O essencial para sair desse furacão de pressão é a consciência clara de que nem sempre é preciso responder o quanto antes.
O essencial para sair desse furacão de pressão é a consciência clara de que nem sempre é preciso responder o quanto antes.| Foto: Jenny Ueberberg/Unsplash

Quando estávamos preparando esta matéria, o contrassenso era curioso: queríamos falar sobre a sensação de vivermos em uma cultura que exige de nós responder o quanto antes as mensagens que recebemos por meio dos aplicativos, e ao mesmo tempo precisávamos que os especialistas com quem entramos em contato respondessem com certa agilidade. O processo de produção desta reportagem já é um bom exemplo de como se tornou incontornável correr na velocidade que o mundo de hoje tem nos exigido. Mas como lidar com isso?

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“Durante a pandemia, tivemos muitos problemas para aprender como distinguir espaços. A tecnologia fez com que o trabalho entrasse violentamente dentro das nossas casas”, diz a psicóloga Eloisa Fernanda Feltrin, ressaltando como essa dinâmica acarreta numa perda da nossa identidade tanto em relação ao lar quanto em relação ao trabalho – não sem reconhecer a ironia de estar respondendo à reportagem do sofá da sala da sua casa.

“Em tese podemos estar acessíveis para o trabalho 24 horas por dia. Por outro lado, somos constantemente interrompidos no nosso trabalho e durante as aulas por mensagens da família, amigos e dos inúmeros grupos dos quais fazemos parte. Tudo tem urgência, necessitando de resposta imediata”, comenta a também psicóloga Luiza Helena Rocha. “Isso interfere na produtividade e na qualidade do trabalho”.

Multitarefa, mas nem tanto

De fato, ter todos os nossos contatos ao alcance de alguns toques na tela e ser capaz de resolver uma série de tarefas onde quer que estejamos, todas ao mesmo tempo, pode causar a impressão de que somos produtivos – e a realidade pode ser bem diferente. “Se eu trabalho pelo celular, é muito fácil me desconectar do que preciso fazer, abrir uma rede social e desfocar da minha intenção original”, diz Eloisa.

“O que acontece é que temos a falsa impressão de que podemos fazer várias coisas simultaneamente e, dependendo, até conseguimos, mas possivelmente a nossa atenção estará diluída e nossa energia dispersa em meio a tantos estímulos”, explica Lúcia Lima Pinto Coelho, gerente de Desenvolvimento Organizacional do Grupo Marista. “Isso sempre nos dá uma sensação de cansaço e de que não conseguimos fazer nada do início ao fim”. Esse ritmo alucinado afeta também, é claro, a qualidade das nossas relações.

“Fico muito preocupada quando as pessoas usam os aplicativos de mensagem para falar de assuntos sérios ou discutir a relação. Ali não temos todas as nuances da comunicação ao vivo como o olhar, a postura corporal. Muitos conflitos nascem e são agravados dessa forma”, avalia Luiza. “Vejo muitos adolescentes que só sabem ouvir áudios e ver vídeos em velocidade dois. Mas na vida real as pessoas não falam em velocidade dois”, pontua Eloisa, que avalia que viver num ritmo que a vida real não tem ocasiona um aumento da ansiedade.

Impor-se limites

O essencial para começar a se desvencilhar desse furacão de pressão é estabelecer limites, na consciência clara de que nem sempre é preciso responder o quanto antes. “Se não trabalho a minha consciência de que o meu horário de trabalho é determinado, meu corpo naturalmente me levará a um processo de sabotagem”, sublinha Eloisa. “Tem pessoas que acabam levando para casa trabalhos que não precisariam levar. Até que ponto é realmente necessário? Pode ser que seja uma semana com mais pressão, ou um mês mais atarefado, mas precisa existir um limite, e quem põe o limite somos nós”.

“O estabelecimento de um horário de corte para as demandas do trabalho é extremamente saudável. Quando não conseguimos estabelecer essa fronteira, o custo de uma rotina sem o tempo necessário de descanso gera stress, ansiedade e pode desencadear uma série de doenças e transtornos emocionais”, explica Lúcia. “Cuidar da gente mesmo é a nossa primeira obrigação: só assim estaremos bem para atender com qualidade aqueles que precisam de nós”.

Claro, o diálogo sobre o assunto no ambiente profissional é uma medida que pode se fazer necessária. “Pode ser preciso conversar sobre quais são as expectativas, e o que você pode entregar. Há situações em que o cargo e a função exigem uma maior disponibilidade, mas não são a maioria”, avalia Luiza, sublinhando a necessidade dos momentos de lazer para recarregar as baterias, manter a saúde mental e, com isso, estar em dia também com a própria produtividade.

Algumas táticas

Não é de improviso que se consegue estabelecer uma relação saudável com as demandas que nos chegam pelos aplicativos de mensagens. Por um lado, como recomenda Lúcia, faz muito bem reservar uma parte do dia para um “detox” dos dispositivos eletrônicos. Por outro, podemos virar o jogo e fazer da tecnologia a nossa aliada, em vez de inimiga: se a pressão é por responder o quanto antes, o caminho é aprender a priorizar as demandas e a delimitar a nossa atenção a elas, e há muitos recursos para isso.

“Começar o dia estipulando quais são as suas prioridades de entrega e, se possível, alguns horários específicos para ler e-mails e mensagens, realmente pode ajudar”, diz Lúcia. “Como muitas das mensagens e demandas que recebemos estão fora do que previmos inicialmente, é necessário classificá-las: nem tudo que é importante é também urgente. Por isso dar uma ordem ao que será respondido antes ou depois já nos possibilita estarmos mais presentes no aqui e agora”.

A profissional lembra, por exemplo, que no WhatsApp é possível fixar até três mensagens no topo dos contatos que merecem uma prioridade de resposta, enquanto que em plataformas de e-mail recursos para categorizar ou acompanhar mensagens podem ser muito úteis. O ideal seria ter um celular corporativo e um pessoal, mas se esse não for o caso silenciar grupos e contatos do trabalho quando se está com a família e vice-versa ajuda a evitar a dispersão.

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