Ao reforçar as qualidades do cônjuge para os filhos, os pais também ensinam os pequenos a olhar para o que há de bom nas pessoas.
Ao reforçar as qualidades do cônjuge para os filhos, os pais também ensinam os pequenos a olhar para o que há de bom nas pessoas.| Foto: Bigstock

Desde que nascemos, dificilmente nos é ensinado a elogiar comportamentos adequados, a olhar as qualidades, a valorizar o que o outro faz de bom, inclusive dentro dos nossos lares. Muitas vezes, na correria do dia a dia, esquecemos de ressaltar as qualidades do nosso cônjuge e até mesmo deixamos de reforçar para os nossos filhos as virtudes que o outro tem. Além do mais, muitos possuem o mau hábito de destacar rotineiramente os defeitos do cônjuge, inclusive diante dos filhos.

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Quando há no relacionamento familiar o reforço das qualidades do cônjuge para as crianças, além de aumentar a chance de que o outro se sinta bem e valorizado, cria-se uma oportunidade para ensinar aos filhos a importância de olhar para as características positivas do próximo, ensina Alessandra Pereira Falcão Bueno, psicóloga clínica, doutora em psicologia do desenvolvimento e aprendizagem.

A psicóloga explica que a personalidade da criança é construída ao longo de seu desenvolvimento e as experiências que vivem determinam, inconscientemente, seus comportamentos futuros. “Se as crianças vivem experiências positivas, existe uma maior chance de ter autoestima elevada e boas interações sociais. Além disso, crianças que vivenciam um ambiente afetuoso, em que há espaço para o diálogo, aprendem a resolver seus problemas e a se expressarem quando algo não está bem”, afirma a profissional. “Isso é fundamental para a saúde mental, inclusive trazendo reflexos na adolescência e vida adulta”.

Pais como modelo

Michele Maba, psicóloga clínica, ensina que o universo da criança é construído a partir das primeiras relações estabelecidas, ou seja, se convivem com pessoas confiáveis, cheias de virtude, nas quais pode-se entregar o amor, os filhos acabam enxergando o mundo através desse olhar, acreditando que as pessoas de fora também são desse jeito, passando a entender o mundo como um lugar bom, evitando infinitas causas geradoras de ansiedade e angústia.

Assim, quando um dos cônjuges reforça as virtudes que vê no outro, impacta diretamente no desenvolvimento dos filhos. Isso porque a criança aprende por meio de modelos e também pelas orientações dos pais diante de seu comportamento nas mais diversas situações, acrescenta Alessandra.

“Quando os pais, ao se relacionarem, apontam as virtudes uns dos outros, fazem elogios, demonstram afeto, empatia, escutam a si mesmos e aos outros, além de serem modelos de bom relacionamento aos filhos, estão ensinando os mesmos a se comportarem de maneira positiva”, complementa ela.

“Com toda a certeza, filhos que presenciam esses comportamentos, serão filhos mais afetuosos e menos agressivos. Crianças que têm pais afetuosos, presentes e que têm tempo para ouvi-las e respeitá-las, têm maiores chances de apresentar relacionamentos positivos e menores chances de apresentar problemas de comportamento”.

Cuidado com os maus hábitos

Michele ensina que na terapia cognitivo comportamental, a personalidade, a base para todas as crenças centrais de um indivíduo, possui relação com o que ele pensa sobre si mesmo, sobre o outro e sobre a ideia de futuro, tornando essa tríade imprescindível para o relacionamento com o próximo.

Por isso que, quando um dos pais critica o cônjuge com frequência e de forma pejorativa, a criança cria uma ideia inadequada dessa pessoa por conta daquela característica específica e isso a impede de julgar por si só, nem que seja ao longo dos anos de crescimento e amadurecimento, como é verdadeiramente seu pai ou sua mãe.

“Dizer com um olhar pautado na relação com um adulto sobre o que acha dele é uma coisa, agora para uma criança pequena, quando insistentemente recebe a opinião de terceiros sobre a personalidade de outra pessoa, é ter roubada a ideia inicial de que todo pai ou mãe é herói, sendo-lhe retirada a oportunidade de descobrir sozinha os defeitos que cada um possui e a forma de lidar com aquilo do jeito que seu cérebro permita conforme seu amadurecimento”, explica Michele.

É sempre importante lembrar que pai e mãe são figuras de autoridade, destaca Alessandra. E por isso, ambos merecem ser respeitados. “Uma relação familiar saudável envolve respeito, parceria e cumplicidade. Ao apontarmos os defeitos do outro podemos estar aumentando a chance de que a criança passe a olhar para o pai ou para a mãe de uma maneira diferente, podendo acarretar desobediência, descumprimento às regras e falta de educação por parte da criança”, alerta a psicóloga. “A criança pode inclusive perder a admiração e começar a enxergá-lo de maneira diferente. Crianças não devem ter que optar por ficar do lado de um dos pais”.

Impacto nas futuras relações das crianças

A prática dos pais reforçarem as qualidades ou defeitos do outro pode impactar nas futuras relações amorosas dos filhos, pois é na infância que, inconscientemente, são definidas como serão as relações amorosas escolhidas futuramente.

Michele conta que, infelizmente, o ser humano possui a tendência de optar pela segurança do que é conhecido. Por exemplo, é comum encontrarmos um filho de pais com vícios que, inconscientemente, atrai parceiros com o mesmo perfil, pois embora seja algo ruim, é uma experiência já conhecida e, para ele, isso é melhor do que mergulhar num universo novo.

“Através dessa tendência de atrair parceiros que sejam parecidos com aquelas características que foram mais gritantes nos pais, seja pelo que conviveu ou pelo que foi apontado recorrentemente por alguém, a criança irá reproduzir, inconscientemente, os mesmos comportamentos, virtuosos ou não”.

Como corrigir o que já foi dito sem consciência?

Alessandra orienta que o mais adequado a se fazer, caso o parceiro esteja apresentando comportamentos que não estejam agradando, é conversar com ele em um momento em que a criança não esteja presente, pedindo para que aja de maneira diferente. Isso, consequentemente, trará benefícios para o relacionamento conjugal e familiar.

Se o casal tem o desejo de reverter os maus hábitos ou o que foi dito sem consciência, Michele afirma que o ideal é reconstruir a imagem do cônjuge, destacando suas virtudes. Isso é possível graças à neuroplasticidade apresentada pelas crianças, por sua capacidade de adaptação e até pela resiliência que carregam, muito maior do que a dos adultos, tornando mais fácil reconstruir uma nova visão daquela pessoa.

“O ideal é que seja reconstruída a imagem do cônjuge, adicionando elementos positivos na história que façam com que a criança possa enxergar que todo ser humano não é visto de forma dicotômica, todo ruim ou todo perfeito, o bonzinho ou malvado, e sim que todos são um aglomerado de características, de afetos, de personalidade que nos constroem”, observa Michele. “Assim, podem passar a olhar para as características boas de um dos pais que não foram bem-vistas até o momento”.

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