Assim como vem sendo superada a visão de que o pai é apenas o provedor e cabe à mãe cuidar da criação dos filhos, o universo dos digital influencers que se dedicam ao assunto caminha para uma proporção menos desigual entre mulheres e homens. Em blogs, perfis em redes sociais, canais no YouTube e podcasts, jovens pais falam dos desafios da paternidade, desde a troca de fralda até chegar a assuntos mais complexos, como superproteção, a primeira vez que o filho vai dormir fora de casa, birras, como tirar as crianças da frente do celular, alimentação, férias com os filhos, problemas na escola, etc.
O catarinense Marcos Piangers, de 39 anos, se tornou uma referência nacional na área. Pai de duas meninas, Anita, de 14 anos, e Aurora, de sete, ele é autor do livro “O Papai é Pop”, que vendeu mais de 350 mil cópias e também foi lançado em Portugal, na Espanha, Inglaterra e nos Estados Unidos. Além de dar aulas e palestras no Brasil e em eventos internacionais, seus vídeos já somam mais de 400 milhões de visualizações no Facebook, onde o jornalista tem 3,5 milhões de fãs. Seu canal no YouTube tem 315 mil inscritos.
“Sou jornalista formado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e lá o curso era bem focado em jornal (impresso), o que foi bom, porque, quando nasceram minhas filhas, eu era muito focado em documentar tudo. Comecei a anotar tudo que aprendi com a Anita, e por anos esses textos ficaram só para mim, guardados numa gaveta, e aí em 2013 eu publiquei pela primeira vez”, recorda Piangers.
“A Anita tinha sete anos, eu publiquei na internet, os textos começaram a fazer sucesso, passei a publicá-los em jornais no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Eram textos sobre família. Acabou que esses textos se transformaram no livro ‘O Papai É Pop’, lançado em 2015. Fomos surpreendidos por um público ávido por esse assunto, num país que fala pouco sobre paternidade, incentiva pouco o homem a participar da família. Acabou virando o primeiro presente que um amigo dá para outro que vai se tornar pai, que a própria esposa dá para o marido”, relata o jornalista. “É bonito ver que até 2018 ele ficou entre os mais vendidos no Dia dos Pais, temos outros pais falando sobre o assunto, o (apresentador Marcos) Mion lançou um livro muito bem-sucedido também. Já fiz prefácio de pelo menos dez livros de outros pais, para justamente incentivar que outros homens escrevam sobre o assunto, participem da família e criem seus filhos da forma mais próxima e atenciosa possível, porque isso transforma a sociedade para melhor”.
Piangers conta que, nas suas palestras pelo Brasil, sempre busca um pai da cidade, que também fale sobre paternidade na internet, para fazer a abertura. “Acho importante que esse espaço seja repleto de representatividade. Você pode não gostar do meu texto, desse cara, desse estilo de falar de paternidade, mas se olhar pro outro lado, vai ver outro, um pai negro, ‘solo’, um pai que tem uma visão diferente de participação na família, de configuração (familiar). A gente precisa de mais referenciais e representatividade”, afirma. “A gente não vê a figura do homem como um cuidador, a gente vê o homem como uma figura muito competitiva, que quer ser o melhor na profissão, ganhar o máximo de dinheiro, pegar o máximo de mulher. Esse é um comportamento que não é saudável para ninguém. Esse é um movimento (de digital influencers que falam de paternidade) muito unido, com grupos no WhatsApp e no Facebook, encontros nacionais”.
“Acho importante que esse espaço seja repleto de representatividade. Você pode não gostar do meu texto, desse cara, desse estilo de falar de paternidade, mas se olhar pro outro lado, vai ver outro, um pai negro, ‘solo’, um pai que tem uma visão diferente de participação na família, de configuração (familiar). A gente precisa de mais referenciais e representatividade.” Marcos Piangers, autor de “O Papai é Pop”.
O jornalista destaca que essa comunicação proporcionada pela internet ajuda a derrubar antigos mitos sobre masculinidade e paternidade. “No momento em que você se enxerga no outro homem, você se inspira. O homem tem esse problema de não aceitar muito conselho de mulher, a gente tem esse antagonismo à opinião feminina: se a mulher é sensível, chora, fala demais, o homem se comporta do jeito contrário, vai ficar mais quieto, não vai falar de sentimentos, ‘homem não chora, não sente dor’. Então, essa construção atrapalha na hora de cuidar dos filhos: ‘Não posso abraçar meu filho, não posso brincar de boneca com minha filha porque sou homem’. Isso afasta você das crianças e da família”, aponta Piangers.
“Quando você encontra na internet similares, parceiros, você vê que não é menos homem se é um bom marido, se cuida do seu filho, se brinca com sua filha. Recebo depoimentos quase diários de pessoas que contam como ajudei a retomarem o contato com a família”, comemora.
Criação com apego
O engenheiro carioca Thiago Queiroz, de 37 anos, pai de Dante, de sete anos, Gael, de cinco, e Maya, de um ano, foi entrando aos poucos no mundo de produtor de conteúdo e digital influencer sobre paternidade. Logo após o nascimento do primeiro filho, Dante, passou a atuar em 2012 como divulgador no Brasil do conceito Criação com Apego, criado nos Estados Unidos (Attachment Parenting, no original em inglês).
“Toda pessoa que é pai pela primeira vez não sabe muito bem o que fazer. O homem não é incentivado a brincar de cuidar de coisas. O menino ganha bola, arminha, não ganha boneca. Não aprende a exercer o cuidado. O homem não tem a oportunidade de aprender isso antes. Quando nasceu o Dante, eu quis fazer diferente da referência que tinha como pai”, explica o engenheiro.
Em seguida, Queiroz criou o site Paizinho, Vírgula!, com informações sobre criação com apego, disciplina positiva e parentalidade consciente. “Eu era mais lido por mulheres, então decidi mudar a linguagem e criei um canal no YouTube (atualmente com 60 mil inscritos). O público ainda era mais feminino, então criei o podcast (Tricô de Pais, com 60 mil downloads por mês), um formato que é muito acompanhado por homens”, explica. Já o Instagram do Paizinho, Vírgula! tem 106 mil seguidores. Queiroz também lançou um livro, “Abrace Seu Filho”.
“As dúvidas mais comuns que recebo de outros pais têm a ver com dois eixos principais. Primeiro, o relacionamento com a criança: quando os filhos estão com dois anos e começam a fazer muita birra, a criança fica muito ‘respondona’, ou começa a mentir. Segundo, a parte de dentro do homem. O cara tá perdido, não sabe o que fazer, levou um sacolejo da mulher e precisa correr atrás. Quer se reconstruir e não tem com quem conversar. Aqui, ele acaba encontrando”, relata Queiroz. “É coisa de uma geração para cá, essa mudança de visão, que pai não só ajuda, ele também cria. Tirando parir e amamentar, não tem nada que o pai não possa fazer.”
Boneca e carrinho
O jornalista pernambucano Fernando Alvarenga, de 34 anos, criou o perfil Pai de Verdade no Instagram quando a esposa, Joana, estava grávida de oito meses da filha do casal, Valentina, hoje com quatro anos.
“Minha esposa estava sempre buscando informação sobre maternidade na internet, e eu não via muita coisa do universo masculino. Eu criei o perfil para trocar informações e contar minhas experiências. Hoje, também falo bastante de igualdade de gênero. É uma questão social, quanto mais o pai é participativo, melhor para todos”, explica Alvarenga, cujo perfil tem atualmente 5,7 mil seguidores.
O Pai de Verdade está no Porto Social, centro de soluções para impacto social do Recife, como projeto incubado para receber mentoria e ampliar o empreendedorismo social através da mensagem da paternidade, um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).
“Eu não quero ficar colocando nada goela abaixo de ninguém. Mas eu tento mostrar que a paternidade tem sido a melhor experiência da minha vida. Eu não sou um cara perfeito, minha esposa conhece bem meus defeitos... mas eu quero mostrar o quanto é bom ser um pai participativo, ao invés daquela visão antiga que pregava que o pai devia ser apenas o provedor: hoje, o pai bota a mão na massa, troca fralda, faz comida, dá remédio”, diz o jornalista, que acredita que sua formação foi decisiva para despertar esse interesse.
“Eu via meu pai e minha mãe, havia muita divisão de função dentro de casa. Minha avó até estranhava quando nos visitava. Eu defendo muito a igualdade de gênero, minha filha brinca tanto de boneca quanto de carrinho”, argumenta Alvarenga.
O publicitário Beto Lima, de 38 anos, mineiro radicado em São Paulo, pai de João Pedro, de seis anos, e Helena, de dois, e mantenedor do perfil de Instagram EuPapai – com 148 mil seguidores –, elogia a disseminação de digital influencers sobre paternidade, mas encara o fenômeno com um pé atrás.
“Não acredito que seja uma onda. É um movimento de amadurecimento da sociedade, como muitos outros que estão acontecendo nos últimos anos. Quando comecei, há quase sete anos, de fato eram pouquíssimos. Hoje, se você digitar ‘pai’ ou ‘papai’ na busca no Instagram, já vai ver algumas dezenas, talvez. E isso é ótimo! Espero apenas que esta frente perdure, se torne cada vez mais consistente e que não vire mais um modismo de conteúdo digital, com outro interesse que não de fato discutir e abrir espaço para falarmos da nossa jornada paterna”, ressalva o publicitário.
“Acredito que hoje existe uma parcela maior de pais participativos em relação ao passado. O que não quer dizer que não existiam antes. O que não quer dizer que todos hoje sejam. Talvez ainda sejamos minoria. É importante considerar que o Brasil é um país continental, com questões culturais de difícil evolução, um país ainda machista, com educação precária”, critica Lima.
“Os influenciadores têm o papel de dar mais visibilidade para o assunto, mas a questão é estrutural, é política, é econômica. Se conseguirmos, de pouco em pouco, colaborar para a construção de uma sociedade mais justa também no aspecto familiar, já será uma enorme conquista. Mas não assumiria essa responsabilidade como sendo de alguns poucos pais, dado o tamanho do desafio”, pondera.