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Uma criança que cresce sabendo lidar com suas emoções se torna um adulto consciente de si e de seu papel em sociedade.  Mas educar um filho nesses moldes não é uma tarefa fácil e por isso Elisama Santos, educadora parental e consultora em comunicação não-violenta, escreveu recentemente um livro que propõe aos pais justamente isso: educar seus filhos com amor, para colocar em sociedade cidadãos que tenham como contribuir com o bem-estar de todos os que estão ao seu redor. O Sempre Família conversou sobre o tema com Elisama, durante o lançamento do livro “Educação Não Violenta”, em Curitiba.

O que te motivou a escrever um livro sobre esse tema especificamente?

Eu comecei a estudar sobre educação não violenta quando meu primeiro filho nasceu, há quase sete anos. Comecei a compartilhar alguns entendimentos nas redes sociais e isso foi tomando uma outra proporção conforme o tempo passou. Depois de viajar o país todo dando workshops sobre o tema, achei que era necessário um meio de maior alcance e então transformei o aprendizado, as conversas com pais e o meu relacionamento com meus filhos em um livro. Eu quis mostrar então que existe outro caminho para a criação dos nossos filhos, diferente daquilo que muitos de nós, pais, vivemos.

Qual o principal dano que a comunicação violenta traz para o desenvolvimento da criança? 

Nós mesmos não fomos ensinados a lidar com as nossas emoções. Então, nós não sabemos lidar com as nossas frustrações, com a tristeza, com a raiva, com a angústia. Essa ausência da habilidade de lidar com o que sentimos, de nos conectarmos com o que precisamos, reflete em todas as nossas relações, inclusive com os nossos filhos. Então, à medida que nós não desenvolvemos a inteligência emocional, tudo o que nós fazemos está comprometido. E é um círculo vicioso que precisa acabar, porque nós somos guiados por emoções. Tradicionalmente pensamos que educação é só desenvolver o raciocínio lógico e matemático, mas esquecemos que é preciso também um desenvolvimento emocional.

E quais as consequências que uma comunicação mais autoritária durante a infância traz para o indivíduo quando adulto?

Olha, são vários os reflexos do autoritarismo na vida adulta. Vai depender muito da personalidade de cada um. Algumas pessoas vão reproduzir o que viveram na infância, então vão se tornar autoritárias, vão tentar resolver as coisas sempre brigando, vão achar que ou ela tem que se calar ou que tem que “partir para cima”, simplesmente porque não existe um meio-termo na hora de dialogar com o outro. Mas há quem vá para o outro extremo: se calar, ser bonzinho, sempre dizer “sim”  para todo mundo, e então acaba não reconhecendo o que precisa, tendo dificuldade de dizer “não” e de defender os próprios interesses. É muito interessante porque a gente vê pessoas que poderiam ser proativas, criativas e persistentes, mas não são, porque os pais “matam” tudo isso na infância, ao acharem que tudo é teimosia, mau comportamento, etc. Precisamos cultivar no desenvolvimento da criança o que queremos em um adulto no futuro.

Como a educação não violenta, baseada na empatia, pode se refletir na construção desse futuro adulto que viverá em sociedade?

Eu sempre falo que a educação não violenta tem três grandes benefícios para o ser humano: o primeiro é o intrapessoal, que é o desenvolvimento de uma relação bacana consigo mesmo, onde você consegue reconhecer seus erros e sabe cuidar de você quando eles acontecem, em vez de entrar num ciclo de autopunição que é bastante comum. Já percebeu que a gente fica triste por estar triste e achamos que não deveríamos ter esse sentimento? Por isso essa consciência da aceitação de si mesmo é ótima.  Também há o benefício interpessoal, que vem dessa consciência. Quando aprendemos a ter compaixão por nós mesmos, conseguimos expressar isso aos que estão à nossa volta. Assim temos uma relação melhor, mais empática e consciente com os outros. E o terceiro benefício é o sistêmico, porque a sociedade que recebe um ser humano mais consciente de si e de seu papel social é uma sociedade que evolui. Mudar a educação da minha criança reflete em tudo que está ao meu redor.

Como os pais podem educar seus filhos sem autoritarismo, mas mantendo a autoridade?

Pois é, é interessante falarmos sobre isso porque estamos acostumados a pensar que “se eu não sou autoritário, eu sou permissivo”, “se eu não grito com meu filho, proibindo-o de fazer algo, é porque eu deixo ele fazer de tudo”. E eu sempre brinco que entre o 8 e o 80 existem outras 72 possibilidades. Existe esse caminho de: “Olha, sou seu pai ou mãe, sou responsável por você e tem coisas que a gente negocia e outras não”. A gente coloca os limites dentro dos quais a criança pode escolher algo. Posso permitir que ela escolha o que vai comer, mas coloco opções pré-determinadas, por exemplo. São alternativas que eu já determinei para que ela desenvolva com a mínima autonomia o que ela vai fazer. Assim fica mais fácil dizer não ao seu filho. A grande diferença do autoritarismo para uma educação não violenta é que eu não espero que uma criança “engula” o choro, olhe para mim e diga: “Nossa, mamãe! Que ‘não’ mais bem colocado, como você é inteligente”. Ela vai chorar e nessa hora eu vou reconhecer a dor dela, dizendo que sei que aquela determinada situação é legal e interessante para ela, mas que aquele não é o momento para realizá-la. Eu mantive minha posição e acabou. Optei por não bater e dizer que ela não precisa chorar, e lhe expliquei que sei de sua tristeza e frustração, que é normal se sentir assim e que estou ali para um abraço, mesmo se ela não quiser.

E o pai percebe facilmente que está se comunicando com o filho de maneira violenta? Pergunto porque alguns pais vieram de uma criação nesses moldes e então acham comum.

É algo comum, né. É a nossa linguagem habitual. A gente se acostumou a tratar a criança com gritos e com grosseria. “Só aprende quando eu grito” ou “só me entende quando eu bato” são pensamentos comuns. Nós consideramos isso normal porque foi o que muitos de nossos pais fizeram a vida inteira. Temos que partir para uma nova forma de educar e isso é realmente remar contra a maré. No meu livro eu cito uma situação que aconteceu comigo e com meus filhos: uma amiguinha deles chegou com sua cachorrinha, que começou a pular no meu filho. A menina deu um tapa na cabeça da cachorra e disse: “Fique quieta!” e o meu filho retrucou: “Não bate nela!”, ao que a menina respondeu: “Ah, mas ela tem que obedecer”.  É uma menina de oito anos e já tinha ali incutido nela que essa é a forma de se conseguir a obediência.

Os pais que compreendem que estão em um modelo de educação violenta, seja tendo uma percepção própria ou ao ser alertado por familiares e até escola, devem procurar que tipo de ajuda?

Acho que precisamos ter consciência de que a gente não nasce sabendo educar, apesar de que a maioria das pessoas nos fala, quando nos tornamos pais, que educar é algo normal e natural.  Mas não é. Educar é difícil. Nós somos acostumados a estudar para conseguir um emprego, estudar até para fazer uma receita de bolo, mas nós não estudamos para a missão mais importante e desafiadora da vida que é educar outro ser humano. Então os pais têm que ter a consciência de que a criança não vai à livraria mais perto de casa para procurar um livro sobre “como me relacionar melhor com o meu pai” ou sobre “como desenvolver a minha inteligência emocional”. Isso é algo que tem de partir do pai e da mãe. Somos nós que temos a responsabilidade de buscar ferramentas para lidar com as nossas crianças, de buscar inclusive ferramentas para lidar conosco mesmos, porque a educação passa por esse caminho de autoconhecimento. A forma como eu lido comigo mesmo, via de regra, é a forma como vou lidar com a minha criança. Então, o pai e a mãe que se percebem em uma educação autoritária precisam enxergar que necessitam de ajuda, que é importante ler um livro a respeito, que tem muitos canais na internet. Então tem que procurar, comprar livros e até pedir ajuda de psicólogos e consultores de educação, se for preciso. É necessário reconhecer que educar não é fácil.

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