Ter um bom amigo é importante para todo ser humano, pois contribui para o desenvolvimento pessoal e para a qualidade de vida.
Ter um bom amigo é importante para todo ser humano, pois contribui para o desenvolvimento pessoal e para a qualidade de vida.| Foto: Bigstock

Amar e rejeitar as mesmas coisas é o modo que Tomás de Aquino define a amizade. Facilmente percebida entre as mulheres, seja da época escolar, originária do trabalho ou nascida durante a prática de algum hobby, ela também está presente na relação entre os homens, ainda que de modo mais discreto.

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Jelson Oliveira, professor do programa de pós-graduação em filosofia na PUCPR e autor do livro Para uma ética da amizade em Friedrich Nietzsche, acredita que amizade corresponde ao sentimento e não ao nome de uma relação: “A relação corresponde ao matrimônio, a família, o fato de ter um irmão ou não. Enquanto a amizade é o nome de um sentimento que deve de alguma forma lubrificar todas as relações sociais, inclusive a matrimonial, familiar ou fraternal”, explica ele.

Conforme entende o professor, a amizade é o nome de um afeto gratuito, espontâneo, que passa por uma deliberação, ou seja, uma espécie de acordo entre as pessoas. Mas, também, de uma deliberação pessoal que aproxima uma pessoa da outra e, nesse sentido, possível tanto a mulheres como aos homens.  

Contudo, ainda que muito importante, a amizade, entre os homens, encontra-se, infelizmente, em descrédito pela sociedade que coloca o sentimento sob suspeita. “Quase sempre há uma de que estes homens possuem um relacionamento amoroso entre si ou que estão acobertando uma possível traição amorosa do outro, o que não corresponde à verdade”, aponta Oliveira. Com isso, impõe-se que os amigos, infelizmente, precisem provar todo o tempo a importância da amizade, que é possível ser verdadeira e honesta.

A amizade masculina, conta o professor, foi perseguida ao longo da história ocidental, desde o mundo medieval até o mundo moderno e contemporâneo, talvez em função do que representava no mundo grego, com uma certa sensualidade na relação, mas que na verdade está bem longe do que realmente configura atualmente.

Importância da amizade

Ter um bom amigo é importante para todo ser humano, pois contribui para o desenvolvimento pessoal e para a qualidade de vida. Entendida como um privilégio dado por Deus por conhecer pessoas que tornam a vida mais feliz e leve, Geraldo Bonnevialle, advogado tributarista, cita Da Ética a Nicômaco, escrito por Aristóteles, ao descrever a amizade: “... sem amigos, ninguém escolheria viver, apesar de todos os outros bens”.

Casado há quase 20 anos e pai de três filhos, Bonnevialle conta que em muitos momentos da sua vida a presença dos amigos foi fundamental. Especialmente quando precisou enfrentar momentos desafiadores, colaborando também para o crescimento pessoal.

Diferentemente do que é idealizado pelo mundo contemporâneo, a amizade não pode ser romantizada e deve ser vista como qualquer outro sentimento: com idas e vindas, com dificuldades e com percalços, compreendendo a liberdade do outro ser quem ele é, inclusive respeitar o rompimento do próximo, se ele assim o desejar.

“A amizade precisa deixar que o outro seja autêntico, significa incluir no sentimento o fato de que o outro se distancie e até rompa com você, afinal ele precisa ser livre para que não haja mistura de personalidades e sejam mantidas as opiniões pessoais de cada um”, explica Oliveira.

Com origem da palavra grega “sem cera”, ou seja, sem máscara, a sinceridade é uma virtude fundamental para ser um bom amigo, acredita Bonnevialle. “Diante de um amigo podemos, portanto, nos dar ao luxo de pensar em voz alta e saber que nossos segredos serão guardados pelo resto da vida. Afinal, há amigos que muitas vezes nos conhecem mais que os próprios familiares.

O professor conta que, segundo Nietzsche, para ser um bom amigo, o indivíduo deve aprender antes ser um “bom inimigo”, no sentido de ser aquele que coloca o próximo contra a parede, não é bajulador, não aplaude o tempo todo e contribui para que o outro desconfie de suas próprias certezas.

“Em uma amizade, somos testados a todo momento. Ela exige respeito, dedicação, tempo e esforço de nossa parte. Haverá momentos em que o bem do amigo requer uma grande fortaleza nossa para alertá-lo de algum perigo ou equívoco, seja em que campo for, no matrimônio, no aspecto profissional, etc. E existe o risco de que ele não aceite. É preciso falar mesmo assim. Pelo bem do amigo, é preciso estar disposto a perder a própria amizade”, alerta Geraldo.

Amizades exclusivas

Os homens precisam de amigos tanto quanto as mulheres e é importante que alguns deles não sejam amigos em comum do casal. Isso porque se trata de uma relação de abertura, de diálogo e de transparência, que muitas vezes é parte da constituição da personalidade masculina.

Segundo Jelson, há várias pesquisas que demostram que quando há separação de casais, as mulheres se recuperam mais facilmente do que os homens devido à ausência da amizade masculina para eles, pois quando casados as amizades resumiram-se a de outros casais.

Além do mais, cada homem deve ter vários amigos para circunstâncias diferentes, devendo reservar momentos individuais para cada um deles, de modo a preservar a individualidade da pessoa. “Eu tenho diversos amigos que são muito diferentes: a turma da praia e do surfe, a turma do charuto e do cachimbo, os amigos da faculdade e da pós-graduação, do trabalho, entre outros. Nem sempre é possível conciliar a convivência deles com a vida matrimonial, e mesmo assim, continuamos amigos”, conta Geraldo.

Criando amizades

Para Aristóteles, explica Jelson, o amigo é um outro eu e corresponde a alguém que ajuda na consolidação do outro, facilitando o aprendizado com as frustrações e dificuldades.

Sabendo disso, algumas iniciativas podem ser adotadas para facilitar o encontro dos homens e oportunizar surgimento de novas amizades em ambientes, como conta Bonnevialle. Há 20 anos, quando ainda era solteiro, ele teve a ideia de reunir alguns amigos, mensalmente, no fim do dia, na casa dos seus pais. A ideia era todos assistirem uma pequena palestra sobre alguma virtude cristã, como a generosidade, a simplicidade, a ordem, a alegria e a laboriosidade.

Nesse encontro, um grande amigo dele preparava os temas com bastante profundidade e após a palestra faziam um lanche, onde podiam conviver e conversar sobre a vida. Vários daqueles amigos permanecem até agora. “Como o objetivo era dar formação humana, muitos amigos, e amigos de amigos, se interessaram e passaram a frequentar as reuniões. Era algo simples, mas não simplório”, conta ele. As reuniões continuam ainda hoje, realizadas mensalmente, mesmo durante a pandemias, só que de modo virtual.

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