Jonathan Campos/ Gazeta do Povo
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Fabio Galão, Gazeta do Povo

Dentro das ações de voluntariado, há uma categoria especial: a retribuição. Pessoas e comunidades se mobilizam para ajudar instituições que lhes prestaram ou prestam algum tipo de atendimento ou serviço – ou para familiares e amigos.

A servidora pública Cleide Anastácio Rando, 68 anos, é voluntária no Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba, desde que passou por radioterapia na instituição para tratamento de um câncer de mama, em 2001. “Eu achava o ambiente muito triste, por serem pacientes oncológicos. Eu fazia as sessões à noite, e traziam outros pacientes muito fragilizados. Decidi que, se me curasse, ia ajudar aquelas pessoas, amenizar o sofrimento delas dedicando parte do meu tempo”, lembra.

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Recuperada, Cleide faz de tudo como voluntária, desde ajudar pacientes sem acompanhante a se alimentar até trazer chinelos, fraldas descartáveis e outros itens para quem não tem condições financeiras. Também colaborou na gestão do hospital, integrando a Rede Feminina e a Liga Paranaense de Combate ao Câncer.

Nas últimas duas décadas, colecionou histórias marcantes. “Uma vez, quando eu era presidente da Rede Feminina, recebi um recado de uma mulher cujo marido estava mal, internado, e ela queria que um padre fosse até ele. O problema é que o padre que sempre fica conosco não estava no momento. Fiquei ansiosa por não poder ajudar, fui ao quarto, pedi desculpas, mas disse a ela: ‘Se a senhora não se incomodar, nós duas podemos colocar as mãos sobre o seu marido e rezar por ele’. Ela aceitou; quando terminamos a oração, ela me abraçou e chorou copiosamente. O marido morreu no dia seguinte”, recorda a servidora pública.

“Outra história marcante foi de uma adolescente que estava internada na ala pediátrica e sonhava com uma festa de 15 anos. E nós fizemos, com vestido, decoração de festa de debutante, tudo”, relata Cleide. “Outro adolescente, um menino, sonhava ser chef. Compramos um uniforme e o levamos a um restaurante, onde ele ajudou a fazer um prato. Ele morreu dias depois e foi enterrado com a roupa de chef.”

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O sentimento de retribuição é forte na família da servidora: seu marido também é voluntário no hospital e conselheiro da Liga. “Eu quis dar um agradecimento a Deus por ter me curado e ao mesmo tempo ajudar o próximo, quem não tem as mesmas condições, menos favorecido. A forma como você reage à doença tem muito a ver com os seus valores. Eu queria retribuir pela benção de ser curada. Perante Deus, somos todos irmãos”, justifica a voluntária.

Adriano Lago, superintendente do Erasto Gaertner, destaca o trabalho dos voluntários, entre eles muitos que foram atendidos ou que tiveram parentes ou amigos passando pelo hospital. “De corações mexidos por uma passagem pela instituição, mobilizamos muita coisa. Eles captam recursos, ajudam na gestão, na rede de relacionamentos, mobilizam entes políticos”, explica.

“O Erasto Gaertner não é uma ilha. Temos vários câncer centers no Brasil que mobilizam muitas pessoas. E quando acontecem grandes catástrofes, o brasileiro tem o espírito de ajudar. O que o Erasto talvez faça diferente é que a instituição não apenas oportuniza ajudar, mas também participar. Então, os voluntários atuam em ações para renúncia fiscal, para doações, em campanhas, eventos. Quando a pessoa faz um ato de solidariedade, faz bem a ela não porque faz para o Erasto, mas porque faz a uma pessoa.”

O Amigos do Erasto, associação que congrega voluntários, tem o objetivo de captar e gerir recursos para contemplar os itens do plano diretor da instituição. A iniciativa mais ambiciosa é a construção do Erastinho, que será o primeiro hospital oncopediátrico do Paraná – parte da obra está sendo custeada pelo Estado e, além da verba que já havia levantado, o Amigos busca dinheiro para as contrapartidas. “A primeira fase, da construção civil, deve ficar pronta em outubro do ano que vem e depois iremos atrás de recursos para a segunda, quando será equipado o hospital”, diz Gino Oyamada, presidente da associação.

Mobilização pela educação

Em março, alunos e ex-alunos da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) lançaram o Fundo Centenário, associação sem fins lucrativos que tem o objetivo de financiar projetos da comunidade acadêmica. “A ideia surgiu porque estudamos cinco anos em uma das melhores escolas de engenharia do Brasil e enxergamos muito potencial nela. Olhamos para fora e observamos como as universidades são financiadas e adotamos o modelo de endowment funds (fundos patrimoniais). Vemos como uma forma de retribuir pela nossa formação e ajudar a escola para o futuro”, explica Eduardo Prato, formando em Engenharia da Produção e um dos fundadores do Centenário.

“O brasileiro não tem uma cultura de doação. Em casos como a tragédia de Brumadinho, o brasileiro se mobiliza, faz as coisas acontecerem. Mas é algo mais pontual”, diz Eduardo Prato

O nome do fundo reflete a cultura buscada pelos criadores: segundo Prato, a inspiração veio de um prédio da Escola de Engenharia de mais de cem anos que foi reformado com dinheiro de doações. Os recursos captados serão aplicados em investimentos de baixo risco e os rendimentos destinados a projetos de alunos de graduação, equipes de competições acadêmicas, professores, mestrandos e doutorandos. No ano que vem, será lançado o primeiro edital para seleção de projetos. Prato diz que o Centenário tem despertado muita procura. “Estamos em linha com a meta de arrecadar R$ 1 milhão até o final do ano”, projeta.

O Conselho Deliberativo, composto por dois representantes da Escola de Engenharia e cinco representantes dos doadores do fundo, será responsável pela seleção dos projetos. “O brasileiro não tem uma cultura de doação. Em casos como a tragédia de Brumadinho, o brasileiro se mobiliza, faz as coisas acontecerem. Mas é algo mais pontual: para projetos de longo prazo, não é a mesma coisa. Os fundos patrimoniais podem começar a mudar isso”, acredita Prato.

“O que ajuda em outros países é o benefício fiscal (para doadores) e no Brasil não há isso, o que atrapalha a captação. Quem ajuda é porque gosta muito da causa. Se houvesse algum benefício, haveria muito mais recursos. Este ano, houve um grande avanço, que foi a sanção da lei (que regulamenta a criação) dos fundos patrimoniais, mas infelizmente os incentivos fiscais foram vetados. Porém, continuamos na batalha para conseguir recursos”, diz o estudante.

Atuando pela segurança

Como a violência é uma das maiores preocupações da sociedade brasileira hoje, tornaram-se comuns histórias de comunidades que se mobilizam para ajudar a equipar as forças de segurança pública que as atendem. O Paraná teve uma iniciativa pioneira na área. O Conselho Comunitário de Segurança de Maringá (Conseg) foi criado em 1983, diante dos problemas de segurança que a cidade enfrentava, e já no primeiro ano fez sua primeira campanha para colaborar com as polícias Militar e Civil, doando viaturas para as duas corporações.

“O Conseg é um órgão da comunidade, com uma diretoria toda voluntária que, pelo estatuto, não pode ter afiliação a partidos políticos. Temos interesse na discussão da segurança da cidade e nos reunimos semanalmente na Associação Comercial e Industrial de Maringá (Acim) para debater o que pode ser melhorado”, explica Taise Andréa Triana, supervisora administrativa do conselho.

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Para fazer doações e desenvolver atividades, o Conseg Maringá busca parcerias: corre atrás de recursos junto a entidades e empresas e em editais das justiças Federal e Estadual e da Receita Federal (como leilões de mercadorias apreendidas) e realiza bazares beneficentes. “Desde 2004, quando o Conseg passou a ser vinculado à Acim, já foram feitos investimentos de mais de R$ 14 milhões na segurança pública em Maringá. Com esse dinheiro, foram adquiridos equipamentos de interceptação telefônica e informática, entre outros, foi construída a sede da Polícia Ambiental e reformada a da Polícia Federal”, relata a supervisora.

M.-Zaoboni Photo M.-Zaoboni Photo

O conselho também desenvolve projetos não relacionados diretamente à segurança pública. Triana cita dois exemplos: uma parceria para ofertar aulas de dança e karatê no Lar Escola, entidade local que atende crianças e adolescentes em situação de risco no contraturno escolar, e o Visão da Liberdade, vencedor do Prêmio Innovare de 2017 na categoria Justiça e Cidadania.

No projeto, detentos da Penitenciária Estadual de Maringá (PEM) desenvolveram materiais em relevo e livros em braile e falados para serem utilizados por alunos atendidos pelo Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual (CAP). Os materiais foram distribuídos até para outros estados e chegaram à Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa.

Tudo no espírito de retribuição e ajuda – ao invés de esperar soluções prontas. “É muito fácil apenas apontar os problemas, mas a própria Constituição Federal estipula (no artigo 144) que a segurança pública é um dever do Estado e responsabilidade de todos. Ouvimos a população e desenvolvemos projetos para tornar a cidade mais segura. Maringá é com frequência apontada como uma das melhores cidades para se morar no Brasil, e os índices de segurança influenciam nisso, mas ainda não são ideais e a gente busca ajudar”, aponta Triana.

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