Pesquisadores norte-americanos avaliam ação de um remédio usado contra a azia para combater o novo coronavírus
Pesquisadores norte-americanos avaliam ação de um remédio usado contra a azia para combater o novo coronavírus| Foto: Bigstock

A busca pelo medicamento que irá combater o novo coronavírus ainda não chegou ao fim. Embora nenhuma substância tenha se mostrado, até o momento, totalmente eficaz, várias apresentam caminhos bastante promissores.

Entre elas, está um remédio cujo nome vinha sendo mantido em segredo pelos pesquisadores norte-americanos, afim de evitar a mesma busca desenfreada e as falsas esperanças depositadas na cloroquina e na hidroxicloroquina. Trata-se, desta vez, de um medicamento usado há décadas contra úlceras, gastrites e doenças do refluxo, além de sintomas como a azia, a famotidina.

Da mesma família da ranitidina e da cimetidina, a famotidina é um medicamento antagonista do receptor tipo II (H2), que bloqueia a ação do ácido no estômago. Há anos, no entanto, não é tão utilizada para o alívio da queimação quanto outro medicamento, mais conhecido hoje, o omeprazol. Por este ter uma potência maior, pois inibe a produção do ácido (e não apenas a sua ação), acabou ganhando mais espaço nas prateleiras das farmácias.

Ação antiviral

Como sempre foi associada aos sintomas de azia e queimação, até então não se imaginava que a famotidina poderia ter um papel no combate a algum vírus. Mas é isso que sugerem os pesquisadores Kevin Tracey e Michael Callahan, dos Estados Unidos.

Na metade de janeiro, o médico infectologista Michael Callahan estava em Nanjing, na China, quando os casos do novo coronavírus cresceram em Wuhan, conforme relatou à revista Science. Ao lado de outros médicos, ele percebeu que alguns idosos sobreviviam à doença, enquanto outros não. Ao revisarem as informações de 6.212 pacientes com a Covid-19, viram que muitos dos sobreviventes tinham sintomas de azia e faziam uso da famotidina, e não do omeprazol, que é um medicamento mais caro, embora mais potente.

Dos pacientes hospitalizados com a Covid-19 e que tomavam esse remédio, a taxa de mortalidade pela doença era de 14%. Em comparação, entre os pacientes não medicados, a taxa era de 27%, conforme dados divulgados pela revista Science.

Quando voltou aos Estados Unidos, o infectologista entrou em contato com outros profissionais para entender como o medicamento poderia ter uma ação contra o novo coronavírus. Das conclusões, perceberam que a famotidina age contra uma enzima, a papainlike protease, que é uma das responsáveis pela replicação, ou a reprodução, do vírus.

Desde o dia 7 de abril, os pesquisadores comandam um estudo duplo-cego (quando nem o pesquisador, nem o paciente sabem quem está recebendo a medicação) e randomizado (quando os participantes são distribuídos entre os grupos de forma aleatória). A pesquisa envolve 187 pessoas diagnosticadas com a Covid-19, em estado crítico, que recebem a famotidina, aplicada de forma intravenosa, em uma dosagem nove vezes superior a usada contra sintomas de azia e queimação. Pacientes com problemas renais foram excluídos do estudo, visto que a alta dosagem do medicamento pode levar a problemas cardíacos nesse grupo.

Ao longo do tempo, o estudo, que abrange pacientes hospitalizados nas instituições da Northwell Health, em Nova York, tende a crescer e incluir até 1,2 mil participantes. Como ainda está no início, os pesquisadores não divulgaram resultados, mas esperam ter respostas nas próximas semanas.

Funciona?

Ainda não se sabe se o medicamento tem uma ação, de fato, contra o novo coronavírus, mas uma coisa é certa: não se deve fazer uso dela quem não tiver a indicação. "Ainda é uma suposição. Pode ser que venha a funcionar, ou não, e é preciso fazer esse alerta. Por enquanto não saiu resultado nem no Science, nem em nenhum outro lugar. Estamos na expectativa", explica Joaquim Prado Moraes-Filho, médico gastroenterologista, diretor de Comunicação da Federação Brasileira de Gastroenterologia e professor livre docente da Faculdade de Medicina da USP.

Extrema cautela é o que também recomenda o médico gastroenterologista Gustavo Justo Schulz, superintendente médico do hospital VITA Batel, em Curitiba. "Várias drogas vão se apresentar como tratamentos possíveis, porque o pessoal usa empiricamente e vê um resultado ou outro, e isso gera uma empolgação. A gente recomenda extrema cautela, porque esse medicamento não foi usado para tratar nenhum tipo de doença viral antes", relembra o médico.

Dos efeitos colaterais associados à famotidina, Joaquim Prado cita dores de cabeça, diarreia e prisão de ventre. Esses sintomas, no entanto, ocorrem com doses pequenas, usadas no tratamento de azia e queimação. "Se eu tenho efeitos colaterais com a dose baixa, quando eu aumento, potencializo os efeitos colaterais também", reforça Schulz.

Outra diferença é na forma de administração do remédio. A versão vendida mais usada contra úlceras, por exemplo, é via oral. Nos estudos, porém, os especialistas estão testando os efeitos a partir da via intravenosa. "Quando o indivíduo toma o remédio, só uma pequena parte é absorvida. O restante é eliminado. Quando é injetado, a biodisponibilidade é maior, e tudo que é aplicado vai ser utilizado", explica Moraes-Filho.

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