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Dez anos atrás, o pesquisador Simon LaJeunesse, da Universidade de Montreal, no Canadá, decidiu estudar como o consumo de pornografia afeta o cérebro de homens jovens. Para isso, ele precisaria reunir um grupo de universitários dispostos a falar sobre seus hábitos de consumo desse tipo de conteúdo, bem como um grupo de controle, para comparação – isto é, um grupo de estudantes que não consumissem pornografia. LaJeunesse precisou deixar a ideia de lado: ele não encontrou jovens universitários que se encaixassem no grupo de controle.

O cenário do consumo de pornografia mudou muito com a chegada da internet. Um volume imensurável de conteúdo pornográfico está à distância de apenas poucos toques no celular – 20% das buscas feitas por smartphones envolvem a procura de conteúdo pornográfico. O próprio LaJeunesse, em 2009, identificou que em seu país os meninos começavam a consumir pornografia na internet aos 10 anos de idade. Na Inglaterra, uma pesquisa de 2016 constatou que 10% dos meninos entre 12 e 13 anos se consideram dependentes de pornografia.

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E é assim que boa parte dos homens de hoje – e uma porção de mulheres – chega ao casamento. Dentro do relacionamento do casal, o vício no consumo de material pornográfico pode causar uma série de perturbações: afeta a confiança entre o casal, a intimidade, a autoestima e, é claro, a vida sexual. Há 15 anos, um estudo da pesquisadora Jill Manning mostrou que em 56% dos casos de divórcio nos Estados Unidos ao menos um dos cônjuges experimentava um interesse obsessivo em conteúdo pornográfico.

“O consumo de pornografia pode ter diferentes funções. Em geral começa na pré-adolescência, por curiosidade; segue na adolescência, para ‘aprendizagem’ sobre sexo e satisfação de desejos, e continua na idade adulta, para descarga emocional, controle de impulsos ou, em casos mais graves, alimentar um processo de dependência. É claro que para nenhuma dessas necessidades a pornografia é a solução ideal”, explica o psicólogo Gabriel Resgala. “No entanto, é fundamental identificar o que leva a pessoa a ter tal atitude, para que se possa entender a situação”.

Segundo o psicólogo, o hábito de consumir esse tipo de material afeta o mecanismo de recompensas do nosso cérebro, de tal maneira que o consumo intenso torna o conteúdo pornográfico mais atraente e prazeroso do que o sexo real. “Nesse caso, a primeira coisa a se fazer é reconhecer a situação, aceitá-la sem uma culpabilização excessiva, e procurar ajuda especializada. Como qualquer vício, a dependência em pornografia deve ser tratada com a seriedade necessária, e não subestimada como algo relativo apenas a mau comportamento ou questão de caráter”, orienta Resgala.

Uma visão distorcida

O consumo habitual de pornografia altera o modo como a relação sexual é enxergada. Resgala sublinha que esse tipo de conteúdo está profundamente associado a uma visão machista. “A mulher é vista como alguém sempre disposta a satisfazer os desejos do homem, sem necessidade de um mínimo de afeto ou mesmo de uma estimulação adequada para seu organismo ter uma resposta sexual satisfatória, com mais relaxamento muscular, menos desconforto ou dor, e consequentemente mais prazer”, explica o psicólogo.

Com isso, o consumidor do material toma por referência uma visão de sexualidade ficcional, construída com objetivo mercadológico – a pornografia movimenta bilhões de dólares anualmente. Assim, o consumidor passa a ter expectativas irreais a respeito do próprio desempenho sexual e do relacionamento com o seu cônjuge.

“O consumidor do material pornográfico toma por referência uma visão de sexualidade ficcional, construída com objetivo mercadológico”

“A mulher, não raro, acaba objetificada, sexualmente banalizada – e o companheiro, pela cultura em que foi criado e pela enxurrada de exemplos a que assiste no material pornográfico consumido desde cedo, muitas vezes nem sequer se dá conta disso”, avalia Resgala. “Muitas vezes, a mulher também entra num estado de ambivalência em que contrapõe seus sentimentos mais íntimos, aquilo que guarda de mais precioso, com o desejo de agradar ao marido – não raro, ocasionando consequências psicológicas bem complicadas”.

As dificuldades que um cônjuge talvez tenha com a sexualidade não justificam que o outro consuma pornografia para se satisfazer. Pelo contrário, o próprio consumo desse material “ensina” a se colocar no centro do prazer sexual, passando a enxergar o outro como um instrumento para obter esse prazer. Quando o cônjuge descobre a situação, é necessário se policiar para não entrar nesse jogo, cedendo às expectativas do outro na esperança de deter o vício no consumo desse tipo material.

Quebra de confiança

O consumo de pornografia no casamento está associado à quebra de confiança entre o casal, pois envolve preservar o hábito em segredo. “Manter segredos na relação tende a enfraquecê-la com o tempo – é difícil, com a convivência diária, um não perceber que o outro está escondendo algo, ou no mínimo sentir algo estranho no ar”, afirma Resgala. “Além disso, quando a situação é descoberta, a reação do cônjuge pode variar de uma leve chateação até a sensação de ser traído, imaginando que o outro está buscando na pornografia o que não encontra nele”.

Isso pode afetar gravemente a autoestima da esposa e a forma como ela lida com a sexualidade. Causa, ainda, o rompimento da confiança entre o casal – um elemento sempre muito difícil de restaurar. Para Resgala, porém, o casal deve ter a maturidade de dialogar e buscar soluções. O cônjuge afetado precisa admitir que o comportamento é inadequado e fere a relação entre o casal. Para o outro, é importante compreender que, muitas vezes, esse consumo está associado a um verdadeiro quadro de dependência, desenvolvido durante anos de contato com esse tipo de material.

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“É plenamente compreensível o profundo incômodo da situação. Mesmo não sendo uma traição em sentido estrito, pode ser um problema grave. O ideal é conseguir conversar sobre a situação, tentar entender, sem julgamentos precipitados”, orienta o psicólogo. “O que estaria por trás disso? Estresse? Alguma questão mal resolvida quanto à própria sexualidade? Autoestima baixa? Há expectativas irreais em relação ao corpo e ao desempenho sexual do outro?”

Para o consumidor do material, reconhecer o problema, verbalizá-lo e contar com a compreensão do cônjuge – ao mesmo tempo em que deve respeitar os sentimentos que emergem quando a situação é descoberta – são passos importantes para superar a dependência. Buscar ajuda profissional de um psicólogo para ter apoio e orientação na mudança de hábitos é uma medida que merece ser cogitada.

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