O médico disse à irmã que as condições do doente eram terminais. Vieram o padre e outras irmãs e eu tive que protestar do modo mais veemente para que deixassem Antonio tranquilo, mas eles insistiram em se dirigir a ele para perguntar se queria isso, aquilo…”, escreve a cunhada do filósofo, em um trecho interpretado por partidários da conversão como um sinal de que o próprio Gramsci desejava a presença do padre.

Segundo Giorgio Baratta, presidente da International Gramsci Society Italia e um dos maiores especialistas em Gramsci, esse rumor apareceu pela primeira vez em um relato da irmã Piera Collino, que trabalhava no hospital. O testemunho foi recolhido e publicado por seu sobrinho, o padre Giuseppe della Vedova, na revista Studi Sociali. Baratta também defende que os documentos que relatam as últimas horas de Gramsci desmentem a conversão.

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“Não sei o que Gramsci fez ao morrer. Tratam-se de declarações ridículas não verificáveis sobre conversões de 70 anos arás cuja finalidade é demonstrar que os mitos desmoronam”, opinou Paolo Ferrero, secretário da organização Rifondazione Comunista.

 

Teresinha

Já Giancarlo Lehner, autor do livro La famiglia Gramsci in Russia e ex-deputado pelo partido Il Popolo della Libertà – do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi – disse que “não seria uma grande surpresa se Gramsci tivesse abraçado a fé católica”. Francesco Cossiga, ex-presidente da Itália, morto em 2010, também endossou as declarações de De Magistri, invocando o cargo que o arcebispo ocupava à época – penitenciário apostólico, ou seja, o responsável por questões de foro interno na vida dos fiéis católicos: indulgências, confissões, absolvições.

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Giulio Andreotti, ex-primeiro-ministro, morto em 2013, foi mais cauteloso. “Trata-se de uma conversão no momento da morte, um caso de consciência sobre o qual prefiro não me pronunciar”, disse. As cinzas de Gramsci foram sepultadas no Cemitério Acatólico de Roma, fundado em 1821 para o sepultamento de protestantes, judeus e outras pessoas não católicas, sobretudo estrangeiras.

Para o padre e ex-parlamentar Gianni Baget Bozzo, morto em 2009, a presença da imagem de Santa Teresinha no quarto do filósofo não é um acaso. A carmelita francesa, que morreu aos 24 anos em 1897, chegou a passar por grandes crises de fé e tinha uma predileção especial pelos que não creem. “Santa Teresinha estava pronta a trocar a sua fé pela conversão dos ateus e com certeza Gramsci conhecia a história da sua vida. A sua conversão, assim, poderia ser enquadrada no forte desejo de conversão dos não-crentes expresso pela santa”, opina Bozzo.

 

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