Com a mudança na estratégia de testes para a Covid-19, priorizando pacientes em estado grave, perfil dos doentes deve envelhecer
| Foto: Bernardo Portella

No última semana, a maioria dos infectados pelo novo coronavírus no Brasil tinha menos de 40 anos. Dos 294 casos confirmados à época (segunda-feira, dia 16), 54% estavam nessa condição, segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde.

Metade era de mulheres, 49% de homens e 1% não estava identificado. O percentual por faixa etária ia caindo conforme o avanço da idade e o número de pessoas com mais de 60 anos  afetadas era de apenas 13%.

Porém, em meio a mudança de estratégia de testagem – priorizando casos mais graves – devido ao baixo número de testes disponíveis considerando o rápido avanço do contágio, a balança deve inverter e ter cada vez mais casos com pessoas de idade avançada. "O que virá pela frente são casos graves e de internação. A expectativa é de que a idade dos casos confirmados fique mais alta pelo viés de seleção de quem será testado", diz o médico infectologista Giovanni Breda, professor da Escola de Medicina da PUCPR.

Além de dados com pacientes de mais idade – grupo de risco junto com doentes crônicos –, outro indicador deve mudar. "Proporcionalmente teremos mais mortalidade, porque teremos o perfil claro de quem está internado [com maior chance de ir a óbito] e não da circulação do vírus em geral", completa Breda.

O médico destaca que o número absoluto de casos não é a melhor forma de comparar a situação da Covid-19 pelo mundo. Isso se deve ao fato de que os países têm adotado diferentes estratégias de testagem.

Na Coreia do Sul e Singapura, que apresentam taxas de mortalidades inferiores aos países europeus, por exemplo, essa diferença ocorreu porque testam muito mais pessoas percentualmente em suas respectivas populações. "O melhor cenário seria comparar os pacientes internados. A mortalidade desse público".

Há 11 anos, na pandemia do vírus Influenza A H1N1, a situação foi semelhante no Brasil. Após confirmada a transmissão comunitária, apenas quem apresentava síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e precisava de internação era testado para confirmar o diagnóstico.

País defende medida, mas tenta aumentar testes

Em entrevista coletiva nesta quinta-feira (19), o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta admitiu que o país trabalha apenas com uma parte da informação, que chamou de "ponta do iceberg". "Para cada caso confirmado, tem um [grande] número não confirmado", disse.

O secretário-executivo da pasta, João Gabbardo explicou que a medida não prejudica a população. "Estamos fazendo os testes em pessoas internadas, a nossa prioridade é ter garantia para os casos graves. Ninguém vai ser prejudicado por não ter o teste, ele serve para identificar quem tem o vírus e para entrar em isolamento, mas já recomendamos que as pessoas sintomáticas façam isolamento independentemente do teste", comentou.

Gabbardo acrescentou ainda que os assintomáticos "não fariam [o teste] de qualquer maneira" e que o país (pela dimensão) não teria como fazer os testes em todos no momento. "Perguntaram: 'poderá ter um óbito sem ser identificado por Covid-19?' Impossível, porque se a pessoa tiver em uma situação grave a ponto de ir a óbito, ela vai estar no hospital e será testada", afirmou.

Apesar disso, Gabbardo diz que o ministério está empenhado para ampliar testes, principalmente os rápidos, que levam cerca de 15 minutos para dar o resultado, ao invés de horas. "Vamos poder ampliar o número de pessoas que serão testadas, para casos leves, assintomáticos, que nós não temos hoje ainda", admitiu.

Para facilitar esse processo, a Anvisa aprovou o registro de oito kits específicos para o diagnóstico da Covid-19 na última quinta-feira (18). "Estamos testando a metologia, nível de confiabilidade, custo e o tempo para análise. Não adianta ter coleta rápida apenas", completa.

O fato foi corroborado pelo secretário de Vigilância em Saúde do Ministério, Wanderson de Oliveira. "Estamos discutindo estratégias para ampliarmos a coleta e o processamento de casos leves usando parcerias público-privada. Isso está em desenvolvimento e em breve teremos mais informações", disse.

Brasil planeja comprar 2,3 milhões de kits

Na entrevista de quinta (18), o Ministério da Saúde afirmou que planeja adquirir 2,3 milhões de kits para diagnosticar a Covid-19, ou seja, testar mais de 1% da população. De acordo com o secretário de Vigilância em Saúde do Ministério, Wanderson Oliveira, já foram distribuídos 17 mil kits da Fiocruz pelo país (cada um para até 22 testes) e mais 10 mil para serem entregues até o fim da semana.

Com a conclusão do treinamentos em todos os laboratórios centrais dos estados, cada um terá capacidade mensal de realizar de 30 a 40 mil testes por mês. "Estamos colocando mais máquinas e automatizando a estrutura da rede nacional de laboratórios para aumentar a capacidade de processamento. Nosso teste é em tempo real, quando colocado na máquina fica pronto em uma hora e meia, duas horas e conseguimos fazer entre 24 e 32 simultaneamente em cada máquina", afirma. Hoje, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Pará já têm as máquinas.

Para chegar a meta, o país também vai utilizar a rede de testagem molecular de HIV e tuberculose, com máquinas semelhantes. Boa parte dos kits deve vir do laboratório de Bio-Manguinhos, da Fiocruz, que também está desenvolvendo teste rápido. O restante deve vir das parcerias público-privadas.

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