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Quando aos poucos as memórias de um familiar querido começam a ir embora e o diagnósticos de demência é recebido, a rotina de todos que estão ao redor muda. É preciso se adaptar a essa realidade, adotar uma série de cuidados médicos e mais do que tudo, oferecer amor e carinho a essa pessoa. Mas, apesar dos dias difíceis que podem vir pela frente, também é possível encontrar momentos de conforto em meio a tudo isso.

A escritora norte-americana Deborah E. Kennedy exemplificou essa situação em um depoimento para o site Good Housekeeping. Entre as adversidades diárias, Deborah diz que aprendeu a apreciar os momentos em que sua mãe, com demência, e seu filho Ben, de apenas dois anos, se divertem na leitura de um livro infantil. Segundo ela, o fato de a mãe reler várias vezes a mesma história, porque não se lembra de ter feito isso antes, não aborrece o filho, que inclusive adora a repetição de seus trechos favoritos. Confira:

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“Eu tinha ido para o Oregon para comemorar meu aniversário de 38 anos com minha mãe. Quando abri a porta da frente da casa dela, encontrei-a orgulhosamente sentada à mesa da cozinha, um bolo de chocolate alemão e duas caixas de camisa embrulhadas em fita laranja encaracolada à sua frente. ‘Feliz aniversário!’, disse ela, apontando timidamente para as caixas. Elas tinham tops esportivos coloridos e bermudas para combinar. Meias também e um chapéu. Eu a abracei e agradeci.

Muitos filhos adultos com um pai ou mãe que sofre de falta de memória ou demência dirão que houve um dia, um evento ou um momento que lhes indicou que o relacionamento com eles seria mudado para sempre. Para mim, esse dia chegou duas semanas depois, quando voltei para outra visita. Eu encontrei exatamente a mesma cena: minha mãe sentada à mesa da cozinha; um segundo bolo de chocolate alemão intocado descansando ao lado de mais duas caixas brancas embrulhadas em fita enrolada. ‘Feliz aniversário!’ Minha mãe disse. Eu pisquei. ‘O que está acontecendo?’, Perguntei. Mamãe sorriu. ‘Não posso celebrar o aniversário da minha filha?’. Dentro das caixas havia mais tops esportivos, mais bermudas, mais meias e o mesmo chapéu de antes, só que este ainda tinha a etiqueta.

Senti medo. Mas essa era a vida real e, como minha mãe claramente queria apenas me fazer feliz, deixei de lado o sentimento florescente e cumpri meu papel de filha agradecida. Eu a abracei, agradeci e admirei as roupas, imaginando onde eu colocaria todas elas. Eu não mencionei a ela que fizemos tudo isso duas semanas atrás, por que que faria?

Quatro anos se passaram desde aquele aniversário, e eu agora tenho um filho, Ben, que tem dois. Ele tinha 13 meses quando deu seus primeiros passos. Naquela mesma semana, minha mãe trocou sua bengala por um andador. Uma lesão antiga e discos em degeneração nas costas se uniram para roubar sua mobilidade. Minha casa é o mundo dela agora. Ela desistiu de fazer compras e esqueceu meus últimos aniversários. Eu me tornei uma mãe que fica em casa e uma zeladora bastante atarefada. Parece que passo a maior parte dos meus dias trocando fraldas, fazendo sanduíches, colocando as pessoas na cama e levantando-as novamente. E eu me acostumei a lidar com a falta de memória da minha mãe.

Hoje minha ela e eu conversamos aproximadamente 10 vezes por dia sobre o mesmo assunto, como quando ela diz que precisa ligar para uma tia minha que está com câncer. Além disso, ela assumiu recentemente o compromisso de ler meu último livro, lançado meses antes de Ben nascer. Ela tem várias cópias dele e eu os encontro por toda a casa. Isso mostra que ela tem tentado passar dos primeiros capítulos, mas infelizmente não consegue. É que ela esquece do que leu no dia anterior e então recomeça sempre. Isso também me dói.

Mas tudo não está perdido. A melhor parte do meu dia é ouvir minha mãe e meu filho tagarelando de um lado para o outro. Quando minha mãe começou a tentar terminar de ler meu livro, ela também começou a ler para Ben – o mesmo livro infantil todas as vezes, Frog and Toad Together, e o mesmo capítulo também. Não importa para Ben que ele já tenha ouvido a história antes, que na verdade minha mãe deve ter lido quase 10 vezes nos últimos dois dias. Ele ama isso. Ele a ama incondicionalmente e não se importa com o fato de ela não lembrar de nada do que já lhe contou, porque cada minuto é novo para ele também.

Embora eu saiba que pode parecer estranho, uma parte de mim quer que esses dias esquisitos durem para sempre. Eu não costumo fazer resoluções de começo de ano, mas, se fizesse, o meu seria viver mais plenamente estas horas e minutos que nós três temos juntos. Mais mudança virão em breve e me farão desejar esses meses de rotina. Ben, espero, continuará a prosperar. Minha mãe continuará a falhar e eu estarei aqui por ela. É isso que significa ser mãe e filha”.

 

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