É importante entender como funciona o cérebro do bebê após o nascimento, para os cuidados com possíveis deficiências neurológicas.
É importante entender como funciona o cérebro do bebê após o nascimento, para os cuidados com possíveis deficiências neurológicas.| Foto: Bigstock

O cérebro em desenvolvimento não é apenas uma versão reduzida do cérebro de um adulto, mas é projetado exclusivamente para se preparar para o mundo externo. Ele possui estruturas e funções cujo único papel é estabelecer os circuitos básicos necessários à vida após o nascimento, que desaparecem depois de cumprirem seu dever. Sabemos, pelo estudo de bebês nascidos prematuramente, que mesmo nesta fase inicial o cérebro já é extremamente ativo, mas de uma forma altamente específica para este momento de vida.

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Alguns estudos em animais mostraram, por exemplo, que células cerebrais imaturas disparam sozinhas, assim como as células marca-passo no coração. Contudo, o disparo dessas células é extremamente coordenado para que possa fornecer as instruções iniciais para a fiação e manutenção dos circuitos neuronais do cérebro, que, se interrompidos ou perturbados, podem alterar todo o processo pelo qual o cérebro amadurece

Dada a sua importância, quisemos estudar estes passos em recém-nascidos prematuros e os impactos no seu desenvolvimento.

Explosões de atividade

A comunicação dos neurônios dentro do cérebro é realizada através de sinais elétricos, por isso pode ser medida como “ondas cerebrais” usando sensores de eletroencefalografia (EEG) posicionados na cabeça. Sendo assim, nos últimos 20 anos, alguns pesquisadores da University College London utilizaram, com sucesso, tal método, para observar a atividade cerebral durante as convulsões e para estudar como o cérebro de um bebê pode processar o toque e a dor, mesmo antes do parto normal.

Além disso, a eletroencefalografia também foi usada para registrar a atividade no cérebro de um bebê prematuro em repouso, e mostrou enormes explosões que normalmente não são vistas em nenhum outro momento. Porém, embora saibamos há muito tempo sobre a aparência da atividade com a eletroencefalografia e quando acontecem as ondas cerebrais, nunca soubemos em que parte do cérebro a atividade está realmente ocorrendo.

A chave para resolver esta questão foi combinar gravações de EEG com ressonância magnética funcional (fMRI), já que quando os neurônios disparam, precisam de combustível (oxigênio e glicose), que é levado a uma área “ativa” através da corrente sanguínea. Assim, usando a ressonância magnética funcional é possível medir com precisão as mudanças nos níveis de oxigênio e fluxo sanguíneo em todo o cérebro, com precisão de alguns milímetros.

Portanto, a combinação de EEG (que pode medir a atividade elétrica rápida, mas se esforça para localizá-la) e fMRI (que mede a resposta do fluxo sanguíneo lento acoplado, mas pode localizá-lo com precisão) foi ideal para descobrir de onde os surtos de atividade estão vindo de dentro de um cérebro do bebê prematuro.

Campo específico do cérebro é responsável pelo seu amadurecimento

Esse tipo de experimento nunca havia sido feito antes e sabíamos que seria extremamente desafiador, então contamos com a colaboração de uma equipe do King's College London que tinha vasta experiência e conhecimento de métodos de ressonância magnética funcional, registrando, com as duas técnicas simultaneamente, a atividade cerebral de dez bebês prematuros enquanto eles dormiam naturalmente.

Cada bebê apresentava picos de atividade frequentes em seu EEG e, com fMRI, pudemos ver que a maioria deles vinha de uma região do cérebro em forma de pirâmide chamada ínsula. Esta é uma ilha do córtex que em adultos realiza papéis muito diversos, pois reúne informações físicas básicas com sinais emocionais, cognitivos e motivacionais.

Mostramos em nosso estudo que essa região específica do cérebro – à qual pouca atenção foi dada até agora – também desempenha um papel importante na geração da atividade crítica que molda o cérebro em desenvolvimento, já que cresce mais rápido do que outras regiões do cérebro e também forma conexões com o resto do cérebro durante o último trimestre de gestação. Por isso, o uso de drogas na gravidez, assim como a prematuridade de um bebê podem causar efeitos adversos nessa região cerebral.

Entender como funciona o cérebro minimiza lesões

A taxa de partos prematuros está aumentando em muitos países europeus, causando grande preocupação, já que, embora tenham maior probabilidade de sobreviver graças aos avanços modernos nos cuidados hospitalares, estão expostos a um risco maior de problemas no desenvolvimento neurológico.

Isso pode se justificar por terem nascido muito cedo e seu cérebro simplesmente não estar pronto, pois ainda está passando pelas etapas de desenvolvimento que deveriam ter acontecido no ambiente protegido do útero. Como resultado, o cérebro prematuro é mais suscetível a lesões que podem levar à deficiências.

Por isso, acreditamos que é de fundamental importância entender como funciona o cérebro em desenvolvimento para informar os cuidados que as famílias devem ter com os nascimentos prematuros e uma nova compreensão de como lesões precoces levam a deficiências neurológicas.

*Lorenzo Fabrizi é pesquisador bolsista do Medical Research Council (MRC), do Reino Unido.
**Tomoki Arichi é palestrante Clínico Sênior no Centro para o Desenvolvimento do Cérebro, do King's College London, no Reino Unido.


©2022 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.

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