Autoestima depende do quanto você se aceita como é, o que na adolescência, pode se tornar fonte de grandes angústias causadas até por pais bem intencionados.
Autoestima depende do quanto você se aceita como é, o que na adolescência, pode se tornar fonte de grandes angústias causadas até por pais bem intencionados.| Foto: Bigstock

Meu filho teve atraso no crescimento. Enquanto amigos viviam o conhecido "estirão", meu pequeno parecia crescer a conta gotas. Sua baixa estatura em relação à turma era notória e o fato começou, então, a incomodar não exatamente a ele ou seus amigos mas a nós, seus pais, preocupados com sua autoestima.

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Ainda que não houvesse relatos, temíamos uma potencial discriminação. Mesmo que notássemos saudável relacionamento no grupo, nos afligíamos de pensar que, a curto prazo, o cenário poderia mudar. Ainda que movidos por boas intenções, fazíamos a coisa errada assumindo uma lente enviesada sobre o filho adolescente "diferente" dos "outros".

Induzidos pelo instinto protetor, vivemos a fase do estirão de nosso filho angustiados por sua baixa estatura fora dos padrões estipulados e, assim entendidos como "normais". O medo de ver o filho estagnar em índices abaixo do esperado nos levou, então, a agir de forma um tanto atabalhoada.

Temendo, então, a a ameaça de uma aparência insatisfatória, provocamos situações e causamos reflexos indesejados sobre filho. Mais: atingimos em cheio – e desastrosamente – sua autoestima em processo de consolidação na fase em que tudo muda... exceto pais de adolescente.

A dor do passado refletida no filho

Aos 12 anos, meu filho começou a mostrar atraso no crescimento. Exames comprovaram o inicial descompasso até que a baixa estatura se tornou fato visível e preocupante. Inicialmente ao pai, gato escaldado pelo mesmo atraso na juventude; depois a mim, mãe aflita com a repercussão do fato sobre a autoestima do filho.

O pai teve o mesmo atraso no crescimento quando adolescente. Sem esconder sua apreensão, testemunhei seu relato de sofrimento por conta disso. Não porque tivesse sofrido algum tipo de ridicularização, mas pelos duros rituais de exercício e alimentação aos quais era submetido para "solucionar o problema" de sua baixa estatura. Como um déjà vu, agora era o filho quem passava pelo mesmo: todos cresciam... menos ele.

A experiência o induziu a reproduzir a prática de seu pai e, como dentro de um ciclo vicioso, se ocupou de impor o conhecido ritual ao filho. Não sem antes acrescentar o toque pessoal apontando ao filho sua condição de destaque negativo no grupo por sua "diferença" de altura em relação aos outros.

— Come! Você precisa comer mais! Comeu pouco... por isso tá assim: baixinho. Quer ficar menor do que seus amigos? Tem que crescer! – dizia o pai assertivamente.
— Saco, pai! Eu não quero mais! Não tô com fome! – reclamava o filho.

— Não interessa, coma tudo. Ah! E, antes de dormir, tome um copo de leite também. Faça isso todo dia, entendido? E o filho, finalmente liberto, saía sabendo que a mesma história logo se repetiria.

Autoestima de filho em franco declínio

Por mais que tentasse ser amoroso, sua notória aflição não permitia. As orientações em prol de seu desenvolvimento físico logo passaram a soar como normas até se tornarem lei recompensadas por pequenos ganhos cotidianos. A inquietude, inicialmente compreensível pelo histórico vivido, passou então a causar sofrimento... a toda família.

Atordoado por uma experiência passada, o pai desapercebidamente a repetia impondo práticas pouco efetivas e muito, muito ameaçadoras à autoestima do filho. Enquanto pai tentava proteger nosso filho de uma situação potencialmente ameaçadora à autoestima, contribuía com sua fragilização por meio de observações negativas à sua aparência.

Logo o notório incômodo se tornou perceptível a todos. A insistente atenção à quantidade de comida ingerida logo virou obsessão e até condição de atendimento a pedidos do filho. Gradativamente, os comentários foram se tornando cada vez mais duros até beirarem o desrespeito ao filho.

Até então desligado de sua baixa estatura, o filho passou a acreditar que, de fato, fosse "diferente dos outros" e se fechou em si mesmo. Passou a se intimidar com as falas do pai e a crer não merecedor de estima por sua diferença de altura em relação aos amigos de sua idade.

Filho combalido por uma lente distorcida

Contaminada pelo estado de atenção sobre filho com atraso no crescimento passei a me incomodar com sua aparência também. Ansiosa por uma mudança que não acontecia, o levamos a um especialista. Afinal, o "problema" era conhecido e agora contávamos com novos recursos para tratá-lo e "solucioná-lo".

Consultas médicas, exames periódicos, medicamentos, rituais farmacológicos. Tudo passou a fazer parte de nossa rotina. Meu filho, até então desatento à sua baixa estatura, começou a mudar. Não de altura mas de opinião sobre si mesmo:

— Tô ridículo nessa roupa! Não sei por quê você compra roupa desse tamanho para mim! Tenho 14, mas visto número menor! Será que ainda não entendeu isso, pai? – esbravejou certa vez com a voz embargada.

Finalmente desperta, enxerguei. O efeito rebote de nosso instinto protetor foi a depreciação da autoestima de nosso filho adolescente de baixa estatura.

O passado do pai refletido no filho

Autoestima é determinante à personalidade do indivíduo. É sentimento que, quando bem trabalhado, nos capacita a encarar as adversidades da vida com autoconfiança. Portanto, a lente pela qual nos enxergamos faz diferença na forma como lido com as adversidades que surgem.

Em momentos como este vivido por filho com atraso no crescimento, ter autoestima equilibrada ajuda a enfrentar as atribulações – no caso a diferença de estatura – com confiança e determinação para agir em busca de soluções sem vitimizações. Portanto, ter uma ótica saudável de si determina a forma como enfrentamos as dificuldades que a vida nos impõe.

Ainda que sob boas intenções e amor incondicional, o filho via sua personalidade ser denegrida por uma questão estética. Apreensivos com sua baixa estatura, reiterávamos sua condição de "diferente" como defeito e demérito. A forma pejorativa como o descrevíamos minava sua autoestima em fase de fortalecimento.

Vulnerável e autodepreciativo, assumia a visão deturpada com que o víamos internalizando percepção negativa de si mesmo. Tal qual o pai, filho ameaçava viver o passado com a mesma experiência de dor vivida pelo pai... no presente.

Aceitando o filho como é

O risco de denegrir a autoimagem do filho adolescente com uma ótica pejorativa é mais comum do que imaginamos. Dependendo da forma como lidamos com filho adolescente, a ameaça de lhe incutir uma leitura depreciativa sobre sua transformação física reforça o perigo real de formar indivíduo com baixa autoestima.

O propósito do pai era, sem dúvida, proteger o filho e poupá-lo de uma potencial descriminação. Porém, movido por um gatilho mental de dor vivida no passado, seu instinto protetor e cuidador jogou por terra a chance de fazer diferente e evitar a repetição de uma história de baixa autoestima com filho adolescente.

Tomadas as devidas providências, escolhido especialista no assunto, cumpridas as orientações devidas, de fato, fizemos mais do que antes, mas não o suficiente para mudar a história até aquele momento. Os pífios resultados passaram a ser foco de um estudo de possível "bloqueio emocional" o que agravou ainda mais a autoestima do filho.

Dominados por um sentimento de impotência e àquela altura, culpa, algo se revelou prioritário: salvaguardar a autoestima do filho aceitando-o como era e esperando a natureza agir a seu tempo.

Crescendo segundo a natureza

Emocionalmente fragilizado, filho passou a se sentir menos digno de ser amado por uma condição física de sua transformação. Por uma memória afetiva negativa do pai, sua história arriscou ter mesmo enredo de dor e baixa autoestima vivida por ele no passado.

Abaixo do esperado, fora dos padrões convencionados, filho ficava cada vez menor... dentro. Além da meta não alcançada no tratamento, somamos dor (física e emocional) e marcas (físicas e emocionais) indeléveis ao filho. Algo muito ruim acontecia e precisamos intervir de novo; desta vez, parando com tudo.

Interrompido o tal tratamento, assumimos juntos as consequências da decisão. Ineficaz e emocionalmente doloroso, não trazia benefício algum. Pelo contrário: causava efeitos colaterais (em todos sentidos) e ainda minavam a parte boa da autoestima do filho. Prioridades e objetivos reordenados, confiamos na natureza. No devido tempo, inerente ao nosso tempo, filho cresceria... em todos os sentidos.

Uma lente nova sobre o filho adolescente

A decisão de parar a terapia foi arriscada mas necessária. Tivemos medo de errar mas acertamos e a natureza confirmou: o esperado estirão finalmente aconteceu no ano seguinte. Tarde para os padrões firmados mas na hora ditada por quem sabe mais do que nós: a natureza humana herdada.

Filho hoje "espichado" finalmente entrou nos padrões de crescimento e, tanto filho como pais nos sentimos aliviados por isso. Passar por esta experiência rendeu, porém, mais do que aflições, rica lição. Autoestima depende do quanto você se aceita como é, o que na adolescência, pode se tornar fonte de grandes angústias causadas até por pais bem intencionados.

Hoje, antes de me ocupar com padrões físicos, observo e acompanho o crescimento do filho antes de tudo o desvendando de dentro pra fora. Suportada por mais recursos do que no passado, atento e atuo onde devo mas, diferente de antes, respeitando e enxergando filho além e vê-lo crescer de forma saudável... por completo.

*Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!, espaço em que conta as situações cotidianas e comuns que vive sendo mãe de adolescentes, buscando desmistificar clichês sobre essa fase dos filhos, para transformá-la em um tempo de aprendizado.

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