Nem sempre comemos por fome, mas por trazer uma memória afetiva ou por uma emoção que nos impulsiona.
Nem sempre comemos por fome, mas por trazer uma memória afetiva ou por uma emoção que nos impulsiona.| Foto: Bigstock

Ainda que muitos tenham se identificado com algum dos transtornos alimentares expostos na sequência de conteúdos publicados, muitas vezes o problema está na falta de consciência corporal e fuga de sentimentos, como é o caso do comer emocional, que trataremos hoje. Na próxima sexta-feira (5), conversaremos sobre quando a seletividade alimentar pode se tornar um problema.

Quem nunca esperou chegar o final de semana, após uma semana cansativa, para "enfiar o pé na jaca" em algum rodízio para desestressar? Ou recorreu a um doce para confortar alguma tristeza momentânea? E ainda mais: quem não faz uma receita do bolinho de chuva da avó, para se recordar da companhia dela e dos momentos alegres que tiveram juntos? Difícil encontrar alguém, não é?! Pois é, nem sempre comemos por fome, mas, muitas vezes, por trazer uma memória afetiva ou por uma emoção ou sentimento que nos impulsiona.  

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Desde que não se torne frequente e a pessoa não perceba que está comendo pela emoção ou sem controle, isso não seria um problema, como muitos acreditam. Porém, quando alguém se habitua a se alimentar como mecanismo para lidar, reduzir, fugir ou se distrair das emoções negativas como tristeza, ansiedade, estresse, tédio, o sinal de alerta deve ser aceso, alerta o psiquiatra Glauber Higa Kaio: “Por ser fácil de ser encontrada, a comida é utilizada por muitos para diminuir qualquer afeto negativo ou desprazer, servindo como conforto ou anestésico da dor emocional”, explica ele, que é mestre em transtornos alimentares.

Assim, devido à relação ruim estabelecida pela comida, ainda que a maior parte das pessoas não tenha um transtorno alimentar propriamente dito, como os que temos explicado ao longo das últimas semanas, muitos, especialmente as mulheres, acabam desenvolvendo o "comer emocional", esclarece Priscilla Leitner, psicóloga especialista em transtornos alimentares. 

E ao não conseguirem distinguir quando estão com fome ou quando são impulsionados à comida devido ao estado emocional que se encontram, alcançam o sobrepeso, além de agravarem sua saúde mental.

Como distinguir a fome da vontade de comer?

Higa Kaio, que fez treinamento em Comer Intuitivo com a Profª Evelyn Tribole, adverte que a consciência prejudicada em distinguir estados internos de fome e saciedade, em identificar os próprios sentimentos ou com dificuldade de regular as emoções de forma adequada, podem resultar na ingestão de alimentos, sem que haja necessidade nutricional para tanto. “Por isso, é fundamental aprender a distinguir fome da vontade de comer”, destaca ele. A fome é fisiológica, é algo físico. “Ela aumenta aos poucos e é saciada depois que há ingestão de alimentos”, explica Higa Kaio.

Além do mais, a fome não exige determinado tipo de alimento, sendo satisfeita pela ingestão de qualquer alimento. Diferentemente da vontade de comer que, conforme esclarece Priscilla, por ser gerada por um gatilho emocional, é seletiva no alimento. “E, por ter vontade de algo determinado, a "fome" não passa quando a pessoa se alimenta de outras coisas. Enquanto não é atendida emocionalmente. O que é diferente da fome, que ao se nutrir adequadamente, a fome some”, completa a psicóloga.

Claro que em algum momento, a fome e a vontade de comer podem coexistir. Então, por não conseguir distinguir um do outro, muitos que têm um comer emocional acabam exagerando na ingestão de alimentos.

Por isso, Higa Kaio acredita que é importante sempre ter em mente que, na fome emocional “disfuncional”, além de aparecer de repente, vai trazer culpa depois da ingestão de alimentos e continua depois que se come muito. “Isso ajuda o paciente distinguir a necessidade fisiológica do impulso emocional”, acrescenta.

Criar consciência dos sentimentos contribui para o tratamento

Nem sempre é um caminho fácil, afinal a comida por si só é emoção. “Além de nutrir e trazer bem-estar, quando a comida às vezes é a única fonte de prazer na vida da pessoa, acaba assumindo um papel confuso”, acredita Priscilla.

Então, para contribuir com o tratamento do comer emocional, a psicóloga orienta que seja construída a consciência de que o alimento é neutro, e que a forma como cada um se relaciona com ele é primordial. “Buscar uma conexão com o corpo e entender os sentimentos presentes na hora da refeição contribuem para percepção da pessoa”, diz ela.

Mas, ainda assim, muitos encontram dificuldades em reconhecer e identificar as próprias emoções, sendo necessária a ajuda profissional com especialistas em comportamento alimentar. Para contribuir com isso, Priscilla criou o Método pra Vida Toda, um tratamento online voltado para pessoas que tem comer emocional e compulsão alimentar. “Sintetizei todas as técnicas que uso em consultório, em um tratamento para ser realizado de trinta dias a seis meses”.

Nele, a psicóloga oferece a superação do "comer emocional", com a mudança de estilo de vida por meio dos hábitos, mentalidade renovada, relação com o corpo e a comida. “É importante que cada um encontre recursos para lidar com as emoções sem usar a comida, através de um tratamento ou não”, acredita ela.

Como criar uma boa relação com a comida?

Após criar a consciência dos próprios sentimentos, é importante manter uma boa relação com a comida. Para isso, Priscilla destaca a importância de se trabalhar a própria mentalidade. “Quando a pessoa libera a mentalidade de dieta, começa a ter um entendimento de que tem a ver com as escolhas e o equilíbrio”, diz ela, ao explicar que nenhum alimento precisa ser retirado da vida humana, desde que se mantenha uns em maior, outros em menor quantidade.

“Fazer das refeições um momento prazeroso e consciente, apreciando cada alimento, sem pressa” também é uma ferramenta que contribui para prestar atenção no motivo de se comer, sugere Higa Kaio. E, ao se deparar com uma alimentação diferente do planejado, é importante evitar o próprio julgamento. “Ir atrás de alguma mudança é essencial, mas mudar o estilo de vida é lento, precisa de paciência até conseguir melhorar a relação com o corpo e o alimento”, tranquiliza o especialista.

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