Ela criou uma ONG para ensinar voluntários a cuidar de pacientes com câncer de mama
| Foto: Divulgação/Unaccam

Receber o diagnóstico de uma doença grave é algo que mexe com a estrutura emocional de qualquer pessoa e, também, de sua família e amigos próximos. O problema é que nem sempre aqueles que que estão envolvidos nos cuidados a esse paciente, seja a própria equipe de saúde ou voluntários nos hospitais, sabe explicar com sensibilidade, o que virá dali em diante.

Aos 6 anos de idade Ermantina Ramos perdeu a mãe para um câncer e foi um tempo de bastante sofrimento para ela. Na época, segundo a filha Clarisia Ramos, Ermantina passava longos períodos no hospital com a mãe e lá foi cuidada por uma mulher que contribuiu para que seu amor pelo voluntariado florescesse anos mais tarde. Esta mulher era Carmem Prudente, fundadora da Rede Feminina Nacional de Combate ao Câncer. “Com ela, minha mãe teve toda a formação na questão dos cuidados e da filantropia do que era ser uma voluntária”, explica Clarisia. 

Não fosse Carmem, os impactos da doença da mãe na infância de Ermantina teriam sido maiores. Os cuidados dispensados por aquela gentil mulher a ela fizeram com que ano mais tarde, Ermantina se tornasse enfermeira e, depois que os filhos já estavam com a vida profissional encaminhada, voltar-se definitivamente ao voluntariado. Dado o histórico familiar e a influência vinda de Carmem, Ermantina dedicou-se às mulheres com câncer, no Hospital de Clínicas (HC), de São Paulo.

O trabalho no HC fez com que Ermantina percebesse que havia certo despreparo por parte de muitos voluntários que ali atuavam, mas que não tinham conhecimento para passar informação correta aos pacientes diagnosticados com aquele tipo específico de câncer. Na época, Ermantina também fazia algumas aulas especiais na Universidade de São Paulo (USP) e fazendo uma ligação entre o teórico e o prático, ela teve a ideia de criar um curso para preparar voluntários a cuidar melhor das mulheres que passavam pelos corredores do HC.

Mas para levar a ideia adiante ela precisava de ajuda. Encontrou apoio de Lourdinha Borges, uma paciente com câncer de mama, e também do médico José Pinotti, diretor executivo do Instituto da Mulher do Hospital de Clínicas e quem supervisionava seu trabalho voluntário. Juntos eles criaram um programa de treinamento que logo teve bastante procura não só de voluntários, mas também de profissionais da área de saúde. Os médicos do HC eram convidados por Ermantina a dar aulas de acordo com sua especialidade.

Em agosto de 2001, foi oficialmente fundada a União e Apoio no Combate ao Câncer de Mama (Unaccam). “O curso já havia tomando grande proporção e quando o doutor Pinotti foi para a área pública, com o apoio de uma deputada estadual, o curso passou a ser oferecido também na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), onde há 18 anos a população pode participar gratuitamente das aulas”. 

O curso abre vagas anualmente e tem duração de quatro meses. Todas as segundas-feiras os voluntários aprendem sobre saúde mamária, qualidade de vida, práticas integrativas, alimentação, fisioterapia e nutrição, por exemplo, nas dependências das Alesp. “São 92 horas de curso e vemos até psicólogos vindo até nós para aprender sobre o como falar com essas mulheres e incentivá-las ao diagnóstico precoce”, comenta Clarisia. Cerca de 1,8 mil voluntários e profissionais da saúde já foram formados pelos cursos da associação.

Mãe e filha juntas em um propósito

Em 2012, Clarisia, que sempre esteve nos bastidores do trabalho da Unaccam passou a apoiar de maneira mais efetiva o projeto da mãe. Após a associação ser convidada a participar de um intercâmbio entre projetos de saúde, nos Estados Unidos, ela voltou com uma série de projetos para ampliar o horizonte de trabalho da ONG. “Eu estava em uma transição de carreira e este foi o momento certo para que eu me envolvesse ainda mais com o trabalho realizado por minha mãe. Voltei dos Estados Unidos disposta a estar mais presente, para pensar em como expandir nosso trabalho e chegar a mais pessoas”, contou Clarisia.

A filha de Ermantina então passou a cuidar mais das atividades do segundo semestre da Unaccam, que eram os eventos. No primeiro semestre, então, como vinha sendo feito nos últimos anos, a ONG se dedicava ao curso oferecido a voluntários, e no segundo semestre realizava as ações de prevenção ao câncer de mama. “Comecei a participar mais das ações do Outubro Rosa. Ela ficava à frente do curso, como sempre e eu ia para as ações”.

Uma das ações mais importantes feita nessa parceria entre mãe e filha foi a de doação de mamografias para o diagnóstico precoce. Com o apoio de uma instituição elas conseguiram no primeiro ano 600 mamografias e nos anos seguintes outras empresas passaram a ajudar. “Hoje temos quatro empresas que nos auxiliam nas ações de prevenção em outubro, doando mamografias”, comenta Clarisia ao explicar que a Unaccam consegue que algumas mulheres que tenham nódulos na mama e estejam na fila do Sistema Único de Saúde (SUS), façam o exame gratuitamente na rede particular.

Ermantina trabalhou pela Unaccam até seus últimos dias de vida. Alguns anos após o intercâmbio de Clarisia nos Estados Unidos, Ermantina foi diagnosticada com câncer no pulmão. As ações que estavam sendo desenvolvidas pela Unaccam desaceleraram, mas não deixaram de ser feitas.  No início de 2018 após dois anos de tratamento ela morreu. Com isso, Clarisia, se tornou então a presidente da associação e continua buscando novos projetos e parcerias para ampliar o alcance da instituição. “Mesmo doente ela cuidou deste filho dela e agora eu dou continuidade. Os pais ensinam a fazer o pão e os filhos abrem as franquias, não é?!”, finaliza.

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