O funeral é o espaço que a sociedade dá para que a família seja consolada e para que a perda fique mais concreta
O funeral é o espaço que a sociedade dá para que a família seja consolada e para que a perda fique mais concreta| Foto: Ekrulila/Pexels

O assunto para esta “pauta”, como a gente chama no Jornalismo, surgiu de uma indecisão minha. No fim do mês de julho, fui surpreendido pela triste notícia de que um amigo, de 28 anos, havia falecido após um infarto. No grupo de WhatsApp formado às pressas, fiquei sabendo que a família havia conseguido permissão para um rápido velório (devido às restrições impostas pela pandemia da Covid-19) e que o corpo seria sepultado logo em seguida. Com a vontade de ir, veio também a dúvida: presenciar aquela cena fúnebre – do caixão rodeado de crisântemos – ou guardar apenas as boas memórias que eu tinha dele?

“Nós somos seres ritualísticos”, diz a psicóloga e mestre em aconselhamento em luto, perdas e traumas pela Universidade de Barcelona, na Espanha, Mariana Bayer, para explicar que assim como o batismo, a festa de 15 anos e o casamento, o funeral também tem sua função nos nossos dias. “Esse é o espaço que a sociedade dá para que a família seja consolada e para que a perda fique mais concreta”, completa.

Segundo ela, a gente pode até optar em não ir, desde que “ritualize” a despedida de outro jeito. “Pode ser com uma oração em casa, acendendo uma vela, montando um álbum de fotos, ou simplesmente pensando na pessoa que faleceu. Mas, é um momento particular que precisa existir”, insiste. Mariana considera, ainda, que devemos ter o direito de escolher se queremos, ou não, participar da cerimônia – e não sermos “poupados” compulsoriamente pela família, como muitas vezes acontece.

Já Cloves Amorim, psicólogo e pesquisador do luto há 30 anos, recomenda a presença de todos nos funerais, inclusive das crianças. “Elas sabem muito mais do que nós imaginamos e uma criança que vive essa experiência [com a devida explicação dos adultos] aprende a lidar melhor com a morte”, ressalta.

Como forma de justificar o posicionamento, o especialista lembra da história de Buda (príncipe hindu que deu origem ao budismo), que foi poupado do contato com as mazelas humanas e ao se deparar com a doença, com a velhice e com a morte sofreu um efeito devastador. “A morte chega para nós o tempo todo, na TV, no cinema, nos desenhos, na Literatura, no videogame”, argumenta Amorim.

Algo a se considerar, no entanto, é que o conceito de morte não é o mesmo para crianças e adultos. “É só a partir dos 9, 10 anos, que elas começam a entender o que realmente ocorre”, aponta o psicólogo. Segundo ele, antes disso, se você perguntar à uma criança se ela acha que a pessoa falecida pode sentir frio ou fome, ela vai dizer que sim. “O conceito vai se modificando e sendo construindo”, esclarece.

Apego

Professor de Filosofia da PUC do Paraná, Bortolo Valle, avalia que as despedidas costumam ser difíceis de superar porque nós não somos criados para perder. “Nós somos preparados a nos apegar, às pessoas da própria família, às coisas que temos e, numa consequência maior, ao próprio mundo. Nós criamos uma espécie de armadura em relação a isso, como se fôssemos viver para sempre com elas. Mas, a própria vida se encarrega de colocar pontos finais”, pondera.

Citando a teoria do rio de Heráclito, de que “tudo passa e nada permanece”, Valle defende a criação de uma disciplina curricular que ensine o desapego. “O simbólico da separação é muito dramático. Precisamos aprender a conviver com a ideia do término. Afinal, o sentido da eternidade se resume à própria finitude”, declara.

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