A proibição da entrada de crianças em qualquer lugar público configura uma conduta discriminatória, além de ser uma violação explícita ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
A proibição da entrada de crianças em qualquer lugar público configura uma conduta discriminatória, além de ser uma violação explícita ao Estatuto da Criança e do Adolescente.| Foto: Piron Guillaume/Unsplash

Hotéis, restaurantes e até mesmo companhias aéreas têm restringido a entrada de crianças, buscando atrair clientes que declaram não gostar dos pequenos e estão em busca de paz, tranquilidade e silêncio.

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O movimento childfree, originário da Europa, nasceu entre pessoas que não gostariam de ter filhos. Porém, atualmente, presente em todo o mundo, propaga a ideia de restringir ou vetar o contato dos adultos com as crianças em espaços públicos ou de uso coletivo.

A proibição da entrada de crianças em qualquer lugar público, além de configurar uma conduta discriminatória, como já conversamos aqui no Sempre Família, também é considerada como violação explícita ao Estatuto da Criança e do Adolescente e, ainda, prática abusiva, infringindo o Código de Defesa do Consumidor.

Estatuto da Criança

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante, através do art. 16, liberdade de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, de modo que qualquer proibição configura violação do direito assegurado por lei.

Cabe destacar, conforme aponta Angela Mendonça, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e Adolescentes do Paraná (CEDCA), que a legislação determina, conforme art. 18, como dever de todos velar pela dignidade da criança, assegurando a proteção de qualquer tratamento vexatório ou constrangedor.

“A regra é que as crianças participem da vida comunitária, um direito estruturante garantido pelo Estatuto da Criança”, destaca ela. “Portanto, cercear o trânsito, a permanência, o ingresso, o acesso da criança à espaços comunitários, viola a premissa garantida”.

Direito do Consumidor

A legislação consumerista, conforme ensina a professora de Direito do Consumidor Claudia Silvano, considera o consumidor como uma pessoa vulnerável, ou seja, a parte frágil da relação. Só que dentro do rol de vulneráveis, há consumidores que são mais vulneráveis do que outros, como as crianças.

Dessa forma, a lei não autoriza o fornecedor a negar a entrada de uma criança em seu estabelecimento, sob pena de configurar discriminação daquele que já é vulnerável pela sua idade, ainda que garantida a livre iniciativa.

“A Constituição Federal, no art. 170, que trata da ordem econômica, estabelece como princípios tanto a defesa do consumidor, como a livre iniciativa, com o mesmo grau de importância. Se tem o mesmo grau de importância, entende-se que é dada a possibilidade para qualquer pessoa empreender, desde que não desrespeite o consumidor, em especial aquele mais vulnerável, como a criança”, explica a professora.

Além do mais, restringir o acesso de crianças em ambientes públicos configuraria claramente uma conduta abusiva, ou seja, exige do consumidor uma vantagem manifestamente excessiva. “Tal conduta é muito temerária, pois pode desencadear novas formas de discriminação com grupos de minorias”, destaca Claudia.

Se barrarem meu filho na entrada de algum estabelecimento, o que fazer?

Desde 2016, com o acréscimo do parágrafo único no art. 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que garante que os direitos fundamentais inerentes à pessoa serão aplicados a todas as crianças sem discriminação, é claro o direito de livre circulação em ambientes que facilitem o seu desenvolvimento.

Portanto, caso a criança seja impedida de entrar em qualquer lugar público, a família deve procurar o Ministério Público e o Procon, a fim de garantir a proteção dos direitos da criança e da família que foram violados. Além disso, também pode buscar uma indenização por danos morais, conforme o constrangimento que sofreu.

Julia Gitirana, doutora em Políticas Públicas e professora de Direito Constitucional, destaca também que a família pode registrar um boletim de ocorrência na delegacia de proteção dos direitos da criança e do adolescente. Essa atitude ajudará a evitar novas infrações ao ECA por parte daquele estabelecimento.

Deslegitimação da família

Além das infrações legais, a segregação das crianças impacta, inclusive, na deslegitimação da família, que se vê impossibilitada de frequentar determinados lugares, diante da restrição de estar acompanhada pelas crianças que fazem parte dela.

Dessa forma, essa é uma punição que, inevitavelmente, repercute para todos os familiares, pois “também são impedidos de conviverem em sociedade ou terem um momento de descanso”, alerta Julia. Além do mais, Angela lembra, ainda, que “conviver com as crianças é parte do processo civilizatório e, portanto, a humanidade precisa desenvolver essa capacidade”.

Há exceções?

A regra geral deve permitir que as crianças frequentem todos os espaços públicos, porém há exceções quando os ambientes não são adequados para o seu desenvolvimento, como casas de jogos ou locais onde há o consumo de álcool, como casas noturnas.

Nesses casos, segundo Angela, a legislação regula taxativamente quais são as exceções e como elas devem ser tratadas, conforme art. 74 a 80 do Estatuto da Criança e do Adolescente, não podendo ser interpretado de forma ampla e subjetiva, visto que cabe ao poder público regular os locais não recomendados conforme a faixa etária.

“Nesses lugares não é indicado a presença da criança para sua própria proteção. Isso tem que ficar muito claro, que se proíbe pelo óbvio, como numa balada, porque o prejuízo seria para a criança, não para garantir um conforto para o adulto”, finaliza Claudia.

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