Diálogos contaminados de reatividade e clichês nos lançavam cada vez mais à fundamentada caricatura de mãe e filho adolescente.
Diálogos contaminados de reatividade e clichês nos lançavam cada vez mais à fundamentada caricatura de mãe e filho adolescente.| Foto: Bigstock

Era mãe falante de filho distante. Faltavam-nos assunto. Nas raras vezes do que parecia ser começo de uma conversa, o iminente diálogo era repentinamente interrompido e prematuramente finalizado. Via meu adolescente como uma espécie de caixa preta só passível de ser aberta em caso de desastre. Alijada de suas experiências criteriosamente resguardadas por um acesso restrito, desconhecia sua vida cada dia menos compartilhada.

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Por outro lado eu, curiosamente, sempre tinha algo a dizer. A cada potencial interação, uma oportunidade de “educá-lo” – acreditava. O resultado: situações triviais transformadas em verdadeiros colóquios instrutivos.

Constantemente vigilante a educar filho, vivia cansada; até de mim. O permanente estado de alerta me exauria e mostrava que nem os mais resistentes – como mães de adolescente, por exemplo - escapam da fadiga cotidiana especialmente quando se trata de falar, falar e falar.

A caricata mãe de adolescente "falante" é, a meu ver, uma forma polida de tachá-la de verborrágica e chata. Ridiculamente fazemos por merecer o rótulo, o que só descobri depois de viver na pele o tal papel.

A mãe falante

Quando a adolescência enfim me mostrou suas garras, assustei. Àquela altura, moldados aos respectivos padrões de mãe e filho adolescente, repetíamos não só comportamentos como também as clássicas frases inerentes à fase:

- Impossível falar com você, mãe! – dizia meu adolescente.

- Não te entendo, filho! - eu dizia.

Seguimos o modelo perpetuado por gerações um bom tempo e a frase “mãe, você é um saco!” se tornou tão frequente em casa que abriu meus olhos para o fato de ter-me tornado mais uma típica mãe de adolescente “falante” que pensava estar educando por simplesmente falar, falar, falar.

O alerta ecoava diariamente mas ainda não o entendia – ou escutava. De surda fiquei também cega e as interações com filho adolescente ganharam status de mau relacionamento entre mãe e filho “distante”.

A comunicação se perdera de tal forma que a chance de atrair filho para mais conversas se esvaía a cada dia. Falava demais e, nada estratégica e totalmente no automático, desaprendera a escutar e silenciar estrategicamente.

A típica relação de mãe e filho adolescente

Abusando de clichês, entendia a dinâmica como “normal” e paulatinamente ia crendo na falácia de que mãe chata era mãe comprometida com a formação de bom adulto para o mundo.

- Como foi na casa do Dani? - perguntei curiosa quando chegou em casa.

- Um saco! Aquele idiota do Chico tava lá... ô cara b*#@!

- Que isso, meu filho? Que boca suja é essa? Isso não é jeito de falar...

- Ai mãe, tá, tá! Ele é um m*@* mas você quer me educar até quando não é hora pra isso. Tô p da vida; me deixa, mãe...

Situações do cotidiano facilmente viravam bate-bocas: de um lado filho inflamado e suscetível a extravases passionais; de outro, eu ocupada em educa-lo a qualquer custo mesmo que alheia às experiências trazidas pela fase.

A confusão de frases mal elaboradas, mensagens mal interpretadas, comentários desnecessários e interrupções antecipatórias tornaram nossa comunicação desastrosa. Diálogos contaminados de reatividade e clichês nos lançavam cada vez mais à fundamentada caricatura de mãe e filho adolescente.

Mais (pre)ocupada em educar do que formar filho, falava sem filtros e sem direção; sem clareza e objetividade. Perdia o foco; agia inconscientemente. Como resultado, perdia a chance de, primeiro, atrair meu adolescente para perto; depois, de efetivamente orientá-lo a partir dos fatos de sua vida em mudança.

A má comunicação com filho adolescente

Ingressei no rol de mãe falante por negligência, pura desatenção. Vivi cenário caótico de filho cada vez mais avesso a mim e eu, cada vez mais incompetente na forma como falar com ele; ainda assim, acreditei que a dinâmica fosse “normal”.

Curiosamente, preciosa dica partiu dele:

- Mãe, você não consegue escutar o que falo sem dar pitaco! Se pelo menos me escutasse de verdade, te contaria mais. Mas você não consegue! Você é um saco!

Aquele comentário calou fundo e de tal forma que, em breve instante, enxerguei o ponto cego de nossa comunicação: não era boa ouvinte... tampouco de filho adolescente.

Conversando com filho adolescente

Mudar é difícil e desconfortável mas minha relação com filho adolescente já estava assim. Diante das circunstâncias, mudar era opção, esperança de um resultado, pelo menos, diferente daquele resignadamente “normal”.

Tateando, me dispus a tentar mudar a dinâmica. Comecei devagar:

- Que tal o filme, filho?

- Chato. Na verdade, muito ruim. Nunca mais vou ver filme de terror. Besteira total.

- Sério? – respondi comedidamente.

Para minha surpresa, a réplica imediata:

- Sério. Nunca imaginei que um dia fosse assistir filme tão ruim na vida! Fui porque a galera quis mas... depois dessa, tô fora!

- Que pena, hein? Além de você, mais alguém não gostou? - arrisquei cautelosa.

- A maioria! Sabe a Isa? Aquela loura que veio no meu aniversário? Ela amou... fala sério... vai entender...

A tentação de lançar frases feitas como "gosto não se discute" e outras tantas ponderações foi grande mas suportável. Quando agimos consciente na situação de ameaça, tomamos noção dos erros grosseiros que cometemos desnecessariamente.

Consegui domar o ímpeto de “educar” filho naquela conversa trivial; atenta aos pontos importantes a serem levantados em outra ocasião, segui o fluxo da história despretensiosamente. Era hora de aproveitar a interação já tão escassa com filho adolescente e conhece-lo um pouco mais.

De repente o jugo ficou leve:

- Como é bom não ter de comentar e ensinar a partir de tudo e qualquer coisa! - pensei absorta em meus pensamentos enquanto filho extravasava a experiência adolescente, finalmente sem restrições.

A mãe de adolescente que quero ser

Compartilhar experiências é necessidade tipicamente humana mas caímos na tentação de de falar mais de nós e escutar menos do outro. Mães de adolescente costumam sofrer mais deste mal por crerem necessário educar a todo custo e em qualquer circunstância.

A fase assusta e tudo parece demasiadamente perigoso e ameaçador a filho. Vivi este sentimento e também a dificuldade de mudar o curso desta história. O auto controle, a serenidade e a clareza para alcançar a meta maior de formar outro ser me exigiu trabalho consciente e atento para agir estrategicamente e não mais impulsivamente.

A fase me exigiu também aprimoramento. Fazer boas perguntas, escolher a hora de uma intervenção e relevar em momentos de descontração é agir com propriedade na formação de adulto em vez de adestra-lo com uma educação automática que detona as chances de uma cumplicidade necessária – e útil - com filho.

Evitar comentários e julgamentos em ocasiões de potencial acesso a filho nos reconectou para uma relação fluida em que trocamos experiências “de verdade” em vez de impingi-las sobre o outro.

Mãe ouvinte de filho adolescente falante

Descobri meu adolescente a partir destas interações que logo se tornaram mais frequentes e cada vez mais leves e esclarecedoras do filho em transformação. Ser boa ouvinte e menos falante me permitiu contribuir com o adulto em formação.

A (re)aproximação incitou buscas reiteradas a mim em diferentes situações do dia a dia; principalmente as mais difíceis de se lidar. Os conflitos foram substituídos por cumplicidade entre parceiros que, com suas diferentes opiniões e visões de vida, exercitam novas perspectivas em distintos estágios de maturidade.

- Acredita que o Vini me deu bolo... de novo?! Foi pra praia direto. A gente tinha combinado de ir junto, pô! Ele vai ver... - disse enfurecido.

- Combinaram? - me ative.

- É... depois da escola. Combinamos de passar em casa rapidinho e nos encontrar no caminho pra irmos juntos e ele, nada! É a segunda vez que faz isso... saco! Isso me deixa maluco! - esbravejou mais irritado.

- Segunda? Que chato, hein?! Talvez seja o caso de um papo com ele, filho.

- Deixa quieto. Depois vejo isso, mãe. - e mudamos de assunto.

A caixa preta aberta sem desastre

Demorei para atentar à cilada por trás da ideia de que mãe falante é mãe que cuida e educa. Mais do que educar, formar adulto consciente e capaz de se relacionar com quem pensa diferente e cresce na diversidade entre gerações é meta maior, mais desafiadora e sempre mais necessária ao mundo.

Rever modelos pejorativamente arraigados por gerações me ajudou a descobrir meio próprio, único e saudável de conviver com filho adolescente em vez de lidar com ele como um “problema normal” – para efetivamente participar de sua vida também nesta fase.

Educar exige, antes de tudo, empenho em manter-se junto de filho mesmo quando as circunstâncias parecem “impossíveis”. Portanto, perseverar na busca dos meios de atrair o adolescente para perto é primeiro e fundamental passo na formação do adulto que o mundo precisa receber.

Falar, instruir, orientar, ensinar e corrigir filho a esmo definitivamente não é a chave capaz de abrir o "filho-adolescente-caixa-preta". Em vez disso, agir conscientemente na construção de uma relação de confiança é o que, efetivamente nos outorga autoridade para abri-la... e sem precisar de um desastre para isso

*Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!, espaço em que conta as situações cotidianas e comuns que vive sendo mãe de adolescentes, buscando desmistificar clichês sobre essa fase dos filhos, para transformá-la em um tempo de aprendizado.

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