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Para as mulheres da República Democrática do Congo, Denis Mukwege é um verdadeiro sinal de cuidado e esperança – e o seu maior defensor. O médico ginecologista, ativista e pastor de 63 anos, que venceu o Prêmio Nobel da Paz deste ano, se dedica a tratar lesões causadas por violência sexual, em um país em que esses casos são uma parte horrenda do cotidiano em um cenário de guerra que se arrasta há 12 anos.

Terceiro de nove filhos de um ministro cristão pentecostal, Mukwege desejou estudar medicina para curar as pessoas doentes por quem seu pai orava – principalmente mulheres com complicações devidas ao parto, que não tinham acesso a serviços de saúde no Congo em sua época. Ele se formou pela Universidade do Burundi, no país vizinho, em 1983.

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Inicialmente, Mukwege trabalhou como pediatra em um hospital rural em Lemera, perto de Bukavu, sua cidade natal, próxima da fronteira com o Burundi e Ruanda. Tendo, porém, contato com muitas mulheres que sofriam lesões genitais, fístula obstétrica e dores após o parto, ele resolveu estudar ginecologia e obstetrícia na Universidade de Angers, na França, completando a sua residência em 1989 – os casos de fístulas traumáticas no Congo foram o tema de sua tese na Universidade Livre de Bruxelas, pela qual recebeu seu grau de Ph.D. em 2015.

Com o início da I Guerra do Congo, em 1996, Mukwege transferiu-se de Lemera para Bukavu e lá fundou, três anos depois, o Hospital Panzi. A guerra trouxe consigo uma onda de violência sexual assustadora: desde a sua fundação, o hospital tratou mais de 85 mil mulheres com lesões ginecológicas, sendo que cerca de 60% delas eram vítimas de violência sexual.

Mukwege logo percebeu que a violência sexual estava sendo usada como arma de guerra nos conflitos entre diferentes grupos. A partir daí, decidiu devotar-se completamente a cirurgias de reconstrução cirúrgica para ajudar as vítimas. Mukwege chegou a trabalhar cerca de 18 horas por dia, realizando até 10 cirurgias a cada jornada de trabalho. O Instituto Alemão para a Missão Médica (DIFAEM, na sigla em alemão) colabora com ele desde então provendo fundos e materiais.

“Sei que serei curada um dia”, diz Mateso Nabutonzi, uma mulher de 25 anos atendida pelo médico, em uma reportagem de 2008 do jornal canadense The Globe and Mail. “Agradeço ao doutor Mukwege. Aqui sou alimentada e alguém cuida de mim. Por causa dele, posso dormir segura”. Mateso viveu por cinco anos com uma fístula vaginal, depois de ter sido escrava sexual de uma milícia.

Ativismo

Muitas mulheres tratadas por Mukwege retornam meses ou anos depois com os mesmos problemas, depois de terem sido novamente violentadas. Outras sequer voltam, como Sibazuri, que tinha sofrido mutilação genital, passou por um longo processo de recuperação e depois foi novamente raptada por um grupo rebelde ruandês que a levou para o seu acampamento na selva. Ali, ela foi escrava sexual durante nove meses. A jovem foi solta quando engravidou, mas morreu no parto devido às lesões e à debilidade que os meses de exploração lhe causaram.

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“As idades das vítimas de violação vão de 18 meses a 80 anos. Os estupros são uma arma de guerra”, disse ele a uma entrevista ao jornal francês France Inter em 2013. “Eu achava que isso era uma barbárie de guerra passageira. Mas quando comecei a atender as filhas nascidas desses estupros, compreendi que isso não tinha mais fim”.

Vendo que a solução para o problema não viria apenas da medicina, ele se engajou também no ativismo pela paz em seu país e pela denúncia da violência sexual como crime de guerra. Em setembro de 2012, Mukwege discursou na ONU, denunciando os estupros em massa ocorridos em seu país e criticando o governo da República Democrática do Congo e de outros países por não fazer o bastante para deter a guerra. No mês seguinte, sua casa foi invadida por quatro homens armados, que fizeram suas filhas reféns e o esperaram para executá-lo. Na sua volta, o seu guarda foi morto, mas ele conseguiu escapar.

Mukwege então exilou-se na Europa, retornando ao Congo em janeiro de 2013. Desde então, vive sob proteção permanente de soldados da ONU. Em 2014, o Parlamento Europeu lhe concedeu o Prêmio Sakharov, e em 2016 a revista Fortune o considerou o 35º maior líder mundial do ano. Agora, em 2018, dividiu o Nobel da Paz com a ativista iraquiana Nadia Murad, que também atua denunciando a violência sexual em conflitos armados. “Recebo mais dessas mulheres do que lhes dou”, disse Mukwege em 2008. “Quando vejo o seu sorriso, quando elas vêm até mim e dizem: Papa, ça va, eu me pergunto: ‘O que fiz para merecer ter boa saúde e estar bem?’”

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