Sentir-se constrangido em contar aos amigos que você conquistou algo bom é um descompasso na construção do relacionamento
Sentir-se constrangido em contar aos amigos que você conquistou algo bom é um descompasso na construção do relacionamento| Foto: Bigstock

Imagine a seguinte situação: você está desempregado há meses e nesse tempo fez várias alianças com gente que está no "mesmo barco". Vocês se falam praticamente todos os dias, partilham angústias, dão força uns aos outros e trocam figurinhas sobre vagas e processos seletivos. Só que aí, você conquista a tão sonhada vaga de trabalho e eles, não. O que fazer?

Foi exatamente o que aconteceu com o analista de Recursos Humanos, Francisco Costa, de Natal (RN), que viu a ligação com os "amigos" se desfazer da noite para o dia. "Quando consegui a recolocação, percebi que o contato com eles mudou. As conversas se tornaram cada vez mais raras e a conexão foi se perdendo", diz. Além disso, o analista lembra que se sentiu constrangido na hora de contar que tinha conseguido emprego. "Parecia que eu tinha feito uma coisa ruim, como se tivesse traído eles", explica.

A psicóloga e especialista em gestão de pessoas, Dâmaris Cristo, esclarece que nós criamos essas relações – repentinas e, ao mesmo tempo, intensas – com base na identificação. "São as situações que nos colocam em um lugar comum, como neste caso, o desemprego", afirma. Segundo ela, é comum e totalmente aceitável que a gente se sinta atraído por pessoas que buscam a mesma coisa que nós: que pode ser alguém para um relacionamento sério, uma experiência fora do país, ou uma carreira brilhante em determinada área.

"Somos seres sociais e, portanto, há em nós um desejo de pertencer, seja à família, seja à comunidade, a grupos esportivos, movimentos religiosos, etc. Funciona mais ou menos assim: quando eu pertenço, me sinto seguro e segurança é uma das necessidades básicas de todo ser humano", ressalta. Só que com o tempo, essa química pode acabar – como acontece com colegas que se separam ao mudar de escola ou com um grupo de amigas em que uma se casa e as outras continuam solteiras. "Os interessem mudam", aponta Dâmaris.

Raiz do problema

Agora, sobre sentir-se constrangido em contar aos amigos que você conseguiu algo bom (que mereceria ser comemorado), a psicóloga alerta para um descompasso que pode ter havido na hora de construir o relacionamento. "Em um grupo estruturado e com objetivos bem definidos, entra e sai quem se utiliza e se beneficia da proposta estabelecida – e isso não deve interferir na relação com os outros participantes. O problema é que, se a maioria não consegue emprego, acaba se criando a identidade dos desempregados, o que muda o foco da existência do grupo", destaca.

Bom exemplo

Ainda pelo que garante a especialista, para minimizar os conflitos, quem receber a boa notícia primeiro pode assumir uma postura ativa perante os colegas e se apresentar como um case de sucesso. "Quando você for contratado, poderá dar detalhes sobre como conseguiu o emprego, contar o que fez, que caminhos trilhou, ou seja, seu comportamento servirá de exemplo de sucesso para os colegas do grupo", diz Dâmaris. De acordo com ela, essa atitude pode amenizar o peso da comparação.

Seleção natural

Mas e se disserem que "estou me achando" e deixarem de falar comigo porque eu consegui emprego e eles não? Nesse caso, Dâmaris orienta que você simplesmente deixe que se afastem. "Entenda que o que aproximou vocês foi o desemprego e que você decidiu mudar a sua realidade nesse sentido. Uma pessoa com esse comportamento (de virar as costas para você) pouco poderá oferecer na relação de amizade. Melhor seguir cada um na sua", recomenda.

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