Campanha criada pelo centro Marista de Defesa da Infância busca prevenir a violência sexual infantil através da conscientização e prevenção.
Campanha criada pelo centro Marista de Defesa da Infância busca prevenir a violência sexual infantil através da conscientização e prevenção.| Foto: Divulgação/Defenda-se

Quantas vezes já ouvimos frases como: “criança não tem de querer”, “criança não tem vontade, nem escolha”, “criança tem que obedecer e pronto”? E ainda é mais comum vermos a famosa palmada entrando em ação, após uma travessura infantil. Infelizmente, mesmo que as leis proíbam o castigo físico, a violência ainda é considerada um instrumento pedagógico para as crianças, que muitas vezes são vistas pelos adultos como pessoas sem vontade.

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E por muitos não as valorizarem como detentoras de direitos, acabam também sendo, muitas vezes, vítimas da violência sexual, uma realidade quase invisibilizada por conta dos tabus e do silêncio das vítimas, por se entenderem como parte responsável do processo ou terem dificuldade em identificar a situação vivida como violência.

Frente a isso, em 2014, o Centro Marista de Defesa da Infância (CMDI) decidiu criar uma campanha capaz de mudar a cultura de naturalização da violência e promover a prevenção através da conscientização: o “Defenda-se”.

Mas o que faz a campanha?

O projeto, presente em todos os países onde há presença Marista, busca promover a autodefesa de crianças contra a violência sexual por meio de uma série de vídeos educativos com linguagem acessível e amigável, apropriados para meninas e meninos entre 4 e 12 anos de idade.

Para chegar ao maior número de crianças, os vídeos - que abordam temas como sentimentos, autoconhecimento do corpo, privacidade, formas de carinho, direitos de crianças e adolescentes e segurança online - possuem versões em inglês, espanhol, audiodescrição e tradução para Libras. “As histórias apresentam situações em que as crianças têm condições reais de agir preventivamente, especialmente pelo reconhecimento dos seus direitos sexuais e de estratégias que dificultam a ação dos agressores”, conta Cecília Landarin Heleno, responsável pelo programa.

As informações apresentadas, segundo ela, aumentam as chances de as crianças identificarem as situações de violência sexual no contexto familiar, escolar e em outros locais de maior convívio. “Assim, podem quebrar o ciclo de violência denunciando a violação a um adulto de confiança, ao Conselho Tutelar ou outros canais”, acrescenta Cecília.

E o sucesso foi tanto que, além de compor o acervo da biblioteca da Organização dos Estados Americanos (OEA), o projeto, desde 2021, começou a produzir materiais educativos também aos adultos. “Buscamos contribuir com as famílias e profissionais para que prestem atendimento adequado às crianças e dialoguem sobre o desenvolvimento da sexualidade infantil”, destaca a responsável.

Conscientização no ambiente escolar

Além das mais de 20 mil crianças e adolescentes alcançadas, o projeto já contou com a participação de mais de 10 mil profissionais nas ações de mobilização e formação. Justamente porque o Centro Marista acredita que após conhecer o problema e agir para proteger os direitos de crianças e adolescentes, o ambiente escolar também pode cooperar para conscientização infantil.

E isso pode ser comprovado por Cíntia de Oliveira, educadora marista. Ela, que trabalha esse tema com as crianças de forma lúdica, já presenciou revelações espontâneas de situações de violência, assim como percebeu a repercussão da conscientização nas rodas de conversa. “A escola é um espaço seguro e de escuta, onde nós, educadores, devemos estar atentos às situações que podem surgir durante as brincadeiras e diálogos entre as crianças”, destaca a profissional.

Através de histórias e das rodas de conversas, os vídeos da campanha são utilizados pela educadora, inclusive como forma de expressão, pois “através deles as crianças podem trazer muitas vivências, como um passeio com a família, sua brincadeira preferida e até mesmo situações ruins que vivenciaram”, explica Cíntia.

Segundo ela, por ser o local onde meninos e meninas passam a maior parte do tempo, a escola é onde muitas vezes as crianças demonstram situações que vivenciam fora dali, possibilitando que sejam ensinadas a reagir de forma adequada. “Conscientizar a criança é ajudá-la a entender o que é a violência. Por isso, ensiná-la a identificar seu corpo, entender um caso de abuso e a pedir ajuda é extremamente necessário”, completa a especialista, ao destacar a importância da campanha Defenda-se.

Mas e na prática, quando há suspeita de violência infantil, como acolher a criança?

Ainda que a criança ou o adolescente não relate diretamente o que sofreu, perceber a situação de violência coloca o adulto na posição de responsável pelo encaminhamento da situação. Inclusive o art. 13, do Estatuto da Criança e do Adolescente obriga que, frente a qualquer suspeita de maus tratos, tratamento cruel ou degradante, o conselho tutelar seja comunicado. “Existem várias formas de comunicar uma suspeita ou identificação de violência, inclusive anonimamente”, destaca Cecília ao destacar a importância da denúncia.

E quando a criança ou adolescente relata uma situação de violência que sofreu ou testemunhou de forma espontânea, “o adulto que foi escolhido pela criança tem um papel ainda maior de acolhimento”, acrescenta ela.

Por isso, todos devem aprender a escutar atentamente o que lhe é dito, absorvendo o máximo de informações possíveis, tendo o cuidado para evitar palavras ou reações de choque, susto, constrangimento, julgamento, dúvida ou penalização da vítima. “A postura de quem escuta deve ser atenciosa, empática e aberta, oferecendo abrigo, amparo, cuidado e segurança à criança” para depois encaminhar o relato de violência aos canais de denúncia.

A situação é tão delicada, também para o adulto, que o Defenda-se desenvolveu um jogo com as informações sobre o que fazer antes, durante e depois do momento de escuta: Revelação espontânea: cartas à comunidade educativa. “O material é voltado para profissionais de espaços educacionais, mas é útil para todos, já que qualquer pessoa pode ser escolhida por uma criança para receber um relato de violência”, acrescenta Cecília.

Autodefesa é a maior ferramenta de prevenção

Infelizmente, a maioria dos autores de violência sexual contra crianças e adolescentes são familiares, amigos, conhecidos ou pessoas com outro vínculo de proximidade com a vítima. “Considerando a faixa etária de 0 a 9 anos, apenas 6% dos autores de violência sexual eram desconhecidos(as), segundo as notificações registradas no SINAN entre 2011 e 2017. E no caso das vítimas de 10 a 19 anos, 22%”, informa a responsável pela campanha.

Fato que justifica ainda mais a importância da conscientização e autodefesa desempenhada pelas crianças. “A campanha entende as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, incluindo para receber informações e ter condições de serem parte ativa da proteção, quando percebem a situação de risco e comunicam um adulto de sua confiança”, destaca a porta-voz do CMDI.

Assim, como nos vídeos da campanha, além dos 14 vídeos produzidos até o momento pela campanha, Cecília indica aos pais que ensinem as crianças e adolescente a:

  • Nomear as partes íntimas, pelo nome científico ou pelos apelidos familiares;
  • Entender que adultos e outras crianças não podem tocar em suas partes íntimas, e que também não se deve tocar as partes íntimas de outras pessoas;
  • Perceber e nomear sentimentos e emoções gerados pelas relações sociais que estabelece;
  • Ter uma imagem positiva de si, cuidando também das fotos e informações que compartilha na internet;
  • Entender que é dona do próprio corpo e deve dizer não sempre que um toque a deixar com medo, vergonha, triste ou machucada;
  • Reconhecer quem pode tocar no seu corpo, seja para auxiliar em situações de higiene, saúde ou segurança;
  • Saber quais atitudes podem ser feitas em espaços públicos e quais são privadas;
  • Entender conceitos sobre consentimento e espaço individual;
  • Não aceitar receber carinhos em segredo ou em troca de presentes, doces e dinheiro;
  • Confiar que pode estabelecer diálogo sobre sexualidade com um adulto de confiança;
  • Conhecer formas de denúncia;
  • Respeitar a faixa etária indicada em redes sociais, jogos e aplicativos.
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