Mães são seres especiais, não divinos como muitos pintam e, nem por isso, menos admiráveis e merecedoras de especial consideração.| Foto: Bigstock
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Divinizar mãe me incomoda. Não por discordar dos atributos especiais que, na minha opinião, as fazem mesmo diferentes dos demais mortais mas pelo engodo de elevá-las a uma perfeição irreal... e inatingível.

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Para mim, mães são seres especiais, não divinos como muitos pintam e, nem por isso, menos admiráveis e merecedoras de especial consideração. Pelo contrário: são diferenciadas porque tem a capacidade de fortalecer a família... quando se dispõe a continuamente crescer junto com ela; quando se entende eterna aprendiz na vitalícia função... humana.

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A imagem de mãe perfeita

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As propagandas e os discursos enaltecendo mães como seres divinos me soavam forçados e idílicos. Quando criança e depois jovem, a imagem de mãe irretocavelmente perfeita de fato me assegurou o exemplo e a confiança de contar com aquela que sempre foi meu porto seguro e modelo.

Adulta, e depois também mãe, esta lente mudou. A segurança deu lugar à responsabilidade de replicar o modelo “perfeito” que logo virou peso na recém assumida função. A ousada meta de perfeição me levou ao excesso das virtudes, ao perfeccionismo e consequentemente, à inflexibilidade e intolerância às fragilidades humanas.

A imagem nutrida em família – e reforçada pela sociedade - me fez crer que mães seriam incontestáveis, incorrigíveis e irrepreensíveis, donas de verdades absolutas... perfeitas:

- Errada, eu?? Você é que é cabeça dura! Não me ouve... na minha época, mãe falava, filho obedecia e pronto! – repetia a cada discussão com meu adolescente.

Contestações e opiniões contrárias pareciam arranhar minha imagem logo defendida por críticas pessoais que invariavelmente terminavam entre bicos e rançosa memória latente até a discussão seguinte.

Mães são humanas

A divinização de mães é curiosa. A ideia de que mães são naturalmente seguras, decididas, infalíveis e donas da verdade é falácia nutrida de geração em geração de forma displicente e, diria até, irresponsável.

Tal idealização me levou a frustrações e enganos evitáveis quando filhos se tornaram adolescentes e, naturalmente, inquisitivos. Vivendo uma realidade bem diferente da mãe idealizada, encarei situações estarrecedoras que traziam à luz minhas fraquezas e, consequentemente, fato óbvio: mães são humanas.

Com o tempo, passei a sentir a maternidade fantasiosa fardo difícil de carregar. O dever de ser - e parecer - perfeita me frustrava porque não correspondia à vida real e prática de quem, responsável por formar outro ser, vivia desafios próprios de ser indivíduo melhor a cada dia. Revelado o engodo: ninguém é perfeito; nem mães.

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A adolescência revela a maternidade

Cresci sob a lente infantil da divinização de mães. Tornei-me uma assumindo a tal imagem construída e rechaçando qualquer crítica ao meu desempenho. Mãe de duas crianças, me revesti de necessária e útil determinação - aparentemente perfeita - para o saudável desenvolvimento de filhos.

Na adolescência, contudo, a dinâmica familiar mudou e tive dificuldade de entender que precisaria mudar minha atuação para atender às novas necessidades da fase. Foi quando caí do trono e me igualei aos “mortais imperfeitos”.

A frágil humanidade, então irremediavelmente aflorada, finalmente mostrou o que insistimos em negar: mãe de verdade, da vida real e prática, é mãe humana.

A humildade de ser humano

Naquele dia, um deles reagiu visivelmente frustrado com sua aparente incompetência por mim desapercebidamente apontada:

- Mãe, sou adolescente! Tô aprendendo, pô! Sei que tenho que me acostumar a voltar pra casa de ônibus mas tenho medo, pô! Que saco! Nem por isso, sou um mané como você me faz sentirser! Você acha fácil encarar os malandros que ficam rondando a gente? Todo dia tem história de alguém sendo assaltado... tô pegando a manha, pô!

Costumava incutir em filhos a ideia de corajosa invencibilidade que mitigava minha vulnerabilidade nas decisões do cotidiano. A presunçosa atitude ultrapassou os limites da divinização infantil: virou peso também a filhos em processo de amadurecimento.

Ao esperar – e cobrar – atitudes perfeitas de meus adolescentes, reproduzia a idealização não correspondida da qual também me frustrava. Ao condenar sua natural insegurança, lhe impingia o peso apr(e)endido do rastro de uma lente imatura, ilusória e incompatível com a nova fase... de todos.

A vida real de mãe e filho adolescente

A prática da vida real de mãe de adolescentes abriu meu horizonte para uma maternidade mais consciente e, creia, leve. Ensinou-me ser mãe humana e empenhada em crescer com filho e me desapegando da coroa imaginária que não só pesa mas afasta – e depõe contra – a formação de outro ser saudável para o mundo.

Perpetuar a idealização materna na adolescência impede a capacitação de mães que, como todo ser humano, tem fragilidades e se culpam por isso em vez de as usarem como motivação ao seu próprio aprimoramento.

Mãe de adolescentes, vivi inquietações, medos e angústias reais e comuns a tantas outras mães mas que, quando finalmente assumidas, me moveram à mudança necessária para uma vida junto de filhos também nesta desafiadora fase.

Ao quebrar paradigmas irreais e a aceitar sentimentos aparentemente reprováveis a mães supostamente divinas como parte de minha humanidade frágil finalmente compreendi a necessidade de também eu crescer... como mãe.

Mães são seres especiais

Desconstruir a mãe divina me assustou e machucou. Desapegar-me do manto divino e enxergar-me humana foi experiência assustadoramente marcante mas também libertadora.

Desmistificada, me tornei mãe de verdade que sente os revezes da vida, as aflições inerentes ao cargo e o peso da função assustadoramente desafiadora de formar outro ser para o mundo.

Trocar a lente me desconcertou mas, superada a frustração, me deu nova perspectiva sobre a vida adulta e madura que é mutável e, exatamente por isso, inspiradora. Ser humano nos exige humildade de eternos aprendizes que a partir das fraquezas - humanamente justificáveis - cresce para ser melhor a cada dia.

A velada impotência de mãe de crianças, uma vez exposta na adolescência de filhos, me reconfigurou e me colocou no lugar onde continuo sendo insubstituível e fundamental a filho. De um modo diferente de antes, hoje sou mãe real e humana e, ainda assim, um ser especial.

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*Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!, espaço em que conta as situações cotidianas e comuns que vive sendo mãe de adolescentes, buscando desmistificar clichês sobre essa fase dos filhos, para transformá-la em um tempo de aprendizado.