Karol Wojtyla, o papa João Paulo II, quando era um jovem padre.
Karol Wojtyla, o papa João Paulo II, quando era um jovem padre.| Foto:

Karol Wojtyla, o papa São João Paulo II, não tinha nem vinte anos quando escreveu o poema Canto do Deus escondido, do qual faz parte este trecho:

O amor explicou-me todas as coisas,

o amor resolveu-me tudo –

por isso admiro este Amor

onde quer que Ele se encontre.

Nós já deixamos claro nos textos anteriores que a Igreja entende a salvação como uma experiência de amor e que o núcleo da fé cristã é a revelação do amor de Deus – ou de que Deus é o próprio amor – na pessoa de Jesus Cristo. Vimos também que é a partir desse núcleo, e só a partir desse núcleo, que se compreendem todos os outros elementos da fé cristã. Essa noção, que não podemos colocar à margem, é expressa de forma muito bela e concisa nesses versos do papa polonês: o amor tudo explica.

É preciso levar a sério a identificação que S. João faz entre Deus e o amor. Deus é amor (cf. 1Jo 4, 8.16). Isso significa que o fundamento de todas as coisas, a realidade última, é o amor. Não há oposição entre um olhar que enxerga as coisas com amor e no amor e um olhar realista: pelo contrário, só enxerga bem a realidade quem a olha a partir do amor. Todo outro olhar é turvo e enganador.

“Deus se torna presente precisamente nos momentos em que nada mais se faz a não ser amar.” – Bento XVI

Outra conclusão que se depreende dessa identificação entre Deus e o amor é que onde quer que o amor se encontre, onde quer que se realize um gesto de amor autêntico, ali Deus se faz presente. Isso não é apenas uma forma bonita de falar de Deus. O amor é a sua realidade mais íntima e de verdade torna-o presente. É o que escreve Wojtyla: “Por isso admiro este Amor / onde quer que Ele se encontre”. E é o que diz também o hino Ubi caritas, do primeiro milênio – que, aliás, era característico do rito do lava-pés na Quinta-Feira Santa: “Ubi caritas et amor, Deus ibi est” – Onde está a caridade e o amor, Deus aí está.

Em sua encíclica Deus Caritas Est, Bento XVI escreveu que o cristão “sabe que o amor, na sua pureza e gratuidade, é o melhor testemunho do Deus em que acreditamos e pelo qual somos impelidos a amar. O cristão sabe quando é tempo de falar de Deus e quando é justo não o fazer, deixando falar somente o amor. Sabe que Deus é amor e torna-Se presente precisamente nos momentos em que nada mais se faz a não ser amar. Sabe que o vilipêndio do amor é vilipêndio de Deus e do homem, é a tentativa de prescindir de Deus. Consequentemente, a melhor defesa de Deus e do homem consiste precisamente no amor.”

A melhor maneira de falar de Deus, de anunciar o Evangelho, é amar, é “deixar falar somente o amor”. Aliás, é a única maneira, pois mesmo quando se fala “com palavras” sobre Deus, não se pode prescindir do amor. A experiência dos santos na história da Igreja deixa isso muito claro. Pensemos, por exemplo, em Sta. Teresa de Calcutá, em S. Maximiliano Kolbe, em S. Damião de Molokai ou em Sta. Teresinha do Menino Jesus, doutora da Igreja, que escreveu em seu manuscrito autobiográfico:

Sta. Teresinha do Menino Jesus (1873-1897) Sta. Teresinha do Menino Jesus (1873-1897)

“A caridade deu-me a chave da minha vocação. Compreendi que se a Igreja tem um Corpo, composto de diversos membros, o mais necessário, o mais nobre de todos não lhe falta. Compreendi que a Igreja tem um coração e que esse coração arde de amor. Compreendi que só o Amor leva os membros da Igreja a agir, que se o Amor viesse a extinguir-se os apóstolos não anunciariam mais o Evangelho, os mártires negar-se-iam a derramar o sangue… Compreendi que o Amor abrangia todas as vocações, que o Amor era tudo, que abrangia todos os tempos e todos os lugares… numa palavra, que ele é Eterno!…”

Uma última observação: alguns argumentam que o amor não precisa ser sempre afável e que muitas vezes é necessário usar palavras rudes e bruscas por amor. S. Josemaria Escrivá, porém, dizia o seguinte: “Não basta seres bom; tens de parecê-lo. Que dirias tu de uma roseira que não produzisse senão espinhos?” Já o papa Francisco, na exortação Amoris Laetitia, ao comentar o Hino à Caridade (1Cor 13), destacou: “Amar é também tornar-se amável. […] O amor não age rudemente, não atua de forma inconveniente, não se mostra duro no trato. Os seus modos, as suas palavras, os seus gestos são agradáveis; não são ásperos, nem rígidos. Detesta fazer sofrer os outros.” E concluiu com uma citação de Sto. Tomás de Aquino: “Todo ser humano está obrigado a ser afável com aqueles que o rodeiam”.

Quem o obriga? A realidade. A verdade mais profunda sobre cada um de nós é que existimos pelo amor de Deus, que nos deseja desde a eternidade, nos busca e nos espera. Desfaz-se totalmente de si mesmo, assume a carne humana e se entrega à morte, fragilizado, nu e vulnerável, manifestando que a afabilidade do seu amor não se converte em ira e permanece mesmo quando sua própria criatura lhe faz violência. Não há contradição entre misericórdia e justiça: ao negar recorrer à violência e à condenação, Deus faz justiça à sua própria natureza, que é a misericórdia. “Se formos infiéis, ele continua fiel, pois não pode se contradizer” (1Tm 2, 13). Como dizia o irmão Roger de Taizé, “Deus só pode amar”.

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