A empatia é o ingrediente que torna a cooperação – e a civilização – possível
| Foto: Bigstock

Compartilhamos gratuitamente conhecimento na internet, como em sites de busca e trabalhamos juntos para gerenciar os recursos naturais de forma responsável, por exemplo. As sociedades humanas são prósperas graças, principalmente, à forma como as pessoas são altruístas. Afinal, ao contrário dos outros animais, os seres humanos cooperam com os outros, mesmo que sejam completos estranhos. 

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Mas de onde vêm essas habilidades cooperativas e qual o motivo para nossos instintos egoístas não as dominarem? Usando um ramo da matemática chamado teoria dos jogos evolucionários, para explorar essa característica das sociedades humanas, eu e meus colaboradores descobrimos que a empatia – uma capacidade exclusivamente humana de assumir a perspectiva de outra pessoa – pode ser responsável por sustentar níveis extraordinariamente altos de cooperação nas sociedades modernas.

Regras sociais de cooperação

Por décadas, os estudiosos pensaram que as normas sociais e a reputação poderiam explicar muito do comportamento altruísta, já que os seres humanos são mais propensos a serem gentis com os indivíduos que consideram “bons” do que com aqueles de “má” reputação. 

Essa compreensão universal de quem vemos como moralmente bom e digno de ajuda é uma forma de norma social – uma regra invisível que orienta o comportamento social e promove a cooperação. Uma norma comum nas sociedades humanas chamada “julgamento severo”, por exemplo, recompensa aqueles que se recusam a ajudar pessoas más.

A ideia de que você ajuda uma pessoa e outra ajuda você é chamada de teoria da reciprocidade indireta. No entanto, foi construída assumindo que as pessoas sempre concordam com as reputações umas das outras à medida que mudam ao longo do tempo. Presume-se que as reputações morais sejam totalmente objetivas e conhecidas publicamente. Imagine, por exemplo, uma instituição que monitora o comportamento das pessoas e lhes atribui reputações, como o sistema de crédito social da China, em que as pessoas são recompensadas ou sancionadas com base em “pontuações sociais” calculadas pelo governo.

Porém, na realidade, as pessoas geralmente discordam sobre a reputação umas das outras, afinal uma pessoa que parece boa para mim pode parecer uma pessoa ruim para o meu amigo, já que o julgamento dele pode ser baseado em uma norma social diferente ou em uma observação diferente da minha. É por isso que as reputações são relativas, ou seja, as pessoas têm opiniões diferentes sobre o que é bom ou ruim.

Assim, usando modelos evolutivos inspirados na biologia, comecei a investigar o que acontece em um cenário mais realista e se a cooperação pode evoluir quando há divergências sobre o que é considerado bom ou ruim. Para responder a essa pergunta, trabalhei com descrições matemáticas de grandes sociedades, nas quais as pessoas podiam escolher entre vários tipos de comportamentos altruístas e egoístas com base em quão benéficos eram. Depois, usei modelos de computador para simular interações sociais em sociedades muito menores que se assemelham mais as humanas.

Os resultados não foram animadores: em geral, a relatividade moral tornou as sociedades menos altruístas. A cooperação quase desapareceu sob a maioria das normas sociais. Isso significava que a maior parte do que se sabia sobre as normas sociais que promoviam a cooperação humana pode ter sido falsa.

Evolução da empatia

Para descobrir o que estava faltando na teoria dominante do altruísmo, juntei-me a Joshua Plotkin , biólogo teórico da Universidade da Pensilvânia, e Alex Stewart , da Universidade de Houston, ambos especialistas em abordagens teóricas dos jogos para o comportamento humano. Concordamos que minhas descobertas pessimistas iam contra nossa intuição: a maioria das pessoas se preocupa com reputações e com o valor moral das ações dos outros.

Mas também sabíamos que os humanos têm uma capacidade notável de incluir empaticamente os pontos de vista de outras pessoas ao decidir se um determinado comportamento é moralmente bom ou ruim. Em algumas ocasiões, por exemplo, você pode ficar tentado a julgar severamente uma pessoa que não coopera, quando na verdade não deveria se, do ponto de vista dela, a ajuda não fosse a coisa certa a fazer.

Foi quando meus colegas e eu decidimos modificar nossos modelos para dar aos indivíduos a capacidade de empatia – ou seja, a capacidade de fazer suas avaliações morais a partir da perspectiva de outra pessoa. Também queríamos que as pessoas em nosso modelo pudessem aprender a ser empáticas, simplesmente observando e copiando traços de personalidade de pessoas mais bem-sucedidas.

Quando incorporamos esse tipo de tomada de perspectiva empática em nossas equações, as taxas de cooperação dispararam e mais uma vez observamos o altruísmo vencendo o comportamento egoísta. Mesmo sociedades inicialmente não altruístas em que todos se julgavam com base principalmente em suas próprias perspectivas egoístas, acabaram descobrindo a empatia – tornou-se socialmente contagiosa e se espalhou por toda a população. A empatia tornou nossas sociedades modelo altruístas novamente.

Os psicólogos morais há muito sugerem que a empatia pode atuar como cola social , aumentando a coesão e a cooperação das sociedades humanas. A tomada de perspectiva empática começa a se desenvolver na infância, e pelo menos alguns aspectos da empatia são aprendidos com os pais e outros membros da rede social da criança. Mas como os humanos desenvolveram a empatia em primeiro lugar permaneceu um mistério.

É incrivelmente difícil construir teorias rigorosas sobre conceitos de psicologia moral tão complexos quanto empatia ou confiança. Nosso estudo oferece uma nova maneira de pensar sobre a empatia, incorporando-a à estrutura bem estudada da teoria evolucionária dos jogos. Outras emoções morais como culpa e vergonha podem potencialmente ser estudadas da mesma maneira.

Espero que a ligação entre empatia e cooperação humana que descobrimos possa em breve ser testada experimentalmente. As habilidades de tomada de perspectiva são mais importantes em comunidades onde muitas origens, culturas e normas diferentes se cruzam; é aqui que diferentes indivíduos terão visões divergentes sobre quais ações são moralmente boas ou más. Se o efeito da empatia for tão forte quanto nossa teoria sugere, pode haver maneiras de usar nossas descobertas para promover a cooperação em larga escala a longo prazo – por exemplo, projetando cutucadas, intervenções e políticas que promovam o desenvolvimento de habilidades de tomada de perspectiva ou pelo menos encorajar a considerar os pontos de vista daqueles que são diferentes.

*Arunas L. Radzvilavicius é pesquisador de pós doutorado em biologia evolutiva da Universidade da Pensilvânia.

©2022 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.

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