Hospital de Campanha Anhembi, em São Paulo, criou um "mural da gratidão" para acomodar as cartas recebidas de pacientes
Hospital criou um “mural da gratidão” para acomodar as cartas recebidas de pacientes| Foto: Reprodução/Hospital de Campanha Anhembi

“Essa experiência foi coisa que eu nunca passei. O ser humano precisa valorizar o que é a vida”, disse Jarbas Batista do Nascimento, de 71 anos, diagnosticado com Covid-19 em maio e liberado do internamento no Hospital de Campanha Anhembi, em São Paulo, no último dia 13 de junho. Apesar de toda a preocupação com a saúde física de milhares de pacientes internados pelo Brasil, há uma realidade que os profissionais que atuam nos hospitais tocam todos os dias e da qual pouco se fala: a fragilidade emocional dos pacientes Covid positivos.

De acordo com Clesia Bastos Gerardi, psicóloga da equipe do Hospital de Campanha Anhembi, os sentimentos mais comuns entre os pacientes são os de ansiedade e incerteza. O clima de tensão em torno de uma pandemia é muito grande e o fato de ser uma doença nova e, por isso, ainda desconhecida, gera ainda mais medo e sensação de perda de controle nos pacientes infectados.

“Eles nos fazem perguntas para as quais não temos respostas imediatas: ‘quando vou sair daqui?’, ‘vou ficar bom?’, etc. Muitas vezes essa ansiedade pode até complicar o quadro clínico”, explica a psicóloga. “E o que é mais dolorido para eles é a distância da família e a possibilidade de terem passado a doença para alguém que amam, eles perguntam o tempo todo como os outros estão. Então, é uma angústia muito grande por se sentirem culpados”.

Ao mesmo tempo em que todos esses sentimentos difíceis envolvem esses pacientes, a tomada de consciência da possibilidade da finitude da vida abre espaço para um admirável movimento de gratidão. Gratidão não só em relação à equipe de profissionais que arriscam suas vidas diariamente, mas também em relação à própria vida. “Muitos deles contam para nós a sua história, tudo o que eles construíram, como estão os familiares, as pessoas que os filhos se tornaram, etc. Então, eles experimentam toda uma retrospectiva de vida e uma sensação de gratidão por quem eles são”, relata a psicóloga Amanda Murari Hauck Rizzato, que também faz parte da equipe de psicólogos do hospital de campanha.

Atendimento psicológico

O acompanhamento da equipe de psicologia se dá através dos atendimentos nos leitos. Segundo Amanda, esses atendimentos são para acolhimento das angústias e o fortalecimento psíquico desses pacientes para que enfrentem da melhor forma essa situação. “Para nós, cada pessoa é única, por isso o nosso atendimento é o mais humano possível. As pessoas não são números. É o seu João e é a dona Maria. Então aqui a gente trata as pessoas como pessoas, com nome, com respeito, com amor e com cuidado. E isso faz uma grande diferença no tratamento”, afirma Clesia.

Uma ferramenta que se tornou extremamente importante para o bem-estar emocional dos pacientes foi a mediação das visitas por vídeo entre eles e seus familiares ou pessoas próximas. “Nesse momento que é tão difícil, a gente acolhe tanto o paciente como também a sua família”, explica Amanda. “Às vezes, tem algum paciente que apresenta uma piora no quadro e precisa ser entubado, então buscamos fazer esse contato para que eles conversem antes da entubação”.

“Tem sido um grande desafio profissional e pessoal. Ao mesmo tempo em que temos a alegria de uma alta ou de ver uma cena de familiares vindo buscar o paciente, às vezes no mesmo dia temos que lidar com a situação de uma família que vem reconhecer o corpo de um paciente”, relata Clesia. “Então, lidar com esses sentimentos tão diferentes requer que a gente esteja muito bem preparado. E pessoalmente, são vivências que vão ficar com a gente para o resto da vida e nos fazer crescer como pessoas”.

Nascimento, agora curado, carrega lembranças inesquecíveis desse carinho e cuidado das psicólogas enquanto esteve internado. “Tinha hora que eu chorava, que eu ficava triste, alegre, hora que queria ir embora. Às vezes eu pensava: ‘será que eu volto para casa? Será que eu fico aqui? Será que não vou ver minha família? Será que vou ficar aqui e daqui eu vou partir?’”, relembra emocionado. “Eu lembro que um dia eu estava ansioso e queria muito ver minha família, então as psicólogas vieram e me mostraram minha esposa e meus filhos, eu fiquei tão emocionado! Eu não posso pagar em dinheiro por eles terem me tratado tão bem e me receberem com um sorriso todos os dias. O que eu posso fazer é pedir a meu Deus que abençoe cada um deles”, diz ele.

Gratidão

À medida que o tratamento avança, um vínculo de confiança cada vez mais forte vai sendo criado entre os pacientes e os profissionais do hospital. Isso porque, aos poucos, os pacientes vão percebendo que, assim como eles mesmos, aqueles profissionais também têm medo, têm família e, principalmente, assumiram muitos riscos para se dedicar a esse trabalho. “Esse vínculo é muito bom, quando conversamos com os pacientes eles expressam um sentimento muito genuíno de gratidão por toda a equipe, desde a faxineira até o médico. Então todos têm um trabalho fundamental, essencial e único”, afirma Clesia.

São tantas as manifestações de carinho e agradecimento, que foi preciso criar um “mural da gratidão” no hospital de campanha para acolher todas as cartinhas escritas pelos pacientes e por seus familiares. São cartas que expressam a alegria da cura, da volta para casa e também essa gratidão pelo trabalho incansável dos profissionais.

Em uma delas, uma senhora conta: “Não tenho palavras para agradecer a equipe nota 10 desse hospital. Nunca fui tão bem tratada em toda a minha vida. […] Não são pessoas, são anjos que Deus selecionou para cuidar das pessoas nesta hora tão difícil”. Já em outra, um paciente afirma: “Vocês são verdadeiros heróis que formam um exército para combater esse mal nas nossas vidas, arriscando a de vocês, mas sempre felizes e, acima de tudo, fazendo com amor”.

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