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O tema da misericórdia tem sido recorrente desde o começo do pontificado do Papa Francisco, atingindo o seu cume com a proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que teve início há dois meses. Foi com o intento de esclarecer o que o papa pensa a respeito da misericórdia e o que deseja para este Ano Santo que o jornalista italiano Andrea Tornielli realizou uma entrevista com o pontífice, que acaba de ser publicada em um livro.

Em O nome de Deus é Misericórdia, publicado no Brasil pela editora Planeta, Francisco reapresenta, com o seu estilo intenso e apaixonado, o cerne da mensagem cristã. Temas como o pecado, a miséria humana, o arrependimento, a confissão e o perdão marcam presença página após página, dando cores claras e concretude existencial ao grande refrão sobre a abundância do amor misericordioso que Deus derrama sobre nós em Jesus Cristo. Segundo o papa, reconhecer a própria miséria e acolher a misericórdia de Deus que se aproxima de nós mesmo no meio de nossas infidelidades é condição necessária para que possamos também nós ter um olhar misericordioso em favor dos outros.

jubileo Ícone oficial do Ano Santo da Misericórdia.

Aí é que entra a família, como “primeira escola da misericórdia”. Quando Tornielli pergunta a Francisco como se pode ensinar a misericórdia às crianças, o papa destaca que, além de habituá-las às histórias e parábolas do Evangelho, é necessário possibilitar que elas experimentem a misericórdia. Para ele, “a família é o hospital mais próximo: quando alguém está doente é ali que encontra a cura. A família é a primeira escola das crianças, é o ponto de referência imprescindível para os jovens, é o melhor lar para os idosos. Acrescento que a família é também a primeira escola da misericórdia, porque ali se é amado e se aprende a amar, se é perdoado e aprende-se a perdoar.”

Francisco cita o exemplo da mãe que trabalha duro para ter dinheiro para alimentar um filho dependente químico. No seu amor incondicional, que sobrevive aos erros daquele que é amado, ela reflete a misericórdia de Deus, o tratamento que Deus dá a nós. É no amor dos pais que podemos encontrar a referência mais clara do amor que Deus tem por nós: um amor que salva sem condenar, exorta sem julgar, liberta sem usar, acolhe sem pôr barreiras, bastando que exista uma fresta aberta para receber esse amor. Não é à toa que Deus mesmo se identifica como pai e como mãe em várias passagens da Bíblia.

Embora já de antemão orientado para essa doação total, mesmo o amor dentro da família deve ter sempre em seu horizonte o amor de Deus, evitando todo o risco de cair no egoísmo, na autossuficiência, no comodismo, no apego desordenado e na busca dos próprios interesses. É preciso cultivar um coração que se sensibiliza com as fragilidades do outro, que não põe limites em se doar para fazer o bem e que sabe perdoar sem senso de superioridade.

Se nós não nos decidirmos, não a partir de nossa própria capacidade, mas tendo por fonte o amor que recebemos, a amar sem medida e a ver o perdão e a misericórdia como valores fundamentais a serem transmitidos em nossas famílias, como esperar qualquer mudança em nossa sociedade, em relação ao respeito à dignidade da vida humana, em todas as suas formas? Do fundamentalismo ao descaso com os mais pobres, do aborto à violência doméstica, da discriminação à sexualidade vivida de forma trivial e egoísta, os grandes problemas da atualidade têm uma mesma raiz e, portanto, uma mesma solução: trata-se, como aponta o logotipo do Ano Santo, de mudar o olhar, de cultivar um olhar de misericórdia – e esse cultivo começa na família.

 

Felipe Koller, mestrando em teologia pela PUCPR.

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