Foto: L'Osservatore Romano
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Há quase quarenta anos, quem participasse das audiências de quarta-feira com o papa, na Praça de São Pedro ou na Aula Paulo VI, talvez se surpreendesse. De 1979 a 1984, o tema tratado por João Paulo II em suas catequeses foi o significado cristão da sexualidade. “O corpo”, dizia ele, “foi criado para transferir para a realidade visível do mundo o mistério oculto da eternidade em Deus”. Trechos da Bíblia como o Cântico dos Cânticos têm um conteúdo, nas palavras do papa, “ao mesmo tempo sexual e sagrado”.

Christopher West (foto: Layla Kamila). Christopher West (fotos: Layla Kamila).

Não era a primeira incursão de Karol Wojtyła pelo tema. Experiente como diretor espiritual de jovens e pesquisador da área de filosofia moral, ele já havia publicado obras sobre o assunto. O conjunto de catequeses era, originalmente, uma nova obra a ser publicada, quando o conclave o pegou de surpresa, elegendo-o como o primeiro papa não-italiano em mais de 400 anos. O livro foi, então, despejado a conta-gotas aos fiéis reunidos no Vaticano – o que explica a sua linguagem altamente acadêmica, de difícil digestão.

Treze anos depois da morte do papa polonês – canonizado por Francisco em 2014 –, os seus ensinamentos sobre a afetividade e a sexualidade continuam chamando a atenção. As catequeses, que ficaram conhecidas como “teologia do corpo”, foram publicadas no Brasil por duas editoras – pela EDUSC em 2005 e pela Ecclesiae em 2014. E o interesse é tanto que o conferencista mais renomado nesse campo, o teólogo norte-americano Christopher West, acaba de encerrar sua primeira turnê pelo Brasil, que passou por Brasília, Rio de Janeiro e Divinópolis (MG) e atraiu cerca de 2,5 mil pessoas.

Popularização

West tem se dedicado há mais de 20 anos a popularizar a teologia do corpo, traduzindo-a em uma linguagem acessível, através de livros, vídeos e conferências. Foi através do seu trabalho que uma larga parte da multidão que o acompanhou no Brasil teve contato pela primeira vez com a teologia do corpo.

É o caso de Ronaldo e Tatiana Melo, que organizaram a passagem de West pelo Rio de Janeiro – o teólogo falou a um público de 700 padres, seminaristas, religiosas e religiosos na sexta-feira (14/09) e a quase mil pessoas, boa parte delas casais e jovens, no sábado (15/09). O casal conheceu o trabalho de West há dez anos, por indicação de dom Antônio Augusto Dias Duarte, bispo auxiliar do Rio de Janeiro.

Confira a entrevista com Christopher West no blog Acreditamos no Amor

Willian, 34 anos, e Janaína Studenski, 37, por sua vez, conheceram a teologia do corpo através de Ronaldo e Tatiana. Casados há dez anos, eles são coordenadores da Pastoral Familiar na Paróquia de São Benedito, no Rio de Janeiro. “A teologia do corpo lança uma nova visão sobre a fé católica. É como se estivéssemos vendo a doutrina por um novo prisma. E a partir daí tudo ganha um sentido mais amplo”, afirma Willian.

Mesmo assim, ele ainda vê dificuldades na propagação da teologia do corpo. “Ainda é difícil tirar a impressão que se tem quando as palavras ‘corpo’ e ‘Igreja’ estão na mesma frase. De prontidão as pessoas associam que se vai falar sobre sexo e consequentemente das proibições que a Igreja ‘impõe’. A Igreja Católica ainda é aquela que proíbe”, conta. “Mas quem abre o coração e se dispõe a ouvir sempre se maravilha com esse tesouro”.

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Autoconhecimento

A estudante de biomedicina Juliana Alves, 21 anos, que mora em Águas Lindas (GO) e participou do evento com West na capital federal, é uma exceção: ela começou estudando as próprias catequeses de João Paulo II, com as quais teve contato há dois anos em um grupo do Facebook, e só recentemente se aproximou do trabalho do teólogo norte-americano.

“Adquiri o livro com as catequeses e depois disso começamos a nos reunir em um grupo de cinco pessoas de regiões diferentes, via Skype. Como as catequeses são bem profundas e complexas, tentávamos trazer situações do nosso cotidiano que pudessem de algum modo nos ajudar a compreender o sentido da teologia do corpo de uma maneira mais dinâmica e acessível”, conta.

“Com o primeiro contato com a teologia do corpo, percebi que antes de decidir por qual caminho seguir, devo antes passar por um processo de autoconhecimento. São João Paulo II dizia que ‘o homem continua desconhecendo a verdade porque não conhece a si mesmo’”, avalia Juliana, que é catequista de uma turma que se prepara para receber a primeira comunhão. “A teologia do corpo é de importância fundamental para um catequista. O próprio Deus se fez carne e assumiu um corpo físico como o de cada um de nós. A teologia do corpo me lembra mais uma vez da importância e da responsabilidade de deixar muito claro o real sentido do sacramento da eucaristia, o sacramento do corpo de Cristo”.

Amor e imperfeição

Suzana Moreira, 26 anos, que em Brasília e no Rio foi uma das tradutoras de teólogo, conheceu a teologia do corpo através de West. Depois do fim de um namoro, aos 18 anos, ela assistiu a uma palestra do teólogo em um DVD adquirido por sua mãe – a família morava nos Estados Unidos na época. Ela começou então a se aprofundar no tema, a ponto de optar pela faculdade de Teologia, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), apresentando um trabalho de conclusão de curso sobre os capítulos iniciais de Gênesis e a teologia do corpo.

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“Acredito que a grande contribuição da teologia do corpo é a hermenêutica antropológica que São João Paulo II faz da Bíblia, que tem a ver com a importância do personalismo em seu pensamento”, pondera a teóloga e tradutora. “Isso propicia uma visão mais integral daquilo que a Igreja entende como a criação divina, sem cair numa abordagem transcendental e piedosa demais. É uma hermenêutica enraizada na própria realidade que o ser humano vive e a partir da qual se questiona”.

Nesse sentido, é significativa para ela uma certa “virada” na abordagem de West, reconhecida pelo próprio teólogo, resultante de uma crise matrimonial que foi determinante em seu percurso. “Ele aprendeu a lidar com a sua dor e a expor as suas limitações, o que abriu um caminho muito direto para comunicar a mesma grandeza da mensagem de João Paulo II sem a necessidade da linguagem acadêmica densa”, avalia Suzana, que agora pensa em pesquisar a possibilidade de abordar a teologia do corpo a partir da teologia latino-americana. “Até hoje tudo que é desenvolvido ao redor do tema é muito eurocêntrico, ou então americanizado. Precisamos de uma abordagem apropriada ao nosso contexto sociocultural”, diz.

“Por muito tempo eu achava que ser santa era sinônimo de ser perfeita e isso implicou no fato de que por vários anos tentei ser perfeita e inflei meu orgulho interior, achando que era exemplar por estar seguindo os ensinamentos da Igreja. Mas me achava um lixo e hipócrita quando não conseguia cumprir esse padrão de perfeição”, explica. “Com o tempo fui aprendendo, e ainda estou num longo processo de aprendizagem, de que ser santa é encarar e assumir que sou limitada e imperfeita, mas que isso nunca vai me impedir de entrar na dinâmica do amor de Deus”.

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