Segundo especialistas, a criança e o adolescente vítima de violência física dá sinais claros do que está passando.
Em cerca de 90% dos casos são os próprios pais os violadores. Em segundo lugar, as pessoas que assumem a posição deles, como os avós, padrastos e madrastas.| Foto: Vitolda Klein/Unsplash

Toda vez que uma criança dá entrada no Pronto Atendimento do Hospital Pequeno Príncipe (HPP), em Curitiba, não são “só” as fraturas que chamam a atenção da equipe médica. Os especialistas sabem que – mesmo que elas não falem – as marcas no corpo e a conduta dos responsáveis podem indicar casos de violência doméstica.

Siga o Sempre Família no Instagram!

“O principal ponto em questão é perceber se o mecanismo de trauma relatado pelos cuidadores é compatível com a lesão encontrada no paciente”, diz a médica Maria Cristina Marcelo da Silveira, coordenadora do setor de Urgência e Emergência do HPP.

E ela exemplifica: “Se um bebê chega com hematomas semelhantes dos dois lados da cabeça e o pai, ou a mãe, diz que ele caiu da cadeira, esse é um fator de atenção. Uma criança quando cai, vai bater apenas um lado [da cabeça]. Não tem como ela bater um lado e depois o outro”, esclarece.  

Segundo Maria Cristina, lesões específicas de agressões, marcas de queimaduras e áreas grandes machucadas são encaradas como indícios de maus tratos. “Nos casos de ferimentos graves, crianças de baixa idade ou que o médico não se sinta confiante em devolver a criança aos pais, ela é internada e as autoridades competentes acionadas”, explica.

Indicativos

Já a pediatra e psicanalista Luci Pfeiffer, coordenadora do programa de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Dedica) e médica do Hospital Nossa Senhora das Graças, garante que a criança vítima de violência física dá sinais claros do que está passando.

“Quanto mais grave a situação, mais sinais ela dá. São, principalmente, alterações de comportamento, porque ela vai reproduzir o que vive. Então, essa criança pode ficar agressiva, irritada, acuada, ter problemas de sono, atraso de desenvolvimento. E vai agir assim, especialmente, na presença do seu agressor”, sustenta.

Pelo que afirma, em cerca de 90% dos casos os violadores estão dentro de casa (pais, avós, padrasto, madrasta). “A criança vira refém. Muitas delas crescem e não conseguem denunciar, até porque não sabem que aquilo é errado. Como, muitas vezes, a família toda age daquela forma, passam a achar normal e não têm um parâmetro para dizer que isso não se faz”, aponta Luci.

Agravamento

Para a especialista, que também é membro do Departamento Científico de Segurança da Criança e do Adolescente das sociedades Paranaense (SPP) e Brasileira de Pediatria (SBP), a necessidade de confinamento – trazida pela pandemia de Covid – agravou as ocorrências.

“Houve, ao longo do ano passado, uma diminuição muito grande nas denúncias de violência contra a criança, o que significa que elas perderam as fontes de proteção [professores, pais de amiguinhos, avós, tios, etc]. Não têm mais esse observatório constante. Ou seja, estão ainda mais reféns de seus agressores”, ressalta.

Frente à uma suspeita, Luci Pfeiffer orienta que haja, sim, notificação. “Pode ser via Conselho Tutelar, Disque 100 ou direto no Ministério Público, mesmo que de forma anônima. Essa criança precisa de ajuda. Ninguém tem o direito de maltratar. Nem pai e nem mãe. A denúncia pode ser, inclusive, um caminho para que a família toda seja tratada”, pondera.

Canal aberto

Em Curitiba, por exemplo, funciona, há anos, uma rede de proteção contra casos de maus tratos e violência a crianças e adolescentes. “Se a criança apresenta um sinal de agressão, violação psicológica ou de abuso sexual, o servidor da escola, do hospital, da unidade de saúde ou do CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) preenche um formulário e ela é automaticamente inserida nessa rede”, esclarece a diretora de Proteção Social Especial da Fundação de Ação Social (FAS), Tatiana Possa.

Ela também acrescenta que hoje, além do Disque 100, que é nacional, na capital paranaense as principais ferramentas de denúncia têm sido a central telefônica e o aplicativo 156 da Prefeitura. “Ali, o denunciante pode se identificar, ou não, e dizer o tipo de violência que essa criança está sofrendo. Se é física ou psicológica, se em casa ou na rua, dentro de uma instituição. O que mais nos preocupa é a ausência de denúncia. Por isso, o acesso foi facilitado”, declara.

Deixe sua opinião