Escolas podem ter o papel de detecção e encaminhamento, ao observar sinais suspeitos, mas é a família que deve fortalecer e cuidar.
Escolas podem ter o papel de detecção e encaminhamento, ao observar sinais suspeitos, mas é a família que deve fortalecer e cuidar.| Foto: Bigstock

Vazio existencial e tristeza profunda são alguns dos sintomas da depressão. E essas características passaram a ser mais presentes na vida de crianças e adolescentes desde 2020, com a pandemia de Covid-19. Tanto que, no ano passado, pediatras e psiquiatras dos Estados Unidos declararam estado de emergência na saúde mental infantil.

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Lá houve um aumento de 45% no número de casos de automutilação e suicídio em crianças de 5 a 17 anos em comparação com o mesmo período em 2019. No Brasil, de acordo com um estudo realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), 36% das crianças e adolescentes apresentaram sinais de depressão durante a pandemia.

Os números preocupantes reforçam o alerta de que não só os adultos precisam de cuidados com a saúde mental, mas também os mais jovens, que em determinada faixa etária sequer conseguem explicar o que estão sentindo. E com o retorno das atividades escolares com regularidade há praticamente um ano, muitos pais podem achar que essa questão da depressão já não é mais uma preocupação, afinal, os filhos voltaram a interagir mais com amigos e colegas.

Mas é preciso que a família se mantenha permanentemente atenta às crianças e adolescentes, porque as causas da depressão são multifatoriais e, apesar das mudanças trazidas com a pandemia, podem ter raiz na própria família. "A escola pode auxiliar na saúde mental dos estudantes, com detecção e encaminhamento para um especialista. Porém, os pais são os protagonistas em auxiliar os filhos na melhora da depressão", reforça a psicóloga clínica e orientadora familiar Lélia Cristina de Melo. Confira a entrevista:

Quais as causas comuns da depressão entre os mais jovens?

As causas da depressão são multifatoriais. Há algumas áreas psicológicas no jovem que podem estar com uma maior carência. Por exemplo, há jovens com uma família disfuncional, com dificuldades afetivas e morais.

Então, esse jovem já tem uma tendência a se entristecer e, às vezes, essa tristeza a longo prazo se torna uma depressão, pois a depressão não é uma tristeza positiva. A tristeza fecunda tem um motivo objetivo – com começo, meio e fim. Já na depressão, o jovem vai se entristecendo e a vai entrando em um vazio e uma falta de esperança, que não consegue encontrar um motivo para viver. O jovem vai entrando, então, em uma fragilidade afetiva e emocional muito grande.

O motivo dessa fragilidade pode ser uma família que não atende as necessidades afetivas do jovem, por exemplo. Mas ela pode vir também de fatores biológicos ou psicológicos, porque esse jovem pode ter até uma família boa, mas tem dificuldade nas relações sociais, fica solitário nos grupos e isso vai causando uma depressão. Sendo que o ser humano tem uma necessidade de ter relações humanas significativas.

Outras causas podem estar ligadas ao estudo, ao trabalho e também ao vazio existencial, que é o vazio de não pertencer a nenhuma religião e não ter uma fé. As relações humanas são excelentes em transmitir alegria, mas a fé é outra área que também deve ser alimentada.  

O jovem pode sofrer também por não aceitar seu corpo ou sua beleza. Eles deprimem também porque muitos se importam com aspectos exteriores da vida e não alimentam o mais profundo da necessidade humana. Ou vivem em festas, mas não há intimidade com pessoas e não tem uma finalidade na vida. É comum que os jovens vivam muito para si e para conquistas concretas (dinheiro, concurso, viagem e cursos) mas não aspiram algo mais transcendente e não buscam saber qual o seu papel e legado que querem deixar no mundo.

O que os pais podem fazer?

Os pais são os primeiros que podem ajudar. Eles podem até prevenir para que o jovem nunca tenha um processo depressivo, quando são abertos, acessíveis e se comunicam facilmente com os filhos. E isso começa nos primeiros anos de vida, quando as crianças são ensinadas a exercer o autoconhecimento. A família precisa promover conversas para que o jovem conheça seus defeitos, limitações, características, habilidades, virtudes e aptidões.

Além disso, os pais são os primeiros psicólogos das crianças. Muitas pessoas não precisariam de acompanhamento psicológico se os pais tivessem exercido esse papel de educadores emocionais dos seus filhos. É estimular os filhos a falar sobre sentimentos, projetos e sonhos.

Pais não podem se limitar a educar hábitos. Eles devem educar a personalidade, e de uma maneira completa, para que os filhos trilhem caminhos transcendentes, sejam fortes e colaborem no mundo.

E a escola? Que lugar ela ocupa nesse momento?

A escola pode fazer menos. Os pais fazem quase 100% e a escola pode ajudar em 20% ou 30%, pois é um âmbito social e coletivo. Então, as escolas podem detectar uma criança que está triste e apática, e chamar para conversar. O papel da escola é de detecção e encaminhamento, porque existe depressão em função do bullying também.

Há um projeto em diversas escolas em que alguns funcionários andam e observam as relações dos alunos durante o recreio e nas atividades escolares. Ali eles percebem se há a prática de bullying. Com isso, já detectam e fazem um trabalho para que a vítima não sofra mais e também para que quem pratica o bullying pare com esse comportamento. Então, a escola não pode ajudar tanto, mas tem o seu papel.

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