Servizio Fotografico Vaticano/Divulgação
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O Papa Francisco publicou hoje uma “carta ao Povo de Deus” em que comenta o relatório de um júri da Pensilvânia sobre os abusos sexuais cometidos por padres contra mais de mil crianças e adolescentes em um período de cerca de setenta anos, com a cumplicidade da omissão de bispos. O breve texto se segue a outra carta de maio sobre o assunto, dirigida especificamente à Igreja do Chile depois que a visita do papa ao país reacendeu o debate sobre o problema.

Francisco divulgou a carta poucos dias antes de sua visita à Irlanda para o Encontro Mundial das Famílias, durante o próximo fim de semana – outro país marcado por denúncias de abuso sexual por parte de ministros ordenados e religiosos. O Papa Bento XVI também chegou a escrever uma carta sobre o assunto, dirigida aos católicos da Irlanda, em 2010. Entenda em 5 pontos como Francisco compreende esse problema, que tom utiliza e o que propõe como solução.

  1. Abuso sexual, mas não só

Francisco voltou a usar na carta uma forma de se referir a esse problema que tem se tornado comum em seus pronunciamentos: não apenas “abuso sexual”, mas “abuso sexual, de poder e de consciência”. Com essa expressão, o papa alarga os horizontes da questão, apontando o contexto em que o abuso sexual ocorre e, de algum modo, a sua raiz. Ao mesmo tempo, nos lembra que existe também o abuso de poder e de consciência de maneira desvinculada do abuso sexual – e trata-se de formas de abuso igualmente graves.

  1. Mudança cultural

Precisando o contexto das situações de abuso, Francisco fala de uma “cultura da morte” – termo popularizado por São João Paulo II, sobretudo a partir da encíclica Evangelium Vitae, de 1995, para descrever uma tendência cultural que normaliza “o aborto, a eutanásia, a guerra, a guerrilha, o sequestro, o terrorismo e outras formas de violência ou exploração”, nas palavras do papa polonês. É um conceito associado ao de “estruturas de pecado” (EV 24). Dessa forma, Francisco sublinha que esse tipo de problema necessita de uma mudança cultural para ser superado completamente. Políticas de tolerância zero são indispensáveis, mas insuficientes.

  1. Envolvimento de todos

Contra uma “cultura da morte”, o papa propõe uma “cultura do cuidado”, “capaz de evitar que essas situações não só não aconteçam, mas que não encontrem espaços para serem ocultadas e perpetuadas”. Segundo Francisco, isso requer o empenho de “cada batizado”: “A única maneira de respondermos a esse mal que prejudicou tantas vidas é vivê-lo como uma tarefa que nos envolve e corresponde a todos como Povo de Deus”, escreve ele. Isso porque, quando fica claro que existem laços entre o abuso de poder e de consciência e o abuso sexual, é preciso ter o olhar atento para não perpetuar, dentro da comunidade cristã, sistemas (de pensamento, de comportamento, de disciplina, etc.) que alimentam esses outros tipos de abuso de forma direta ou indireta.

  1. Corrupção espiritual

Francisco cita dois principais problemas estruturais que favorecem a perpetuação dos diversos tipos de abuso: o clericalismo, que o papa descreve como “um modo anômalo de entender a autoridade na Igreja”, e a corrupção espiritual, “uma cegueira cômoda e autossuficiente”, própria de quem “não encontra nada grave a censurar-se”, que se disfarça de pureza moral, de ortodoxia e de vida espiritual. É a postura típica dos fariseus criticada incansavelmente por Jesus, caracterizada pela autorreferencialidade e por um elitismo que gera “comunidades, planos, ênfases teológicas, espiritualidades e estruturas sem raízes, sem memória, sem rostos, sem corpos, enfim, sem vidas”, escreve Francisco. O caso mais paradigmático na história recente da Igreja é o do padre Marcial Maciel, fundador da congregação dos Legionários de Cristo.

  1. Na raiz do problema

Em toda a carta, fica claro que Francisco aborda a questão desde um ponto de vista primariamente teológico, ou melhor, teologal. O sofrimento das vítimas é visto como “um gemido que clama ao céu […], mais forte do que todas as medidas que tentaram silenciá-lo. […] Clamor que o Senhor ouviu, demonstrando, mais uma vez, de que lado Ele quer estar”. Ele convida a Igreja “ao exercício penitencial da oração e do jejum”, a fim de “sensibilizar os nossos olhos e os nossos corações para o sofrimento alheio e a superar o afã de domínio e controle que muitas vezes se torna a raiz desses males”. A mesma abordagem, mais espiritual do que sociopolítica (embora não desconsidere também essa dimensão), caracterizou o encontro do papa com os bispos do Chile, em maio, que foi realizado em clima de oração e de exame de consciência. O resultado foi que todos os bispos do país colocaram seus cargos nas mãos do papa ao fim do encontro.

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