Médicos obstetras de UTIs neonatais da Irlanda e da Dinamarca notaram uma mudança curiosa durante a pandemia. Houve uma redução, em parte desses países, no número de partos prematuros.
A diminuição não foi singela, mas significativa. Na Irlanda, um estudo, ainda não revisado por outros pesquisadores, constatou uma queda de 73% nos nascimentos de bebês prematuros durante o período de janeiro a abril de 2020, em comparação a décadas anteriores. Na Dinamarca, em comparação a cinco anos atrás, a redução foi de 90%, de acordo com o estudo que também não foi revisado ainda.
A suspeita dos pesquisadores de ambos os países é de que, com o isolamento social e o lockdown em alguns casos, as gestantes passaram mais tempo em casa, em um ritmo de vida não tão agitado e, assim, menos expostas a fatores estressores. Sabe-se que fatores ambientais e sociais podem desencadear um parto mais precoce, e esses achados poderiam trazer mais luz à discussão.
De acordo com Rodolfo de Carvalho Pacagnella, professor de obstetrícia da faculdade de Ciências médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a hipótese dos estudos faz sentido, mas não pode ser extrapolada para outros países, como o Brasil.
"Uma das causas da prematuridade, que é multicausal, está relacionada a infecções, e outra parte pode estar relacionada a fatores genéticos, ambientais e sociais. Atividade física em excesso, por exemplo, está relacionada ao parto prematuro. O que os pesquisadores viram está relacionado a uma diminuição de locomoção [das gestantes]. Por outro lado, o estresse emocional também aumenta os hormônios que podem ativar o trabalho de parto. E o que temos visto é um aumento na tensão, uma piora nas avaliações de saúde mental das pessoas, incluindo as gestantes", explica o médico, que também é presidente da Comissão Nacional de Especialidade de Mortalidade Materna da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e coordenador da Comissão de Extensão Universitária da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
Ainda segundo Pacagnella, os resultados dos estudos não podem ser levados ao pé da letra, porque são pesquisas que atuam em grupos populacionais – no caso, as gestantes –, que ajudam a levantar hipóteses, mas não testá-las.
"Também estamos buscando essas informações em um estudo nacional, que é uma vigilância em pacientes com a Covid-19, na qual estamos acompanhando a paciente do diagnóstico ao parto, e até 10 semanas depois do nascimento, para identificar a frequência de prematuridade. É um estudo que está sendo implementado no Brasil todo, que começou há três semanas e esperamos ter resultados interessantes em três meses", destaca Pacagnella.
Realidade brasileira
Se ficar em casa ajudou as gestantes europeias, a realidade brasileira é bem diferente. De acordo com Somaia Reda, médica ginecologista e obstetra, professora da Universidade Positivo e coordenadora da maternidade do Hospital do Trabalhador, em Curitiba, por aqui não houve redução nos prematuros – bem pelo contrário.
"O que nós temos observado, e eu trabalho em hospital público que atende uma população de renda menor, é um aumento. Estamos em uma fase com as UTIs neonatais bem lotadas. A gestante com condições financeiras, que não precise se preocupar, talvez ela sinta essa redução do estresse ao ficar em casa, mas não é o que acontece com a maior parte da nossa população", explica a médica.
Além de uma questão financeira, a especialista lembra que o atendimento para as gestantes durante a pandemia acabou prejudicado, com clínicas fechadas e consultas via teleatendimento. "Até para fazer um exame em uma clínica está mais difícil, marcar uma ecografia está mais demorado", relata.
Sintomas que poderiam indicar um gatilho para a prematuridade acabam passando despercebidos, completa Pacagnella. "Temos percebido pacientes chegando mais tardiamente aos hospitais, seja para o trabalho de parto ou não. A gestante demora a procurar ajuda por queixas que podem estar relacionadas a pressão alta na gestação, que é uma doença hoje, no Brasil, que mais mata as mulheres gestantes", diz.
De acordo com um estudo publicado na International Journal of Gynecology and Obstetrics, das 160 mortes registradas entre o início da epidemia e 18 de junho nada menos que 124 (ou 77,5%) ocorreram no Brasil. Chamado de "A tragédia da Covid-19 no Brasil", o trabalho foi feito com base em dados divulgados pelo Ministério da Saúde. "São 188 territórios afetados pelo coronavírus em todo o mundo e o Brasil tem mais mortes maternas do que a soma de todos esses países", explicou Melania Amorim, obstetra, professora da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba, e uma das autoras do estudo.