Crianças aprendem a mentir por volta dos 3 anos e meio e à medida que crescem passam a empregar formas mais sutis de manipulação.
Crianças aprendem a mentir por volta dos 3 anos e meio e à medida que crescem passam a empregar formas mais sutis de manipulação.| Foto: Caleb Woods/Unsplash

Para o mentiroso, contar uma mentira tem seu preço. Sustentar as mentiras que se contam e tentar manter a plausibilidade de uma narrativa ficcional à medida que os eventos do mundo real se intrometem é algo mentalmente desgastante. O medo de ser pego é uma fonte constante de ansiedade e, quando isso acontece, o dano à reputação pode ser duradouro. Para as pessoas às quais contamos mentiras, os seus custos também são evidentes: as mentiras minam relacionamentos, organizações e instituições.

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No entanto, a habilidade de contar mentiras e praticar outras formas de enganação também é uma fonte de grande poder social, pois permite que as pessoas moldem as interações de maneiras que atendam a seus interesses: elas podem fugir da responsabilidade por seus erros, receber crédito por realizações que não são realmente suas e reunir amigos e aliados para a sua causa. Por isso, trata-se de um passo importante no desenvolvimento de uma criança: para mentir com sucesso, certas peças de um quebra-cabeça cognitivo precisam estar no lugar certo.

Para tentar entender o raciocínio por trás da escolha de mentir em vez de dizer a verdade, os psicólogos procuraram voltar ao momento em que aprendemos essa habilidade na infância. Em alguns estudos, os pesquisadores pedem às crianças que embarquem num jogo em que possam obter uma recompensa material mentindo.

Em outros estudos, as crianças são confrontadas com situações sociais em que o curso de ação mais cortês envolve mentir em vez de dizer a verdade. Por exemplo, um pesquisador oferece um presente indesejável, como uma barra de sabão, e pergunta à criança se ela gostou. Ainda outro método é pedir aos pais que mantenham um registro escrito das mentiras que seus filhos contam.

Em um estudo de 2017, meus colegas e eu procuramos entender o passo a passo do pensamento das crianças ao descobrirem como enganar outras pessoas, o que acontece por volta dos 3 anos e meio para a maioria das crianças. Estávamos interessados ​​na possibilidade de que certos tipos de experiências sociais pudessem acelerar essa linha do tempo de desenvolvimento.

Observando as crianças descobrirem como se mente

Em nossa pesquisa, convidamos crianças pequenas para um jogo simples que só poderiam ganhar enganando seu oponente: as crianças que diziam a verdade faziam com que o pesquisador ganhasse guloseimas, enquanto aquelas que mentiam ganhavam guloseimas para si mesmas.

Nesse jogo, a criança esconde uma guloseima em um de dois copos enquanto um pesquisador cobre seus olhos. Depois de deixar que abra os olhos, ele pergunta à criança onde está escondida a guloseima, e ela responde indicando um dos dois copos. Se a criança indicar o copo correto, o pesquisador ganha a guloseima, e se a criança indicar o errado, é ela mesma quem a ganha.

As crianças jogaram 10 rodadas desse jogo por dia, durante 10 dias consecutivos. Esse método de observar de perto as crianças durante um curto período de tempo permite um rastreamento preciso das mudanças comportamentais, para que os pesquisadores possam observar o processo de desenvolvimento à medida que ele se desenrola.

As crianças passaram por esse teste perto de completar 3 anos, isto é, antes de quando normalmente aprendem como mentir. Como esperado, descobrimos que, ao começar o jogo, a maioria delas não fez nenhum esforço para enganar e perdeu para o pesquisador todas as vezes. No entanto, nas rodadas seguintes, a maioria delas descobriu como enganar para ganhar o jogo – e após a descoberta inicial, elas passaram a recorrer à mentira de forma consistente.

Apenas um marco de desenvolvimento

Nem todas as crianças tiveram os mesmos resultados. Num extremo, algumas descobriram como mentir no primeiro dia; no outro, houve crianças que estavam perdendo o jogo de forma consistente, mesmo no final dos 10 dias.

Descobrimos então que a velocidade com que as crianças aprendiam a enganar estava relacionada a certas habilidades cognitivas. Uma dessas habilidades – o que os psicólogos chamam de teoria da mente – é a capacidade de entender que os outros não necessariamente sabem o que você sabe. Essa habilidade é necessária porque, quando as crianças mentem, elas comunicam intencionalmente informações que diferem do que elas mesmas acreditam. Outra dessas habilidades, o controle cognitivo, permite que as pessoas evitem deixar escapar a verdade quando tentam mentir. As crianças que descobriram como enganar mais rapidamente tinham os níveis mais altos de ambas as habilidades.

Nossas descobertas sugerem que os jogos competitivos podem ajudar as crianças a entender que o engano pode ser usado como uma estratégia para ganho pessoal – uma vez que elas tenham as habilidades cognitivas subjacentes para descobrir isso.

É importante ter em mente que a descoberta inicial do engano não é um ponto final. Pelo contrário, é o primeiro passo em uma longa trajetória de desenvolvimento. Após essa descoberta, as crianças geralmente aprendem quando lançar mão do recurso ao engano, mas, ao fazê-lo, precisam aprender a lidar com uma série confusa de mensagens sobre a moralidade do engano. Elas geralmente também aprendem mais sobre como enganar. As crianças pequenas muitas vezes revelam a verdade inadvertidamente quando tentam enganar os outros, e devem aprender a controlar suas palavras, expressões faciais e linguagem corporal para serem convincentes.

À medida que se desenvolvem, as crianças muitas vezes aprendem a empregar formas mais nuançadas de manipulação, como usar a bajulação como meio de conseguir favores, desviar as conversas de tópicos desconfortáveis ​​e apresentar informações seletivamente para criar a impressão desejada. Ao dominar essas habilidades, elas ganham o poder de ajudar a moldar as narrativas sociais de maneiras que podem ter consequências de longo alcance para si mesmos e para os outros.

*Gail Heyman é professora de Psicologia na University of California San Diego.

©2022 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.

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