O jovem que vive o luto na adolescência sofre a confusão emocional com maior risco de se afogar em distúrbios, isolamento e depressão.
O jovem que vive o luto na adolescência sofre a confusão emocional com maior risco de se afogar em distúrbios, isolamento e depressão.| Foto: Bigstock

A dor da perda de um ente querido é única e indescritível. Cada um vive seu próprio drama pessoal ao passar por esta dura experiência que, não raro, pode se tornar insuportável. O que não sabia é que viver o luto na adolescência pode ser potencialmente pior.

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Nesta fase de profundas mudanças físicas e emocionais, a dor do luto pode deixar sequelas por toda uma vida se não bem vivida e tratada. Portanto, temos que falar – e aprender – sobre o assunto para ajudar nossos adolescentes a passar também por esta única, indescritível e inevitável experiência reservada a todos nós, adultos ou não.

Luto exige tempo... e remédio

O jovem que vive o luto na adolescência sofre a confusão emocional com maior risco de se afogar em distúrbios, isolamento e depressão. Por sentir-se desamparado – e só – facilmente perde o sentido da vida.

Os sentimentos que emergem desta experiência não diferem muito dos de um adulto. Porém, a forma de lidar com eles em meio à imaturidade e ao ápice de sua transformação pode ser catastrófica e determinante na formação do adulto que está se tornando.

Portanto, cuidar do adolescente neste período de dor da perda de um ente querido é cuidar das feridas abertas que, para serem fechadas e cicatrizadas, necessitam de remédio certo o que, por vezes, desconhecemos ou negligenciamos em prol de uma superação apenas temporal.

Ajuda com remédio certo

Vivi perdas cedo. Se por um lado sofri, por outro aprendi a viver a dor sem "bengalas" emocionais. Encarando o fundo do poço, afundei até o ponto necessário que me fizesse emergir de volta e, livre, seguir vivendo sem traumas.

Para isso, precisei de ajuda. Mais do que o tempo, precisei de ajuda prática e consciente de quem sabia ser necessário falar do tema, muitas vezes tabu disfarçado de falsa naturalidade.

Se ao adulto já é difícil, na adolescência, o jovem ainda emocionalmente imaturo e vulnerável vive maior risco de falhar nessa dolorosa experiência. Se a jornada de crescimento para o adolescente por si só já é desafiadora, lidar com a morte de um ente querido no caminho torna seu processo de amadurecimento ainda mais complexo e conflituoso.

Portanto, estar junto do adolescente neste momento é vital dado que pode ser também determinante em sua formação de identidade. Mas, atentemos para um importante detalhe: ajudemos... com o remédio certo.

Atenção ao luto na adolescência

Desde cedo busquei dar a filho a segurança necessária para que se desenvolvesse integralmente de forma saudável até que a "fortaleza" física e emocional, cuidadosamente construída, fosse tremendamente ameaçada pelo luto na adolescência.

Como um castelo de areia, vi filhos sentirem sua vida parecer se desmoronar por completo e sob um turbilhão de emoções negativas, se sentirem perdidos e amargos. Viver a dilacerante dor da perda de um ente querido lhes parecia impossível, pesado demais para seus ombros ainda frágeis.

Precisei agir rápido e, enquanto tratava de minha própria dor, e dividi em esforço adicional de lhes promover remédio certo antes que a traumática experiência os desviasse e me fizesse perde-los pelo caminho.

O valor do luto

A morte de um ente querido, curiosamente, nos conscientiza, nos “tira do prumo” para nos situar sobre nossa impotência diante da vida. Sabemos disso na teoria; encará-la e vivê-la é outra história.

Tamanha vulnerabilidade assusta e, ao adolescente, descobrir-se impotente na fase em que se sente dono do mundo é simplesmente aterrorizante. Suas verdades e certezas, de repente, se esvaem e o mundo se torna deveras ameaçador.

Diante de uma vida agora insegura e incerta, o adolescente vê sua onipotência e alma enfraquecidas senão totalmente deterioradas. E isso pode levá-lo a comportamentos permissivos e auto destrutivos.

Portanto, luto na adolescência demanda remédio certo que começa, antes de tudo, por conversa aberta e honesta... sobre si mesmo. Expor a ferida é, se não a melhor forma, o começo mais eficaz de uma cicatrização saudável. O tempo ajuda mas firmar prazos para a cura, não.

O tempo de restauro e cura de cada um varia. Portanto, pacientemente, mantenha-se perto e disponível para ajudar seu adolescente nesse processo de cura. A dor do luto é não só inevitável como também de grande valia quando bem vivida.

O remédio para o luto é outro

Perdi uma amiga, mãe de dois jovens. Ainda que sua saúde debilitada prenunciasse sua morte, nutríamos esperança de cura. Perdê-la não foi nada diante da dor que vi estampada no rosto assustado de seus adolescentes.

De alguma forma, reconheci aquele semblante e temi por eles. Passados dois anos, os reencontrei. O primogênito logo me sacou um beijo carinhoso ao que logo correspondi perguntando como estavam desde nosso último encontro de despedida.

— É tia... o Dado anda muito quieto. Se enfiou no game e não consigo tirá-lo de lá. Outro dia, tava na cama da mamãe. Sempre conto uma piada ou uma história pra distrair mas dura pouco... e, de novo, volta a ficar quietão. Um saco isso!

Distrair-se para esquecer a dor é uma das tentativas mais comuns – e traiçoeiras – de viver o luto na adolescência. Prova disso era assistir aqueles dois jovens sozinhos e inexperientes lutando com suas indefesas e únicas armas sem saber que o remédio certo... era bem diferente daquele.

Luto na adolescência e o remédio certo

Viver o luto na adolescência desorganiza ainda mais o jovem naturalmente "bagunçado". O caos interno demanda esforço extra quando a fase – e o momento – é de escassez... total.

Neste hiato, pais podem – e devem – ajudá-lo a se reorganizar internamente. A começar por conversar sobre o fato abertamente, primeiro e crucial passo para viver o luto de forma saudável. Mas, cuidado: o como é igualmente importante e fundamental para transformar a simples atitude em remédio certo. Assim:

  1. Fale sobre a morte e todas as emoções que ela suscita em você. Desmistifique a ideia de morte a concretizando. Isso ajuda a quebrar o tabu e, aos poucos, reduz o medo e a ansiedade da falta do ente querido;
  2. Refira-se à pessoa falecida pelo nome e com naturalidade. Sua ausência física não a anula de sua vida. Portanto, fale dela pelo nome;
  3. Use frases de apoio que estabelecem empatia e segurança, tais como "sinto muito", "estou contigo", "você não está só", "entendo sua dor";
  4. Escute e acolha pacientemente tanto o silêncio como as palavras de rebeldia. O importante é estar disponível de verdade, independente da reação do outro e firmar uma relação de confiança e cumplicidade entre vocês;
  5. Permaneça disponível e atento por prazo indeterminado. O tempo passa, a vida segue, as pessoas retomam sua rotina. Porém, o processo do luto continua e o jovem precisa de você por perto para avançar nas fases. Portanto, sem prazos, mantenha-se presente e ativo mesmo sem ser chamado. Até porque ele dificilmente fará isso.

A vida ganha sentido

Viver o luto na adolescência é exercício dos mais difíceis para o jovem. Transformar a ferida aberta em cicatriz na fase naturalmente complicada demanda força em momento de escassez. Por isso, se a dor da perda de um ente querido lhe for imposta pela vida, não hesite em ajudar seu adolescente com o remédio certo.

Cientificamente comprovado, adolescentes são muito mais vulneráveis a traumas dada sua imaturidade emocional e biológica. Portanto, viver o luto na adolescência é potencialmente pior do que em outra fase da vida.

Não hesitemos de buscar ajuda de um profissional se necessário. A experiência é difícil a todos e merece toda atenção e ajuda até que a ferida vire cicatriz, memória saudável sem dor.

Superar o luto na adolescência, enfim, é reconhecer-se finito e, pelas adversidades, crescer e amadurecer também pela dor e, por meio dela, descobrir que a vida é dom valoroso de quem sabe viver todos seus momentos de forma saudável

*Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!, espaço em que conta as situações cotidianas e comuns que vive sendo mãe de adolescentes, buscando desmistificar clichês sobre essa fase dos filhos, para transformá-la em um tempo de aprendizado.

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