Considerando a dificuldade do filho, Patrice fundou instituto que oferece um lugar de apoio para famílias e pessoas com dislexia.
Na foto à esquerda, Patrice e Nicolas; à direita, Nicolas hoje, aos 29 anos, publicitário e diretor executivo do Instituto ABCD.| Foto: Arquivo pessoal/Nicolas Camaret

Amante de tecnologia e com dislexia, Nicolas de Camaret montou o seu primeiro computador aos 13 anos. Durante o curso de publicidade e propaganda, na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em 2018, criou seu primeiro app para iOS. Desde cedo, Nicolas percebeu que a tecnologia seria sua grande aliada para superar as dificuldades impostas pela dislexia. Porém, não foi sempre assim.

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Ao perceber as dificuldades do filho na sala de aula, Patrice de Camaret, pai de Nicolas, não conseguiu encontrar profissionais que entendessem o diagnóstico e fossem capazes de orientar sobre os impactos que o transtorno de aprendizagem teria em suas vidas e como superá-los. “Esse período inicial foi muito difícil”, recorda Nicolas, hoje com 29 anos. “A falta de conhecimento do transtorno e do impacto na vida do aluno, faz com que muitos entendam seus sintomas como preguiça ou desinteresse, gerando muitos desconfortos e prejuízos emocionais”, desabafa.

Considerando a dificuldade do filho em acompanhar o ritmo das aulas como as outras crianças, sem encontrar um lugar com equipe técnica adequada para oferecer um diagnóstico e tratamento correto, Patrice fundou o Instituto ABCD, para oferecer um lugar que apoiasse famílias e pessoas com dislexia. “Principalmente naquela época em que quase ninguém sabia o que era exatamente a dislexia e nem como desenvolver um programa de intervenção ou reforço eficaz para disléxicos, meu pai buscou ajudar outras pessoas com o transtorno a terem acesso aos recursos e ferramentas necessários para alcançarem uma vida plena”, acrescenta Nicolas, que hoje é diretor executivo do Instituto.

Tornar acessível o diagnóstico de dislexia é um dos objetivos do Instituto ABCD

Hoje, com sete centros de avaliação e tratamento de transtornos de aprendizagem, o Instituto já formou cerca de 15 mil professores e realizou pelo menos 110 mil avaliações e atendimentos de crianças e adolescentes com transtornos de aprendizagem.

“Buscamos disponibilizar ferramentas e compartilhar conhecimentos que possam contribuir de forma positiva para o desenvolvimento da pessoa com dislexia durante a fase de alfabetização, tanto no universo cognitivo quanto no caráter emocional”, destacou Nicolas, considerando que devido ao sofrimento experimentado na fase escolar, algumas crianças chegam a se isolar por conta dos prejuízos ocasionados pela dislexia.

Dentre uma das ferramentas de apoio ofertadas pelo instituto, mais de 20 mil alunos realizaram o curso “Entendendo a Dislexia”, oferecido gratuitamente. Desenvolvido para quem está iniciando sua jornada com a dislexia - familiar, professor ou especialista. “O curso explica o transtorno da aprendizagem de forma didática, introduzindo os princípios básicos”, conta Nicolas.

Além dele, o aplicativo EduEdu, também desenvolvido pelo Instituto ABCD, oferece, de forma gratuita, auxílio na alfabetização e reforço escolar aos alunos dos anos iniciais da educação infantil até o 3º ano do ensino fundamental. “Após uma avaliação inicial, o aplicativo identifica as áreas que a criança precisa de apoio e desenvolve atividades personalizadas para cada uma. E, além de acompanhar a evolução do aluno, também monitora o seu processo, gerando novas atividades quando necessário”, diz o diretor executivo.

Desejando que a dislexia seja reconhecida em todo o país, e os caminhos para o diagnóstico e acompanhamento se tornem mais acessíveis à população, o Instituto busca produzir e compartilhar o conhecimento com parceiros e instituições de pesquisas. “Isso tem um grande valor, principalmente para os profissionais, pois conseguimos entender melhor o cenário da dislexia em todo o Brasil e propor soluções efetivas para os problemas vivenciados”, explica Nicolas.

Com a mudança na vida de uma pessoa, toda a sociedade pode ser transformada

Para Nicolas, ainda existe uma dificuldade grande no acesso ao diagnóstico, já que muitos familiares esbarram em altos custos que inviabilizam o diagnóstico completo, ou na falta de informação dos profissionais da área que não oferecem a correta identificação do transtorno.

E isso, infelizmente, foi experimentado em 2013 por Gabrielle Maria Coury de Andrade e sua filha Maria, diagnosticada aos 9 anos com dislexia e TDAH. “Assim que recebemos o diagnóstico, começamos as intervenções. Porém, foi muito difícil porque a escola não sabia o que fazer”, narra Gabrielle.

Maria e Gabrielle: mãe se tornou ativista pelos direitos das pessoas com dislexia, para cuidar de outras famílias em situação semelhante. Crédito: Arquivo pessoal/Gabrielle Maria Coury
Maria e Gabrielle: mãe se tornou ativista pelos direitos das pessoas com dislexia, para cuidar de outras famílias em situação semelhante. Crédito: Arquivo pessoal/Gabrielle Maria Coury

Naturais do Mato Grosso, mãe e filha precisaram viajar para fazer a avaliação diagnóstica em São Paulo, com o apoio da ABD – Associação Brasileira de Dislexia. “Na época em que minha filha começou com as dificuldades na escola, não tínhamos nenhuma informação sobre transtorno de aprendizagem, ela passou por uma dezena de profissionais e ninguém disse nada sobre dislexia”, conta a mãe de Maria, que hoje é ativista pelos direitos das pessoas com esse transtorno de aprendizagem.

A falta de orientação às famílias dos pacientes é tamanha, que ao receber o diagnóstico da filha e retornar para o Mato Grosso, Gabrielle não sabia o que fazer. “Foi quando, após uma pesquisa na internet, conheci o trabalho do Instituto ABCD e fiquei encantada com a riqueza de informações oferecidas”, acrescenta.

O apoio e acompanhamento pelo Instituto ABCD foi tamanho, que trouxe motivação para Gabrielle ajudar mais famílias a entenderem as singularidades dos seus filhos com dislexia, criando a Associação de Dislexia do Mato Grosso. “O instituto me deu força para lutar pelos direitos dos nossos filhos. Ele mudou não apenas a vida da minha família, mas também a realidade de todo o Estado que hoje conta com sete leis para proteção daqueles que possuem dislexia”.

Assim como para Nicolas a dislexia não foi uma barreira para que Maria chegasse à universidade. Hoje, aos 19 anos, ela está cursando o segundo ano de faculdade. “Precisamos divulgar que a dislexia é uma condição humana e não uma limitação de vida”, finaliza Gabrielle.

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