Há mais de 30 anos, a Casa Assistência Filadélfia acolhe famílias que convivem com a AIDS ou em situação de vulnerabilidade social.
Há mais de 30 anos, a Casa Assistência Filadélfia acolhe famílias que convivem com a AIDS ou em situação de vulnerabilidade social. (Imagem ilustrativa)| Foto: Bigstock

Das experiências que vivemos surge nossa capacidade de se compadecer pela dor do outro. E nossa compaixão somada a um coração aberto e à vontade de mudar o mundo que nos rodeia pode resultar em uma ideia transformadora. A história da Casa Assistência Filadélfia (CAF), que há mais de 30 anos acolhe famílias que convivem com a AIDS ou em situação de vulnerabilidade social, é um exemplo disso.

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No ano de 1988, a dona de casa Nadir Salles Uliano recebeu a dura notícia de que seu filho havia sido diagnosticado soropositivo. Naquela época, o Brasil e o mundo viviam o auge da epidemia de HIV e receber esse diagnóstico era como uma sentença. As pessoas realmente morriam pouco tempo depois de descobrir a doença e não foi diferente com o filho de Dona Nadir.

Acontece que, enquanto cuidava do filho em seus últimos dias, Dona Nadir decidiu abrir as portas de sua casa na Zona Sul de São Paulo para receber e cuidar também dos amigos de seu filho que se encontravam na mesma situação. Ela havia se deparado com o grande descaso e preconceito que as próprias famílias tinham com essas pessoas. “O que fragilizava mais ainda e que até antecipava muitos óbitos era o abandono”, comenta Euci Selma Siebra Munhóz, de 63 anos, artista plástica e atual diretora executiva da CAF.

Por isso, tomada de compaixão, Dona Nadir quis fazer algo por aqueles jovens, incluindo a conscientização de suas famílias. O trabalho foi crescendo cada vez mais e tornou-se impossível continuá-lo sem ajuda. Por ser cristã evangélica, a dona de casa conseguiu muito apoio de igrejas, além de outras organizações.

“A dor fica mais suportável”

A organização cristã foi oficializada juridicamente em 1995. Até então, a CAF acolhia apenas adultos infectados com o vírus da AIDS. No entanto, em 2004, a Casa foi convidada para assumir o trabalho em um abrigo na Zona Leste de São Paulo que acolhia crianças e adolescentes vivendo com a doença. “Tivemos que reaprender tudo o que sabíamos do trabalho com adultos, que já era desafiador”, relembra a diretora que, na época, era apenas voluntária da instituição.

Euci conta que ela mesma se aproximou do trabalho da CAF também por uma questão de saúde. Na época, ela havia sido diagnosticada com câncer e, segundo os médicos, tinha pouco tempo de vida. O convite para trabalhar como voluntária tinha um objetivo: ver se a realidade daquelas pessoas que estavam perto da morte poderia ajudar no processo de aceitação de sua própria doença.

“No começo não ajudou muito não, mas depois eu encarei a situação e vi que a morte é algo que todo mundo vai enfrentar”, conta. “Mas quando a gente enfrenta isso com dignidade, com apoio e acolhimento, a dor fica mais suportável”.

Meu corpo, meu bem

Uma das realidades mais difíceis que a equipe da Casa Assistência Filadélfia teve que enfrentar foi a descoberta de que muitas das crianças e adolescentes que tinham AIDS não eram infectados por terem um histórico de prática sexual ou de uso de drogas injetáveis – que eram as formas mais comum de infecção. “Veio ao nosso conhecimento casos de abuso sexual, foi uma surpresa muito ruim”, conta Euci.

A partir disso, a Casa começou um intenso trabalho de acolhimento e proteção dessas vítimas de violência doméstica e sexual, principalmente crianças, adolescentes e mulheres, além do trabalho de prevenção e promoção da saúde que já vinha sendo feito através do Programa Meu corpo, meu bem.

Parte da fachada da CAF | Arquivo Casa Assistência Filadélfia
Parte da fachada da CAF | Arquivo Casa Assistência Filadélfia

O portão azul

Hoje, a CAF atende cerca de mil famílias, faz todos os encaminhamentos necessários e é considerada pioneira no trabalho que faz. “Nas avaliações que a gente faz com as crianças, fizemos um mapeamento da região e perguntamos para elas se elas identificavam os locais de risco para violências”, conta Euci. “E elas identificaram no mapa algumas praças e becos perto da comunidade que eram lugares perigosos. Isso até mesmo vindo aqui para participar dos projetos. E foi muito bonito quando elas disseram que quando elas veem o portão azul, que é o portão da CAF, elas podem correr porque sabem que ali elas vão ser protegidas”, lembra emocionada. “E pra mim esse é o grande resultado”.  

Segundo Euci, os desafios são muitos todos os dias e um dos mais difíceis é ter que lidar com muita injustiça. “Mas a gente se sente renovado por trabalhar com essas pessoas e poder ajudar a proteger a infância, proteger as mulheres”, reafirma. “A gente não dá conta de mencionar os casos e histórias e mais histórias que já acompanhamos. Dou glória a Deus por tudo isso. Agradeço a Deus pelo fôlego de vida, eu que tinha uma história bem curta, não morri no prazo que o médico me deu lá no início da CAF, quando comecei como voluntária. Hoje sou a diretora executiva e estou aqui contando a história para vocês”.

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