Adga Óliver é uma das finalistas de premiação da ONU voltada para mulheres que chefiam negócios de impacto na comunidade onde vivem
Dificuldade para encontrar mão de obra qualificada motivou a formação interna de profissionais| Foto: Juliana Chalita

A decepção de ser enganada ao levar o próprio carro para uma revisão mecânica básica serviu de combustível para que uma então bacharel em sistemas de informação transformasse a frustração em oportunidade e se arriscasse a ter o próprio negócio, mesmo sem a menor experiência no ramo em que pretendia atuar. Agora, 12 anos depois, a empreendedora Agda Óliver, de 40 anos, colhe os frutos dos anos de estudo e dedicação.

A mecânica de Brasília é uma das 10 finalistas do Empretec Women in Business Awards (E-WBA) da ONU, premiação internacional voltada para mulheres que chefiam negócios e projetos de impacto na comunidade onde vivem. A sétima edição do evento deve ser realizada em dezembro deste ano em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. Além do Brasil, outros nove países estarão concorrendo.

Em 2008, Agda precisou da ajuda de um mecânico para realizar a revisão do próprio automóvel e acabou passando pela mesma experiência que outras mulheres têm por não dominarem o assunto. “Até então eu achava que para ter carro bastava colocar gasolina. Mas para a minha surpresa, descobri que precisava fazer manutenção”, diverte-se. Após uma série de peças trocadas e serviços realizados sem necessidade veio a fatura.

A conta, claro, acabou saindo bem mais salgada do que o previsto e além do prejuízo financeiro ficou a frustração. Até mesmo componentes de equipamentos que sequer existiam no veículo, como o filtro do ar condicionado, foram incluídos. “Meu carro nem ar tinha”, relembra indignada. A sensação deixada pelo profissional, segundo ela, era de que o veículo iria explodir se os reparos não fossem realizados. “Fiquei muito chateada com a situação e a partir daí resolvi estudar o assunto”, diz.

O aprendizado acabou sendo levado a sério com a leitura do manual do automóvel e outras pesquisas sobre mecânica básica na internet. Ao conversar sobre a situação com outras pessoas, principalmente mulheres, Agda percebeu que não tinha sido a única a passar pelo incidente constrangedor e que a prática era mais comum do que ela pensava. “Eu já tinha vontade de empreender na época e essa situação foi que me deu o estalo de montar uma oficina mecânica para mulheres”, recorda-se.

Inicialmente a ideia não foi vista com bons olhos pelas pessoas próximas, muito em razão do ambiente predominantemente dominado por homens. O próprio marido de Agda foi contra a empreitada em um primeiro momento. “As pessoas achavam que era normal esse tipo de situação. Que oficina não era lugar de mulher e ponto”. Depois de muitas conversas, ela acabou sendo aconselhada pelo marido a procurar o Sebrae para ter um aconselhamento técnico sobre o empreendimento.

Foi então que a mecânica começou a maratona com a realização de cursos e treinamentos onde conseguiu aprender planos de negócio, planejamento estratégico, pesquisa de mercado e outros assuntos relevantes para a abertura do próprio negócio. “Consultando conhecidos, fazendo pesquisas e tudo mais eu percebi que era um nicho bom e resolvi enfrentar”. Dois anos depois, em 2010, a oficina “Meu Mecânico” finalmente abriria as portas em Ceilândia, considerada a maior cidade satélite de Brasília, com cerca de 400 mil habitantes.

O empreendimento começou com um investimento inicial de no valor de R$ 45 mil. Antes do sucesso, porém, outras tantas barreiras precisaram ser derrubadas até a estabilização do negócio.

Mão de obra e preconceito

Planejada inicialmente para ser uma oficina mecânica na qual todas as funcionárias fossem mulheres, a concepção esbarrou na falta de mão de obra qualificada para o serviço, começando pela própria dona. Sem qualquer tipo de experiência anterior com o empreendedorismo, Agda percebeu que apenas os cursos, treinamentos e estudos que realizou não seriam suficientes para atender os clientes de maneira adequada e precisou colocar a mão na massa para aprender na prática tudo o que precisava para manter o negócio funcionando.

“Esse foi o primeiro problema que enfrentei. Não consegui encontrar mulheres mecânicas. Eu encontrava pessoas que queriam aprender, mas eu precisava de pessoas qualificadas, pessoas que realmente soubessem fazer o serviço”, diz.
Durante três anos ela contratou um profissional experiente para trabalhar na sua oficina e precisou atuar como empregada no próprio negócio ao exercer a função de auxiliar de mecânica ao longo desse período.

As dificuldades enfrentadas para se empreender no Brasil, segundo ela, só foram rompidas com muita disciplina, estudo, planejamento e dedicação. “É muito difícil empreender no nosso país, ainda mais em uma área tipicamente masculina. Mas sempre estudei bastante e fiz muitos cursos, tanto na área de mecânica, como na área de gestão. Então nunca agi no “acho que vai dar certo”, reforça.

Ainda hoje, mesmo com o negócio consolidado, Agda enfrenta os olhares atravessados e de desconfiança de muitos clientes que chegam até a loja. “Até hoje muitas pessoas chegam, me veem maquiada, arrumada e dizem que do jeito que eu estou não devo mexer no carro. As pessoas realmente não acreditam. Já aconteceu de chegar cliente aqui e pedir para que eu ou a outra mecânica não fizéssemos serviços no carro dele.”

Workshops e treinamentos

Tendo sentido na pele as dificuldades de se ambientar em uma área tão distinta, Agda passou a oferecer cursos gratuitos de mecânica básica para mulheres dentro da própria oficina. Realizados três vezes ao ano, nos meses de março, maio e agosto, as turmas reúnem em média 60 mulheres que buscam conhecimento no ramo automotivo.

Além disso, a empreendedora se inspirou na própria história e nos desafios enfrentados e superados para dar palestras motivacionais pelo país e cursos de empreendedorismo via WhatsApp para ajudar outras pessoas que desejam iniciar o próprio negócio. “Não precisa ser uma oficina mecânica. Nesse curso que eu ofereço também aparecem pessoas de vários segmentos. Restaurantes, calçados, pessoas que têm seus negócios com loja física e até mesmo que vendem apenas de casa ou no porta-malas do carro”, relata.

Segundo ela, o planejamento é a base para se empreender. “Quando você tem solução para o problema de outras pessoas é muito mais fácil de conseguir mercado”, diz. Agda lembra ainda que é necessário se identificar uma atividade com o qual a pessoa se identifique e que tenha prazer em realizar “Você vai levar muito tempo fazendo e executando essa atividade, além de tentar resolver o problema de outras pessoas”, reforça.

  • Foto: Marcelo Ferreira
  • Foto: Marcelo Ferreira
  • Foto: Juliana Chalita

Expectativa para a premiação

Essa não é a primeira vez que Agda Óliver teve seu trabalho reconhecido. Em 2013 ela recebeu o prêmio nacional “Sebrae Mulher de Negócios” o que, para ela, foi essencial para a abertura de novas oportunidades. “Foi onde eu comecei a palestrar e mostrar o meu caso para outras pessoas. Depois disso eu percebi que poderia ajudar outras pessoas a empreender”, orgulha-se.

Com essa nova indicação, dessa vez em um reconhecimento com chancela internacional, Agda diz que se trata de uma recompensa pelo que já vem sendo realizado há muitos anos e se mostra confiante na conquista de mais essa premiação. “Temos ajudado a transformar muitas vidas. Tenho certeza de que esse prêmio é nosso”.

Tamanho otimismo é respaldado pela própria trajetória. O fato de ter sido enganada ajudou com que ela se apaixonasse pela mecânica e a incentivou a montar sua própria empresa. “Tudo é um aprendizado. Tudo tem um motivo de acontecer para que possamos crescer e é nisso que eu me seguro. Qualquer coisa que aconteça eu tento procurar o lado bom. A gente tem que aproveitar e aprender. Eu precisava ter passado por aquilo para eu estar onde estou hoje”, comemora.

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