Remédios já utilizados, com foco em outro lugar do coronavírus que não a proteína Spike, serão pesquisados agora.
Remédios já utilizados, com foco em outro lugar do coronavírus que não a proteína Spike, serão pesquisados agora.| Foto: Bigstock

Usando a técnica chamada de reposicionamento de fármacos, pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP encontraram sete possíveis medicamentos para inibir a replicação do coronavírus. São eles: Enviomycin, Naratriptan, Angiotensinamide, Fenoterol, Acarbose-derived Hexasaccharide, Dihydrostreptomycin e o Viomycin.

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Os fármacos, testados em simulações no computador, já são aprovados pela Food and Drug Administration (FDA), órgão regulador dos Estados Unidos, o que facilitaria o avanço para testes clínicos caso sua eficácia seja comprovada in vitro (em testes de laboratório).

O trabalho foi publicado em artigo na revista científica Journal of Biomolecular Structure and Dynamics no mês de agosto. As informações são do Jornal da USP.

Seleção por máquinas

Usando aprendizado de máquina, os cientistas testaram mais de 11 mil moléculas e selecionaram aquelas que obtiveram maior afinidade com a enzima 3-chemotrypsin-like protease (3CLpro), alvo do estudo, e que registraram maior estabilidade dentro do sítio ativo (região onde ocorre reação química) desta proteína. A 3CLpro é a principal protease do sars-cov-2 e é essencial para que o vírus consiga se replicar.

"Essas predições computacionais que fizemos elegeram sete moléculas que podem ser promissoras em testes em células. Se funcionarem in vitro, podemos vê-las sendo testadas em humanos. A vantagem de testar remédios que já existem no mercado é que os efeitos de toxicidade e efeitos colaterais já são amplamente conhecidos”, destaca a professora Cristiane Guzzo, coordenadora do estudo. “Por isso, após validação em ensaios in vitro, seria possível fazer testes clínicos em pacientes com Covid-19”.

A descoberta também pode ser importante para estabelecer os critérios e propriedades que algum medicamento deve ter para inibir a enzima 3CLpro. “Nós vimos que os melhores compostos são aqueles que interagem favoravelmente com cinco resíduos específicos de aminoácidos da enzima. Portanto, esses resíduos podem ser usados para descobrir outros inibidores”, explica o pós-doutorando Anacleto Silva de Souza, primeiro autor da pesquisa.

A enzima 3CLpro do coronavírus é uma protease responsável por quebrar uma cadeia de proteínas virais (poliproteína) em suas subunidades funcionais, e permitir a replicação viral e a montagem de novas partículas virais que infectarão outras células. A hipótese é que, ao inibir a 3CLpro, ela não consiga exercer a sua função e o vírus deixe de se replicar e proliferar, diminuindo a dose viral e a gravidade da doença.

Trata-se de um alvo diferente de outros estudos, que costumam focar a proteína Spike, que fica na superfície do vírus e é responsável pela interação dele com a célula receptora, permitindo então o início do processo de infecção viral. “Escolhemos a 3CLpro porque já havia uma quantidade considerável de informação sobre ela, em razão de mais de 15 anos de pesquisa com a 3CLpro do sars-cov, referente à epidemia de 2002-2003”, detalha Cristiane.

Para simular a interação dos medicamentos com a protease, os pesquisadores elaboraram três modelos matemáticos, utilizando redes neurais artificiais e dois modelos de regressão. Esses modelos quantitativos, conhecidos como QSAR, tiveram como base informações da literatura sobre moléculas que já eram conhecidas por terem propriedades inibitórias contra a enzima 3CLpro.

Descoberta de moléculas é chave para futuros medicamentos contra coronavírus

Com os modelos de QSAR, foi feita uma predição de afinidade de 11 mil moléculas, utilizando a base de dados Drugbank. Com base nos resultados computacionais, 2,5 mil moléculas foram descartadas por terem baixa afinidade com a enzima. Dos 8,5 compostos que seguiram, foram selecionadas 14 moléculas com propriedades farmacológicas diferentes (fármacos para tratamento de enxaqueca, doenças respiratórias, ação antimicrobiana e produtos naturais) para simulação computacional entre esses fármacos e a enzima.

“Para inibir a enzima, não basta só alta afinidade predita, é preciso que a molécula consiga se manter ligada a ela. Se não, a função da enzima é reativada”, explica a professora. Os pesquisadores simularam como essas 14 moléculas se comportariam dentro do sítio ativo da 3CLpro e, após os testes, sobraram sete candidatas. Os cientistas agora trabalharão para confirmar essas predições em experimentos bioquímicos, por meio de clonagens da 3CLpro. Caso a descoberta seja validada, a expectativa é estabelecer parcerias com outros laboratórios do ICB para testar os fármacos in vitro.

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