Pedir desculpas é atitude madura dos fortes que reconhecem sua fragilidade e se empenham em ser pessoa melhor
Pedir desculpas é atitude madura dos fortes que reconhecem sua fragilidade e se empenham em ser pessoa melhor.| Foto: Priscilla Du Preez/Unsplash

Para muitos, pedir desculpas é ato de submissão e, por tabela, atitude de fracos. Para outros, é esforço desnecessário dada a arrogância ou incompetência de quem se vê na dificuldade de tamanho gesto.

Raramente vejo pais ensinando filho à nobre atitude de pedir desculpas. Não digo aquele ato politicamente correto e socialmente promovido quando cometemos erros ou enganos corriqueiros de um nome errado ou má interpretação de algo. Digo daquele devido e arduamente aprendido pelo sincero exercício de pedir desculpas por uma ofensa cometida ao outro e que, invariavelmente, experimentamos e na maioria das vezes nos eximimos de retratação.

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Depois de muitos conflitos vividos com familiares e amigos aprendi a importância do pedir desculpas. Por experiência e ressentimento próprios descobri o poder que um pedido de desculpas consciente e sincero tem de curar feridas e restabelecer relacionamentos. Não à toa, hoje, em meio a tantas exigências de um mundo automático e ligeiro não me furto de ressaltar a filhos adolescentes: pedir desculpas é atitude madura dos fortes que reconhecem sua fragilidade e se empenham em ser pessoa melhor.

A humanidade perdida

Por orgulho ou por incompetência pedir desculpas por más atitudes e palavras mal ditas foi lição aprendida às custas de muitos conflitos familiares dolorosos. Com o tempo, as feridas cresciam e as discussões cada vez mais contundentes as aprofundavam de modo que uma falha logo se tornava mágoa e ressentimento.

Iniciada por uma divergência de opiniões progressivamente virava discussão acalorada entre interlocutores ensimesmados e apegados às próprias ideias. Insensíveis à escuta o que seria diálogo virava monólogo apaixonado até o embate recheado de palavras mal escolhidas para dominar o ambiente. Resultado? Mágoa e rancor.

Dentre várias situações, uma foi especialmente marcante porque dela me dei conta de minha inabilidade de pedir desculpas por limites ultrapassados. Dali passei a notar quão despreparados – e soberbos – somos por desprezar importante passo de desenvolvimento pessoal. Saber pedir desculpas é se redimir das ciladas que invariavelmente caímos quando inconscientes de nossos comportamentos. Reparar-se do mal dirigido a outro é, antes de tudo, atitude nobre... e devida! Especialmente neste mundo tão necessitado de indivíduos sensíveis e humanos ao outro.

Pedir desculpas é saldar dívidas

Irmã caçula de seis irmãos, naturalmente tive muitos pais e mães dentro de casa. De certa forma mimada por tantos pais e mães ganhei, de um jeito ou de outro, respaldo em situações de conflito com meus pais "de fato". Cresci em família amorosa e, pelo exemplo, me sentia no dever de corresponder a tamanho esmero. Assim, fui criança amável, delicada e correspondi ao esperado “exemplo” de comportamento. Não à toa me tornei menina e adolescente tímida e, por tabela, sem motivos práticos que me exigissem aprender a pedir desculpas.

Isso porque raramente assumia atitude contrária ao que se entendia por boa educação e tampouco contestava opiniões que me envolvessem em embates. Erros eram subliminarmente admitidos como falhas normais, portanto perdoáveis ainda que o pedido não acontecesse. Sem dramas ou retratações “oficiais” eram jogados pretensamente desculpados como quem joga sujeira para baixo do tapete, ou seja, superficialmente perdoados. O tempo passou e a timidez exigiu-me aprender a me posicionar. Do contrário, seria “engolida” pelos mais “fortes”.

Assim, adotei a assertividade como característica de autodefesa que, inflamada, me induzia a erros maiores e conflitos mal resolvidos. Excessos provocados por palavras mal ditas e atitudes precipitadas causavam verdadeiro caos em família. Discussões acaloradas, fruto de diálogos inicialmente frugais, subitamente destampavam a panela de pressão da arrogância e acabavam por promover profundos danos à minha relação com filhos e familiares.

Fora da cartilha, feridas abertas

Nas discussões mais acirradas, por exemplo, era comum ser criticada a partir de um rótulo involuntariamente conquistado: individualista. Passado o calor das emoções em ebulição, era também comum escutar a palavra ecoando em minha mente: "Por que ela sempre diz isso?", perguntava a mim mesma. "Saco! Por que ganhei este título, afinal? Que situação foi motivo pra ser chamada assim?", repetia cada vez mais ressentida. A acusadora se tornou melhor amiga na fase em que a diferença de idade deixava de ser empecilho para virar cumplicidade. Nem por isso nos poupamos de brigas e confusões, todas finalizadas pela célebre alcunha ainda injustificada.

Sentia-me ofendida pela crítica constantemente reiterada em momentos de desavença até que o estereótipo de individualista abrir ferida maior e nos arrastar para uma relação de ressentimento mútuo e velado. Pedir desculpas não constava da cartilha familiar. Conversar, discutir incômodos e cutucar feridas era tabu o que contribuía para o acúmulo de ataques sem retratações e consequentemente, de feridas abertas e cada vez mais dolorosas.

A perpetuação de ensimesmados

O homem erra e magoa mesmo involuntariamente. Nessas horas, pedir desculpas é ato de humildade e reparação que nos torna mais conscientes de nossas fragilidades e necessidades mais latentes de aprimoramento. Mas estamos tão autocentrados que nos tornamos insensíveis ao outro. Atropelamos seu tempo, descompassamos seu ritmo; ofendemos sem querer, julgamos sem notar, culpamos sem sentir, erramos sem saber e, pior, sem nos importar. Causamos dor sem nos dar nem prestar conta de nós mesmos.

Assim, inconscientes e incompetentes, damos as costas para o valor de um genuíno pedido de desculpas, não ensinamos filho adolescente sobre sua importância e, por fim, perpetuamos a velha fórmula de novos adultos que, sem desculpa, crescem igualmente ensimesmados.

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A verdade de quem sabe pedir desculpas

Decidi descobrir e destruir pela raiz o desconcertante rótulo ganho encarando de frente a crítica e mágoa acumuladas por anos. Depois de muito insistir e prometer amizade incondicional finalmente abrimos nosso baú de ressentimentos para esclarecer e nos redimir de qualquer eventual mal resolvido do passado. Relembramos situação vivida há décadas que, confesso, pouco recordava mas o bastante para admitir, enfim, minha grave falta.

Revivê-la me permitiu enxergar o dano causado o que um pedido de desculpas sincero e consciente não só redimiria minha pífia atitude e aplacaria sua dor como ainda nos pouparia de rótulos e rancores mutuamente alimentados. Feridas expostas e faltas reconhecidas, aprendemos que erramos mas não somos nossos erros; que pedir desculpas é ato honroso de quem se enxerga humilde "aprendedor".

Portanto, não importa se o esforço é descomunal ou a dificuldade é imensa: aprender – e ensinar filho – a pedir desculpas é, antes de tudo, se diferenciar em um mundo inflado de inconscientes insensivelmente ensimesmados.

*Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!, espaço em que conta as situações cotidianas e comuns que vive sendo mãe de adolescentes, buscando desmistificar clichês sobre essa fase dos filhos, para transformá-la em um tempo de aprendizado.

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