Embora a relação dos avós com os netos seja baseada no afeto, eles devem respeitar a educação que seus filhos dão às crianças.
Embora a relação dos avós com os netos seja baseada no afeto, eles devem respeitar a educação que seus filhos dão às crianças.| Foto: Bigstock

Aquele cheirinho de bolo saindo do forno, um abraço quentinho sempre disponível e a sensação de poder fazer o que quiser são coisas que muitos de nós trazemos em nossa memória afetiva quando pensamos nos nossos avós.

A relação dos avós com os netos é baseada em uma afetividade mais livre, porque os avós não têm o compromisso de impor regras e de educar. Com isso, portanto, possuem uma relação baseada eminentemente no afeto, acredita Lelia Cristina de Melo, psicóloga clínica e orientadora familiar, especialista em neuropsicologia, educação e desenvolvimento familiar e pessoal.

Michele Maba, psicóloga clínica, concorda que a relação entre os avós e seus netos é muito mais recheada de afeto do que de obrigações de educação. “Antes de impor um limite ou ordenar alguma obrigação, como pedir para escovar os dentes, os avós estão mais preocupados com a qualidade afetiva da relação. E isso, às vezes, gera algum tipo de conflito com os pais das crianças”, afirma ela.

Mas como os pais podem manter a relação dos avós com os netos sem que a educação dos filhos seja prejudicada?

Embora a relação dos avós com os netos seja baseada no afeto, eles devem respeitar a educação que seus filhos dão às crianças, ainda que não sigam a mesma conduta dos pais. “Os avós são muito atentos àquilo que os pais das crianças querem e pedem, mas não são obrigados, e nem conseguem, seguir à risca a mesma conduta. Então os pais das crianças não devem obrigá-los a seguir o referencial de maneira rígida porque são outras pessoas com esquemas mentais diferentes”, explica Lelia.

O que os avós podem ou não fazer?

Segundo Lelia a função dos avós é de resguardar as indicações mais importantes dadas pelos pais, amparando as regras mais fundamentais, por exemplo não ter contato com eletrônicos ou não assistir televisão, regras que os avós podem e conseguem seguir.

Contudo, não cabe aos avós monitorar a execução da lição de casa, como também podem flexibilizar regras que não são fundamentais à forma da educação dada às crianças, como horário de banho ou de dormir. “Os avós levam em conta os fatores mais importantes, desta forma os netos se beneficiam da congruência entre os seus pais e os seus avós, ainda que percebam que os avós não têm o mesmo esquema de regras do que na sua casa”, disse Lelia.

Outra coisa importante é que os avós não podem desautorizar os pais diante dos netos. Frases como “sua mãe pediu isso, mas não vamos fazer, não conta para ela” não podem ser ditas. Caso haja alguma situação assim, o filho desses avós é quem deve intervir. “É o filho que deve conversar com a mãe para reencaminhar essa conduta e fundamentar aos avós com clareza o por que não das telas, do banho gelado, etc.”, ensina Lelia.

Como evitar um conflito de gerações?   

A geração dos jovens pais possui um grande salto para geração dos avós atuais. Isso porque o acesso a conteúdos psicológicos e educacionais está mais presente na leitura familiar, mais acessível aos pais do que era para os avós quando jovens, de modo que muitas atitudes acabam se diferenciando.

Michele explica que os conflitos de gerações acabam acontecendo normalmente porque avós e pais pensam de um jeito muito diferente, além das posturas distintas das que foram aplicadas na criação dos filhos. “Muitos avós foram pais rígidos e agora são dóceis, assim como muitas vezes os pais não querem usar formas de educação que receberam na infância, como a palmada, sendo condenados pelos avós por não as usar”, conta a psicóloga.

Entretanto, é possível superar o conflito entre as gerações. Isso se dará por meio do respeito e do amor, da maturidade dos avós e dos pais que, embora possuam divergência de opinião, não se atacam nem agridem, muitas vezes deixando de impor sua opinião para escutar à do outro. “É uma relação de muito respeito ainda que existam conceitos e critérios diferentes, na qual se evitam os conflitos e as crianças percebam o respeito que há entre as diferentes posições dos adultos", explica Lelia, ao reforçar que essa postura beneficia a educação das crianças, pois quando há contraposição entre os adultos, as crianças percebem claramente, ficando passiveis de entristecerem-se ou de escolherem caminhos distintos de qualquer autoridade, longe dos valores dos pais e dos avós.

Entre os adultos, as conversas esclarecedoras baseadas em valores e sistemas familiares sólidos podem ser repassados dos avós para os pais, e algo mais moderno e novo dos pais para os avós. E esse diálogo é bastante proveitoso, de acordo com Lelia. “Os pais que são mais flexíveis vão considerar o que os avós dizem. Não é que tudo o que é novo é bom e o que é antigo é ruim. Toda a tradição familiar pode ter sido excelente, e pode continuar sendo excelente, pois há coisas que não mudam apesar do tempo”, afirma.

Mas Lelia alerta: se houver muita interferência, é melhor para a saúde mental e para a própria educação que os filhos fiquem com outras pessoas, na escola, por exemplo, para evitar uma interferência maciça na educação dos netos que seja contraditória à educação que os pais dão.

Ultrapassando limites

Os avós têm os limites que os pais dão, e eventualmente esses limites podem não ser respeitados, normalmente na melhor das intenções. Entretanto, o caminho não é partir para a agressividade ou atitudes drásticas.

Precisamos mais do que nunca de uma comunicação assertiva entre os pais e avós, principalmente para abordagem de um com o outro quando há um desrespeito às regras anteriormente estabelecidas.

Michele orienta que as recomendações dos pais devem ser dadas aos avós de forma muito clara, de modo a mostrar com o máximo de afetividade possível o que se tem como necessidade. “A cobrança acaba gerando uma sensação de ingratidão, então a clareza na comunicação é o grande segredo para que o vínculo não se quebre”. Também a maneira de dizer deve ser observado para evitar mágoas. “Você pode falar sobre um conteúdo bem coerente, bem embasado, com carinho. Porque a mágoa acontece quando o formato, a maneira de dizer, o tom de voz ou olhar são de alguma maneira agressivos”, finaliza Lelia.

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