Quem não está bem consigo mesmo transfere a dificuldade de se compreender ao cônjuge e filhos, dificultando as relações familiares
Quem não está bem consigo transfere a dificuldade de se compreender ao cônjuge e filhos, dificultando as relações familiares| Foto: August de Richelieu/Pexels

Desde que o isolamento social por conta do novo coronavírus se tornou necessário e todas as suas implicações começaram a aparecer (filhos em casa, ensino online, trabalho remoto e distanciamento), a psicóloga Ana Carolina de Carvalho Pacheco percebeu uma mudança no perfil das pessoas que passaram a procurá-la. “Antes quase 100% dos pacientes que chegavam até mim falavam em ansiedade. Agora, essa queixa mudou para 'uma tristeza inexplicável'”, declara.

O impacto desse sentimento, alerta a especialista, pode gerar o efeito “bola de neve” – já que quem não está bem consigo mesmo transfere, automaticamente, isso para os outros. “E esse outro é o marido, a esposa, os pais e os filhos. Então, o que tenho observado é que muitos pacientes, frente à essa obrigação de parar, de aquietar, não se reconhece mais, o que precisa ser trabalhado”, aponta.

Ana Carolina também sustenta que quando uma pessoa aprende a lidar com suas questões internas, ela conduz com muito mais tranquilidade os relacionamentos. “Quando está seguro de si, um jovem tem muito mais calma para lidar com os seus pais, assim como pais equilibrados saberão lidar melhor com crianças e adolescentes que ainda estão formando a sua personalidade”, afirma.

Ela garante, ainda, que o mesmo vale para o casamento. “Quando uma pessoa entende melhor os seus conteúdos, a sua forma de agir, o que dispara gatilhos nela mesma, o que a acalma, o que a tranquiliza ou o que faz voltar o seu estado de presença, tudo isso ajuda imensamente a lidar com quem está do lado dela”, diz.

Autoconhecimento

Outra questão que Ana Carolina tem notado com mais frequências nos atendimentos é o reavivamento de traumas do passado. “Tive casos de pacientes que o isolamento trouxe à tona situações da infância ou de muitos anos atrás, que supostamente já tinham sido superadas. O fato de ter tempo livre faz a gente conviver com pensamentos e memórias e, se eles não forem saudáveis, acabam transformando o nosso presente”, justifica.

E seria este um bom momento para mexer no baú de memórias e falar sobre as feridas ainda abertas dentro de casa? Para a terapeuta, depende. “Existem famílias que vão conseguir fazer isso lindamente e outras que não, porque principalmente nos lugares onde existe afeto é bem mais difícil de assumir os erros. Geralmente na família as pessoas tentam se defender a qualquer custo do julgamento do outro, porque esse julgamento é importante para ela”, explica.

Nesses casos, Ana Carolina recomenda uma análise criteriosa sobre se vale realmente a pena retomar o conflito em um período tão conturbado e não descarta a possibilidade de incluir um profissional na conversa, caso a família opte por tratar daqueles assuntos mais "espinhosos".

Quando procurar ajuda?

São muitos os indicativos de que alguém possa estar precisando de ajuda especializada para superar um trauma, mas, segundo Ana Carolina, o ponto de atenção tem que ser a falta de controle ao lidar com o tema. “A pessoa tem que perceber se aquilo está gerando algum tipo de mal-estar na vida dela, que pode ser desde tristeza ou desânimo, até consequências mais graves como autoflagelação e o abuso de álcool e drogas para aliviar o sofrimento”, orienta.

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