— Filho sob pressão entrega, sim! Prova disso é o Daniel: só resolve as coisas quando sob pressão. Não sei como mas, na hora H, dá um jeito e entrega o que lhe é esperado. É assim em tudo: para prova, trabalho, em casa... Estressante pensar viver sob constante pressão mas... se dá certo para ele... tá valendo.
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Foi assim, escutando a conversa de três amigas, que lembrei do Cesar, um colega de equipe do trabalho cujo nome troquei em respeito à sua privacidade. Diferente do jovem Daniel, Cesar era adulto, casado, pai de família e líder de um projeto importante na empresa e eu, uma dos oito coparticipantes da equipe responsável por entregar resultados daquele mesmo projeto.
O que Daniel e Cesar tem em comum? Ambos entregam resultados sob pressão. Por isso, a associação de um ao outro e uma pergunta capiciosa vem à mente:
— Será Daniel prenúncio de mais um Cesar no mundo?
O perfeccionismo inimigo
Difícil crer que filho sob pressão seja um meio aceitável de entregar resultados mas, perfeccionista que sou, entendo não ser parâmetro confiável para opinar sobre a questão. Consciente de minhas exageradas expectativas em relação ao outro, muitas vezes acabo dando um tiro no meu pé – e no do outro – por isso.
Portanto, descontada minha alta régua e por vezes pesadas críticas, insisto em discutir:
— Seriam entregas satisfatórias um bom exemplo para filho adolescente em franco aprendizado sobre o competitivo mundo no qual vivemos?
Assumidamente perfeccionista – e consciente dos contras e também prós desta característica – venho trabalhando seriamente nos ajustes de minha visão de mundo e rota por conta disso. Sei precisar equilibrar expectativas e cobranças de filho sob pressão mas nem por isso me contento com régua baixa.
Venho me empenhando em melhorar nisso sem, contudo, baixar a régua da qualidade das entregas minimamente esperadas; nem minhas, nem as do filho. Hoje até me permito errar, reconheço falhas próprias – e dos outros – sem autopunições e pesos extras o que, para mim, já é uma tremenda evolução.
Sim porque, creia: não poupei meus filhos dos excessos, confesso e eles, atestam. Exatamente por esta permissiva dinâmica precisei – e me dispus a – mudar. Do contrário, desenvolveria filho sob pressão extra e consequentemente ansioso e incapaz de realizar em nível saudável de entrega.
A autoconfiança disfarçada
Lembro de uma situação para sempre marcada na minha memória. Trabalhávamos em um projeto inovador naquela renomada multinacional. A diretoria nutria expectativas sobre os resultados daquele piloto (fase teste de uma nova ideia) e, Cesar – aquele amigo de resultados sob pressão – promissor executivo, era o líder daquele desafio.
Tivemos de desenvolver ações novas, pesquisas, envolver outras áreas e colegas de dentro e de fora da corporação, coletar e analisar dados. Enfim, era trabalho desafiador, pesado e gerador de muito estresse... a todos envolvidos, de certa forma filhos sob pressão... como o jovem Daniel, por exemplo.
O projeto seguiu por um semestre. Em diferentes fases exigiu mudanças, ajustes, adaptações e, principalmente, acompanhamento periódico de resultados. Tudo era muito novo para todos. Sentíamo-nos constantemente avaliados, o que nos deixava apreensivos por um lado e, por outro, ainda mais comprometidos com entregas irretocáveis.
Cesar, sujeito de fala e comportamento tranquilos, de sorriso discreto e amável, parecia pouco preocupado com o nível de estresse. Pelo contrário: parecia até confortável na liderança do trabalho o que, para muitos – inclusive para mim – transparecia segurança.
A autoconfiança demonstrada, de certa forma, nos tranquilizava e nos levava a crer que tudo corria bem e dentro do esperado. Então, uma semana antes da entrega da primeira fase, a equipe se reuniu para analisar as primeiras conclusões.
Como uma prévia do que seria apresentado na semana seguinte, nos juntamos ansiosos mas ainda assim confiantes no trabalho realizado até então. Foi quando a esperada reunião virou real pesadelo.
Filho sob pressão não enxerga
Paulatinamente, cada um percebeu que, na verdade, Cesar estava tranquilo demais para quem devia entregas melhores. A reunião logo virou agitação. A equipe, então repentinamente aflita, descobriu que a autoconfiante liderança era, na verdade, exemplo de um Daniel, filho sob pressão habituado a entregar apenas o esperado.
— Saco, pessoal! Calma... deixa comigo. Sou assim mesmo, me conheço. Funciono sob pressão. Quando o prazo se aproxima é que me mexo. Fiquem tranquilos. Vai dar tudo certo. – disse ele ao notar nosso quase desespero.
A reunião se estendeu além do imaginado: precisávamos realinhar as expectativas. Atordoados, passamos a questionar as entregas. Afinal, estávamos lidando com diretores igual ou ainda mais ansiosos por atestar nossa competência a partir da entrega feita o que Cesar parecia ser o único a não entender.
Difícil é formar filho “acima do esperado”
Ensinar filho adolescente a entregas escolares, profissionais, domésticas ou quaisquer outras é o primeiro passo na formação de um adulto responsável e comprometido com suas responsabilidades. Cobrar um planejamento para que seu filho os entregue a contento é o segundo passo na formação de um adulto comprometido e mediano nas entregas, o que, de fato, não é absolutamente ruim mas o esperado.
Neste patamar, não há surpresas: nem para o bem nem para o mal ... e tudo bem. Difícil e, por isso mesmo fora do comum, é ensinar – e cobrar – filho adolescente a surpreender com entregas melhores, exercício árduo, contínuo – e perigoso, assumo – de persistência o que, muitas vezes, nós pais de adolescentes nos eximimos de fazer.
Notamos displicência e procrastinação de filho sem lutar – inclusive de formas diferentes – para reverter o quadro. Minimizamos e justificamos os "Cesares" nos contentando com entregas mínimas depois de muita pressão.
Difícil mesmo é fazer diferente esperando mais do filho adolescente. Trabalhoso, cansativo – diria exaustivo – persistir em ensinar e cobrá-lo do compromisso com entregas à altura de sua capacidade real, ou seja, de seu melhor o que, sabemos, nunca acontece quando filho sob pressão o faz de última hora e displicentemente.
Os dois lados do perfeccionismo
Concluímos o projeto mas às custas de excessivo e desnecessário nervosismo. A meu ver, às custas de até certo desrespeito aos colegas comprometidos com entregas superiores o que, infelizmente, não aconteceu porque entregamos o esperado de um projeto inicialmente tido como inovador.
Diferente de muitos, não sou avessa aos perfeccionistas. Gosto destes e graças a vários deles, aprendi a buscar meu melhor sendo, fazendo e entregando meu melhor. Cobrada do que pensava não conseguir, hoje vejo o que enxergavam além, meu potencial, e por isso me encorajavam a superar expectativas.
Subliminarmente me ensinavam o que não ser: adulto de entregas sob pressão. Graças a estes "malvados favoritos" – assim os apelidei – aprendi a planejar, a me preparar para situações naturalmente estressantes e administrá-las em prol de entregas superiores.
Estou ciente de que também me tornei mulher e mãe exigente e, por isso, também ameaçadoramente inflexível o que, confesso, se concretizou por bom tempo em minhas relações mas que, depois de devidamente ajustada me aperfeiçoou como ser humano responsável por boas entregas.
O saldo da influência de meus “malvados favoritos” é indiscutivelmente positivo. Disso estou certa. A régua alta, sem dúvida, contribuiu com a formação do adulto comprometido com o ideal de uma sociedade de resultados maiores que o "esperado" o que me inspira a ensinar e buscar o mesmo com filhos adolescentes.
Por adultos melhores para o mundo
Contar com pessoas competentes em extrair meu melhor me inspirou como mãe a perseguir o mesmo com filhos. Ao ajudá-los a colocar em prática seu potencial, estou certa de também encorajá-los a não se contentar com o básico mas a se comprometer com entregas superiores à média.
Nunca me habituei à natural procrastinação de filho adolescente que só faz sob pressão. Apesar da característica própria da fase, não me esquivei do dever de fazer, primeiro, minha entrega: adultos melhores para o mundo o que passa por cobrar esforço de filho adolescente para resultados além do esperado.
Ser pai/mãe é também projeto: ativo, dinâmico e vitalício que, a cada fase, demanda entregas novas. Muito maior do que qualquer outro, este sim é projeto complexo e importante a todo tempo a nos exigir competência para concretizá-lo acima do "comum".
Na vida real, somos aqueles diretores corresponsáveis – e ansiosos – por entregas mais desafiadoras ao mundo: nossos filhos, novos adultos. Façamos mais, nos dediquemos mais ao projeto de formar adultos melhores ao mundo; eduquemos de forma mais criativa e eficiente.
Filho pode mais; nós podemos – e conseguimos! – muito mais do que resultados medianos e medíocres. O mundo já está de saco cheio dos Cesares; eu também.
*Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!, espaço em que conta as situações cotidianas e comuns que vive sendo mãe de adolescentes, buscando desmistificar clichês sobre essa fase dos filhos, para transformá-la em um tempo de aprendizado.