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Célula fundamental da sociedade, a família desempenha um papel imprescindível na formação de cada pessoa que compõe esse grande tecido que é a comunidade humana. O seu potencial é enorme: sabemos a importância do papel que o ambiente em que vivemos a primeira infância desempenha ao longo de toda a nossa vida, o que repercute na sociedade como um todo, à medida em que a própria sociedade se configura a partir das relações que estabelecemos uns com os outros. Essas relações podem ser saudáveis ou prejudiciais, o que afeta o fortalecimento da sociedade toda, e a raiz disso está, em grande parte, na família.

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Daí a responsabilidade de cada mãe e pai. Levar a parentalidade no piloto automático, sem tomar plena consciência do que significa ser o responsável pelo desenvolvimento de uma criança, pode levar a uma falta de cuidado com o próprio comportamento – ainda que, inicialmente, isso apareça de modo muito sutil. Com isso, distorcem-se as relações entre pais e filhos, o que pode levar a problemas no desenvolvimento das crianças que elas carregarão consigo até a vida adulta.

Com a consultoria da psicóloga Ana Caroline Bonato da Cruz, listamos alguns comportamentos tóxicos dos pais em relação aos filhos em que precisamos ficar de olho.

1. Sobrepor as próprias necessidades de afeto e atenção às dos filhos

A missão do pai e da mãe pode em grande parte ser descrita como a de prover aos filhos o carinho de que necessitam para se desenvolver plenamente. O problema acontece quando essas necessidades se invertem. “Às vezes, os pais que trazem consigo uma história de carência de atenção na infância e, quando têm filhos, usam essa situação para suprimir essa carência”, explica Ana Caroline.

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Isso pode acontecer, por exemplo, nos primeiros meses da vida do bebê, quando a mulher, com a qual o bebê tem mais vínculo, se sente importante pelo papel que tem na vida da criança. Isso é normal, mas é preciso prestar atenção para não ultrapassar os limites de uma relação afetuosa saudável.

“De fato, a criança precisa muito da mãe. Mas dependendo da forma como a mãe vive isso, essa situação pode passar para a forma como se dá, de maneira geral, a relação entre a mãe e a criança. E aí a mãe passa a se colocar sempre como indispensável e a criança se torna insegura, sempre buscando a aprovação da mãe para tudo”, esclarece a psicóloga. Com isso, a criança pode desenvolver um medo excessivo de ficar sem os pais – como quando começa a ir para a escolinha. Além disso, pode haver um desequilíbrio entre o papel do pai e o da mãe: alguns pais podem se queixar de que a mãe não o deixa se relacionar com o filho.

2. Pôr condições ao amor aos filhos

Sim, amamos os nossos filhos. Mas algumas frases que soltamos podem, sem que percebamos, dar a entender que colocamos esse amor entre parênteses, dependendo do comportamento da criança. Diante de atitudes que não aprovamos, é necessário evitar frases como “eu não gosto de você assim”, “desse jeito você me faz ficar triste”, “você é mal-educado”. Ana Caroline explica: “Essas são críticas que se dirigem à criança como um todo, em vez de apontarem para a ação específica que os pais não aprovam”.

“Os pais, através dessas frases, transmitem à criança a ideia de que ela só vai ser amada se fizer determinadas coisas”, diz a psicóloga. “É um perigo muito grande. Com isso, distorcemos o que é um relacionamento amoroso e ensinamos isso de forma errônea para a criança”. Isso repercutirá na forma como essa criança, já na juventude ou na vida adulta, vai se relacionar com outras pessoas, seja no âmbito da amizade, das relações conjugais ou mesmo com os próprios filhos.

3. Reprimir sentimentos não tão positivos

Às vezes, exigimos que os filhos tragam apenas situações positivas e sentimentos correspondentes ainda. Reprimimos as situações em que o filho traz medo, choro, tristeza ou raiva, como se isso não pudesse existir, em vez de ajudá-la a lidar com o sentimento. Com isso, a melhor coisa que podemos obter é que a criança deixará de confiar em nós, os pais, para se abrir a respeito desses sentimentos – porque sentimentos assim, sabemos muito bem, continuarão a surgir ao longo de toda a vida.

“Quando banalizamos o medo que uma criança tem, por exemplo, isso não contribui para que a criança enfrente a situação. É como se colocássemos uma tampa em um sentimento que está lá, que continuará a existir e a fervilhar, mas que a criança não está autorizada a experimentá-lo e a compartilhá-lo. Isso acaba gerando sintomas negativos”, alerta Ana Caroline. “É importante acolher todos os sentimentos da criança, mesmo os que não parecem positivos, porque ela precisa experienciá-los e aprender a lidar com eles. Caso contrário, teremos adolescentes e adultos que não sabem lidar com a raiva ou que desenvolvem problemas como fobias e depressão”.

4. Exigir o que a criança não tem maturidade para fazer ou compreender

Desenvolver a autonomia, através da delegação de pequenas tarefas e da concessão de um espaço de liberdade de decisões na medida certa para cada idade, é muito importante para o desenvolvimento da criança. O problema é quando exigimos algo que a criança ainda não é capaz de dar conta. Estabelece-se uma expectativa que a criança não consegue acompanhar – e o resultado é a frustração para os pais e os filhos.

“Os pais podem ficar frustrados ou irritados quando pedem que a criança tenha alguma noção ou alguma habilidade motora da qual ainda não é capaz. E aí reclamam que precisam sempre repetir demais as ordens”, relata Ana Caroline. “Assim, os pais acabam focando mais nos déficits da criança do que nas suas habilidades”. Sem culpa nenhuma – afinal, o que lhe foi pedido não corresponde às suas aptidões atuais – a criança acaba desenvolvendo uma autocompreensão de que é incapaz de realizar qualquer tarefa.

5. Não prestar atenção ao que os filhos dizem ou manifestam

Sabe quando você está absorto em alguma atividade e o seu filho chama a sua atenção repetidas vezes, sem sucesso, e acaba sem conseguir se comunicar com você? É preciso se dar conta de que, quando esse cenário se torna uma rotina, isso repercutirá na forma como as crianças enxergam a si mesmas e às formas de comunicação entre as pessoas.

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“Há pais que não ouvem os seus filhos, que não prestam atenção aos sinais que os filhos dão. Não conversam, não dialogam e acabam não conhecendo os próprios filhos, o que acaba fazendo com que simplesmente imponham a própria visão a eles”, diz Ana Caroline. O mesmo se aplica à forma como o casal se relaciona entre si e com as outras pessoas – a criança está atenta a tudo isso.

“A família é o lugar em que ensaiamos os primeiros relacionamentos e em que temos o exemplo de como um casal é e como se tratam. Amor, respeito, companheirismo, empatia: tudo isso eu aprendo na família”, explica a psicóloga. “Se tenho uma família que distorce essas compreensões, essa criança tem muita chance de repetir esses padrões e ter relacionamentos tóxicos ou ter dificuldade de vinculação ou se submeter a atitudes não saudáveis nos seus relacionamentos”.

6. Agir a partir do medo de perder o amor dos filhos

Aquela carência de que falamos no ponto 1 pode estar em relação com um sentimento muito específico: o medo de perder o amor dos filhos. É claro que queremos que eles nos amem, mas esse sentimento de carência não pode guiar as nossas relações.

“Pais que sentem isso acabam fazendo de tudo para que a criança os ame. E esse ‘de tudo’ é perigoso, porque o entendemos de modo muito material”, alerta Ana Caroline. “Dou viagens, brinquedos, videogames, mas não promovo experiências. A criança acaba descontente, porque não tem um vínculo positivo com os pais a partir dessas vivências, e os pais acabam frustrados, porque não entendem por que o filho não valoriza o que lhe dão. Isso acaba desvirtuando o modo como a criança entende o que é importante num relacionamento – o que vai afetá-la no futuro”.

7. Colocar os filhos em dilemas que não fazem parte da infância

Essa fixação por se sentir amado pela criança pode levar a outro problema. Ana Caroline explica que pode acontecer uma inversão hierárquica na família. “Os filhos se tornam os reizinhos e os pais colocam nas mãos deles algumas decisões que não fazem parte da infância”, diz a psicóloga. Nesse cenário, são os filhos que escolhem desde coisas do dia a dia – como se vão tomar banho, se vão escovar os dentes, se vão comer e o que vão comer – até onde a família vai passar as férias.

“Isso pode acontecer quando há dificuldades financeiras e os pais não querem deixar de manter o padrão de vida que davam à criança”, pontua Ana Caroline, que explica ainda: “Quando dizemos que é preciso ouvir as crianças, não quer dizer que as famílias têm que fazer o que as crianças mandam. Trata-se de ouvir a opinião delas, entender como estão experimentando alguma situação e a partir daí explicar e orientar”.

8. Não se atualizar à medida em que passam os diferentes ciclos da vida de uma criança

A reclamação dos adolescentes, de que os pais os tratam como crianças, pode muitas vezes ter fundamento na realidade. “Ser pai e mãe de um bebê é uma coisa; há determinadas demandas e necessidades que é preciso dar conta. Já quando se trata de uma criancinha, surgem as vontades próprias, os gostos e desgostos e o começo da autonomia. Às vezes, então, os pais não conseguem se atualizar: continuam sendo pais de bebês”, relata Ana Caroline. “Imagina quando isso chega até a adolescência?”

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“Assim como as crianças passam por essas mudanças de ciclos, os pais também precisam se renovar a cada ciclo. Se não fizerem isso, prendem a criança em um ciclo anterior. E aí vemos crianças de 8 anos com comportamentos infantilizados demais, que precisam do adulto para coisas que poderia fazer sozinhas, por exemplo”, explica a psicóloga. A formação da autonomia fica prejudicada – o que tem uma série de consequências.

Afinal, o que fazer para mudar de atitude?

Se você se identificou com algum desses comportamentos, é importante não se desesperar e ao mesmo tempo assumir o desafio de mudar os hábitos. Afinal, é para o bem dos seus filhos – para que eles se desenvolvam plenamente como pessoas.

Ana Caroline lembra que há pais e mães que buscam ajuda de um psicólogo quando as crianças manifestam certos sintomas, mas que se negam a entrar no processo quando o profissional percebe que a raiz de alguns problemas está nos seus hábitos como pais e mães. “Então que exemplo estou dando para o meu filho?”, questiona a psicóloga.

Avalie se esses comportamentos não precisam da ajuda de um psicoterapeuta para serem superados. Procure também por instituições que ofereçam percursos de aprofundamento do exercício parental, como “escolas de pais” em colégios e igrejas. Troque ideias com professores e pedagogos da escola de seu filho.

“É importante que os pais estejam sensibilizados sobre a sua responsabilidade. Muitas vezes se banaliza esse processo, como se tudo fosse natural e espontâneo. Não há problema em precisar de ajuda”, reforça Ana Caroline. “É um desafio, mas é um desafio muito compensador, porque traz consigo a oportunidade de curar feridas que ficaram pelo caminho e ajudar o filho a seguir o seu caminho de forma leve e saudável”.

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