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Agência RBS por Larissa Roso

Pense em uma definição de família. Se a sua concepção é a de um conjunto harmonioso de pessoas parecidas não só no físico, mas também no comportamento, no pensamento, nos valores e nas escolhas, é provável que você tenha de abrir espaço para uma reflexão. Claro que a convivência pacífica é almejada e saudável, imprescindível para o desenvolvimento dos filhos, mas as diferenças devem ser valorizadas e preservadas.

Em entrevista a Zero Hora publicada no caderno DOC da edição de 30 e 31 de março, o psicanalista e escritor Contardo Calligaris proferiu uma frase instigante:“(…) A família não foi criada para ser um lugar em que todos concordam com todos. Ao contrário, a família, como cada um sabe, foi inventada para ser um lugar em que todo mundo discorda. Por isso, ela eventualmente é interessante e educativa”.

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A pedido de ZH, profissionais da área da psicologia comentaram a declaração e falaram a respeito de outros tópicos importantes sobre a criação dos filhos. Maria Isabel Wendling, psicóloga, terapeuta de família e professora do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), concorda com Calligaris, argumentando que é a partir das discordâncias que as pessoas começam a refletir mais. Se todos pensarem o tempo inteiro da mesma forma, não se acrescenta o novo, a dúvida, ocorrendo apenas a repetição indefinida dos mesmos padrões – estes, muitas vezes, disfuncionais. Discordar, destaca Maria Isabel, abre a possibilidade de se colocar no lugar do outro, de se abrir para uma ideia distinta, para algo que até então a pessoa não tinha pensado.

” Com pontos de vista com os quais pode até não concordar, você vai estar ensinando o respeito ao diferente. De alguma forma, aquele outro pensamento desacomoda, faz repensar o seu posicionamento. Isso é fundamental. A família, na configuração que for, é a base socializadora de um indivíduo. É onde ele vai começar a aprender a dialogar. A família vai formando a identidade, o indivíduo vai se descobrindo através da fala do outro. É importante que existam essas discordâncias”, comenta a psicóloga.

Como primeiro grupo social no qual a pessoa se insere, a família tem como principais responsabilidades garantir a proteção e o cuidado de seus membros e transmitir padrões e normas da cultura, explica Angela Helena Marin, doutora em Psicologia, pesquisadora e professora dos cursos de graduação e pós da Unisinos. É claro que, pontua Angela, não é o que ocorre em todos os grupos familiares, devido a vulnerabilidades de distintas ordens. Ao longo do desenvolvimento, interagiremos com vários outros grupos, que também influenciarão nosso modo de agir e pensar.

“Para que a família promova o desenvolvimento de seus membros, é necessário o incentivo à autonomia. Nesse processo, à medida em que cada um assume características individuais, pode haver crises, que, em vez do que costumamos pensar automaticamente, são salutares e possibilitam o amadurecimento a partir das mudanças que propiciam. Uma das funções educativas da família é possibilitar que essas crises sejam vivenciadas”, afirma Angela.

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As diferenças podem surgir no que se refere ao dia a dia doméstico, ao noticiário da TV, aos planos para férias, ao modo de vestir, aos posicionamentos políticos – o pai pensa de uma maneira, a mãe de outra, e os filhos, bem mais jovens, seguem uma terceira linha. O enriquecimento advém do respeito e da possibilidade de aceitação dessas dessemelhanças, reforça Angela:

“Como sujeitos, temos especificidades, o que se costuma conceituar de subjetividade, que nos faz pensar e agir de formas distintas. Desde a formação, as famílias conjugam diferenças, pois reúnem pessoas com histórias diversas, provenientes de outros grupos que também tinham suas especificidades. Aprender a interagir, buscando entender e dialogar com o que nos é diferente, possibilita a formação de vínculos mais genuínos, de uma sociedade mais tolerante e, consequentemente, menos violenta. Tudo isso começa pelas relações familiares.

 

Influência familiar e pensamento autônomo

Também é importante pensar nas aspirações dos adultos em relação aos filhos. Os pais veem a prole, diz Maria Isabel, como algo seu, uma projeção sua e do que eles gostariam de ser e não foram. Mas “filho é para o mundo”, como se repete tanto por aí. A psicóloga ressalta que é preciso entender que aquilo que foi ensinado para o filho ficou internalizado, e uma boa criação também incentiva a autonomia, o pensamento independente, a crítica e a chance de construir a própria vida.

” Os pais devem acreditar que o filho pode voar, seguir outro caminho que não necessariamente o que eles acham melhor. Isso mostra o quanto o filho consegue tomar essas decisões por conta dele, isso é maturidade. Tem filhos adultos dependendo dos pais para tomar decisões, e isso dificulta os relacionamentos”, diz.

“Com o casamento, o cônjuge, que é alguém que vem de fora, se não pensar como essa família, talvez acabe caindo fora. Ou talvez aquele filho acabe pensando que tenha que escolher (entre a família de origem e a nova família que está formando).E a ideia não é essa. Deve-se entender o ponto de vista dos outros”, orienta Maria Isabel.

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A escolha profissional, em diversos casos, ainda sofre forte influência familiar. Muitas vezes, o filho é induzido a suceder ao pai ou a mãe à frente da empresa ou do consultório, uma obrigação que poderá significar frustração no que diz respeito à realização pessoal.

” Esse direcionamento é, algumas vezes, desejado pelos filhos, em função da identificação e da valorização do papel social exercido. Não tomo como um problema os filhos optarem por assumir a mesma profissão dos pais, desde que sejam eles a fazer essa escolha”, pondera Angela.

O pensamento autônomo deve ser incentivado desde a infância. Nas mais corriqueiras situações cotidianas, é possível incentivar a criança a começar a pensar de maneira independente. Maria Isabel sugere que o pai e a mãe questionem os pequenos sobre o dia na escola, a interação com os amigos, as atividades realizadas, permitindo que eles expressem sua opinião. Quanto às emoções, da mesma forma: se há choro ou birra, o adulto deve acolher a criança e questioná-la sobre o que ela está sentindo.

“Deve haver liberdade dentro de casa para ser ouvido e não ter medo de se expor”, define Maria Isabel.

Quando chega a adolescência, é natural que passem a ocorrer mais questionamentos por parte do adolescente. Ele está formando sua identidade e vai se opor a questões familiares como forma de se autoafirmar. É importante deixar as características identitárias dos filhos aflorarem, para que eles possam se encontrar.

” Os pais devem fazer uma reflexão, entender que os filhos são diferentes, são histórias diferentes. Os filhos não precisam ser cópias dos pais para serem bons ou terem sucesso. Os pais devem poder conviver e até aprender. Aprendemos muito com os filhos”, diz Maria Isabel.

Entram na categoria das questões inegociáveis tudo que envolver exposição a riscos de qualquer ordem, como contato com substâncias que provoquem dano ou risco à saúde, iniciação sexual precoce e desprotegida e envolvimento com práticas ilícitas, entre outras. Quanto a temas polêmicos, ensina Maria Isabel, o pai e a mãe têm de se manifestar:

“O pai pode ser amigo, mas primeiro ele é pai. É legal quando os pais são próximos dos filhos, mas primeiro eles são pai e mãe. Eles têm que se posicionar: ‘Eu não quero que você beba’, ‘Acho errado você usar isso’. É preciso poder falar disso em casa, sem tantos tabus, senão o jovem vai pegar informação de outros lugares e com outras pessoas. Coloque-se à disposição para se posicionar, mostre os perigos, as consequências”.

 

 

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