Guardo boas memórias da minha adolescência, mas também me arrependo por desvalorizar os beijos roubados de minha mãe.
| Foto: Bigstock

Quando beijo filhos – hoje adolescentes – me recordo de minha mãe protetora, exigente... e beijoqueira. Qualquer hora era oportunidade de beijo de mãe. Batia vontade, pronto: simplesmente beijava. Toda e qualquer mínima interação lhe parecia propícia e válida a um pedido dengoso – quase vitimista – de beijo: "Dá um beijo na mãe, vai..." – pleiteava já sobre mim.

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Profundamente impaciente naquela situação que me soava irritante pedido de forçada demonstração de carinho, grunhia em contrapartida. Ainda não enxergava – na verdade desprezava – a oportunidade de viver o momento consciente daquela atitude materna inquietantemente amorosa. Em vez disso, reagia com frase e atitude impiedosamente opostas: "Argh, que saco, mããe!" – e logo esfregava a bochecha para limpar qualquer resquício daquela contrariedade comumente imposta a filho adolescente. "Por que será que mães não veem que isso é simplesmente irritante?" – costumava me perguntar.

A vitimização materna

Guardo boas memórias da minha adolescência mas também outras não tão boas assim. Dentre algumas, esta: um certo arrependimento por desvalorizar aquele gesto quase piegas de tão amoroso de mãe que “rouba” beijo de filho adolescente. Tantos "argh" desnecessários e chances perdidas em vez de atender ao pedido sem tanto peso e reatividade; com paciente atenção – senão carinho – às investidas da mãe saudosa da criança que ia ficando no passado.

Hoje sou mãe e filho adolescente repete a conhecida e, na maioria das vezes, reconhecida dinâmica. Ainda cego ao valioso beijo de mãe, tento mudar minha participação nesta história a fim de torna-la mais leve. Porém, ao buscar o tal beijo no filho, vivo um déjà vu, e suas repetidas escapatórias me remetem a reagir a um passado ofendida de sua ingratidão.

Contrariando minhas expectativas de fazer diferente e colher frutos melhores de situação familiar, caía na cilada de me vitimizar como tanto julgava mãe fazer: "Que injusto, filho! É só um beijo de mãe... nossa..."

O incomparável beijo de mãe

Não me considero mãe-melosa muito menos grudenta mas sim, tenho ímpetos de abraçar, aconchegar e beijar filhos... tal como fazia quando eram... bebês. Será este o conceito de mãe grudenta? – me pergunto insistindo na ideia de que não. Calçando as sandálias de mãe, tento calçar também as de filho adolescente lembrando minha própria reatividade adolescente ao beijo de mãe.

Por fim caio na real culpando a imaturidade adolescente e, por tabela, me culpando um pouco mais de minha atitude com mãe: "Tadinha da minha mãe... ou será de mim que perdi por não usufruir do incomparável beijo de mãe que muda quando nos tornamos adultos?" – questiono pesarosa sobre o que não posso mais mudar.

Por trás do beijo de mãe

Beijar filhos me dá prazer e também causa nostalgia. É quando a mãe protetora, beijoqueira – e saudosista – emerge consciente de que filho está mudando e o tempo passa desapercebidamente. Como que antevendo o abismo prestes a se firmar, mãe de adolescente se apressa em aproveitar cada momento de toque amoroso no filho em transformação: "Dá um beijo na mãe, vai..." – pleiteio igual minha mãe avançando sobre filho e acertando sua bochecha – não mais tão pequena como outrora – com um beijo estalado.

Desprezando seu evidente desconforto e, pouco a pouco, me desapegando da autocomiseração de não ser correspondida, roubo o desejado beijo prontamente rechaçado por filho sem vitimizações e discussões inúteis: "Argh! Que saco, mãe!" – retruca esfregando a bochecha a fim de eliminar qualquer vestígio de beijo de mãe em si mesmo.

Beijo de mãe sem peso

Especialistas afirmam: "adolescentes não são seres extraterrestres como se apregoa mas seres que necessitam ser compreendidos em função de sua realidade e... imaturidade". Espanta-me desconhecer – ou aceitar? – o fato só depois de tanto tempo de conflitos inúteis causados por situações sem grande importância real com filho adolescente.

Hoje sou capaz de entender que o fugir, esnobar, recusar, esquivar-se do beijo de mãe – ou qualquer outro carinho materno explícito – faz parte do processo de amadurecimento de filho... e meu também. Os inúmeros – e igualmente irritantes – “arghs” proferidos por filho após duros embates por um beijo fazem parte de um período de transição e crescimento de ambos.

Mãe e filho sofrem com as mudanças na prática e nem sempre as vivem de forma consciente, o que nos impede de vive-las de forma menos pesada. Descobrir isso leva tempo; na verdade, só lá na frente, – quando nos tornamos adultos e, a priori, mais maduros e conscientes – compreendemos que este amadurecimento pode – e deve – ser vivido de forma melhor.

Beijo de mãe vale o esforço de filho

Entre grunhidos e reclamações, já não me ofendo tampouco me espanto ou ressinto de sua reatividade. Em vez disso, deixo mais vestígios de beijo de mãe em sua bochecha – também mais peluda e áspera do que outrora – com estalos ainda mais sonoros e elogios à sua beleza transformada.

Cresci, amadureci: me tornei mãe de adolescente e, por isso, vivo situações diferentes do passado infantil. Apesar das situações comuns a muitas outras famílias de adolescente, escrevo história única aprendendo com o passado mas vivendo o hoje de outra forma. O que posso – e devo – mudar mudo enfim consciente do processo maior de amadurecimento que é familiar.

Finalmente abri mão das picuinhas sem valor – e até naturais – com filho adolescente reativo a beijo de mãe. Em prol de aproveitar melhor os momentos ainda compartilhados, me empenho em fortalecer vínculos afetivos e cultivar lembranças memoráveis até nos frequentes "arghs" proferidos. Sob novo contorno, beijo de mãe hoje me ajuda a aceitar a transição criança-adolescente com mais maturidade para aproveitar – mais do que desperdiçar – as oportunidades de ainda acertar aquela bochecha tão diferente do passado não tão distante.

Minha história de beijo de mãe em filho adolescente pode até parecer igual a muitas outras mas uma coisa é certa: é definitivamente mais leve que outrora. Afinal, filho adolescente, cansado de reagir às minhas invariáveis investidas, aceita a “derrota” de dispor o rosto para um beijo e até sorri – timidamente - enquanto esfrega a mão sobre a bochecha marcada pelo incomparável beijo de mãe. "Mãe e filho adolescente é mesmo tudo igual”, é o que dizem por aí. Será mesmo? Argh!

*Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!, espaço em que conta as situações cotidianas e comuns que vive sendo mãe de adolescentes, buscando desmistificar clichês sobre essa fase dos filhos, para transformá-la em um tempo de aprendizado.

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