Presença de linfócitos T em pacientes recuperados da Covid-19 sugere imunidade mais prolongada
Presença de linfócitos T em pacientes recuperados da Covid-19 sugere imunidade mais prolongada| Foto: Pexels

Das dúvidas que ainda faltam respostas sobre o novo coronavírus, saber se uma pessoa infectada pode ser contaminada novamente está perto de uma conclusão. Dois novos estudos, um deles publicado na revista científica Cell e outro na plataforma pré-print MedRxiv, identificaram a presença de células do tipo linfócito T em pacientes recuperados da Covid-19.

Essas células específicas são aquelas que, ao entrarem em contato com os antígenos (como os vírus), desenvolvem a chamada memória imunológica. Isso acontece porque, uma vez resolvida a infecção, parte dessas células permanece de prontidão no organismo.

"Em teoria, se você entrar em contato de novo com esse antígeno, você terá células que foram previamente educadas para reconhecê-lo. E essa segunda resposta tende a ser mais rápida e mais eficiente", explica José Carlos Faria Alves Filho, farmacologista, membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Imunologia e professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores coletaram as células dos pacientes recuperados, isolaram os linfócitos e os expuseram, novamente, às proteínas do vírus. Nesse momento, os linfócitos responderam ao novo coronavírus.

"Parece que há, sim, o desenvolvimento de uma memória nos linfócitos contra as proteínas do vírus, o que é um bom presságio. Mas ainda é uma sugestão. Precisa realmente saber se essa memória imunológica é realmente eficaz contra uma infecção", explica o especialista.

Mesma defesa em pessoas não infectadas

Encontrar essa reação dos linfócitos foi instigante, mas outro detalhe chamou atenção dos pesquisadores dos dois estudos. Além dos pacientes recuperados da Covid-19, foram também avaliados participantes que não passaram pela doença, como parte de um grupo controle das pesquisas. Nos resultados, um terço desse grupo também tinha linfócitos T que reagiram, da mesma forma, contra o Sars-Cov-2.

Como explicação, os pesquisadores sugerem uma possível resposta imunológica cruzada. "Existem outros coronavírus capazes de infectar os humanos. Eles foram identificados em meados da década de 1960, e fazem parte dos resfriados sazonais. Uma das explicações para as pessoas que não tiveram a Covid-19, mas que tinham células que responderam ao Sars-Cov-2, pode ser que tivessem tido uma infecção por outro coronavírus, que desencadeou uma memória contra a proteína do coronavírus do passado, e que responde cruzadamente à proteína do Sars-Cov-2", explica o farmacologista.

Pontos positivos e negativos

Apesar do benefício potencial para as pessoas que não tiveram a doença, mas que podem ter uma resposta imunológica pronta para o Sars-Cov-2, o especialista alerta para outra sugestão possível, e não tão positiva.

"Sabemos que o grande problema da Covid-19 não é só a infecção que causa, mas a inflamação que ela desencadeia. O que não se sabe é se a pessoa que tiver os linfócitos de memória, que respondem mais rapidamente, se não são essas pessoas que podem ter quadros mais graves", sugere José Carlos.

O especialista se refere à chamada "tempestade de citocinas", que são substâncias produzidas pelo sistema imunológico de forma exagerada, que instigam uma reação inflamatória. "[Os resultados] abrem duas perspectivas: que a resposta de memória cruzada possa ser protetora, ou possa ser deletéria, porque pode desencadear uma resposta mais grave", reforça.

Memória limitada

Outras questões que não são respondidas pelos estudos têm relação com o tempo que a memória imunológica permanece respondendo ao Sars-Cov-2. Há aquelas que duram anos, como por exemplo, a febre amarela. Uma vez tomada a vacina contra esse vírus, o organismo é capaz de reagir diante do antígeno por um longo período de tempo.

Se a memória imunológica for mais semelhante ao tétano ou a hepatite B, esse tempo é reduzido e o sistema imunológico precisará ser lembrado com mais frequência. Em geral essa "lembrança" é feita pelas vacinas, que estão sendo estudadas contra a Covid-19.

"É variável [a memória imunológica] e depende também de outros fatores, como a capacidade de mutação do vírus. Ao que tudo indica, o grau de mutação do Sars-Cov-2 é muito baixo, se é que tem. E essa é uma boa informação, embora não tenha a confirmação", acrescenta.

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