Chamada de C.1.2, a nova variante identificada na África do Sul ainda não é considerada de interesse ou de preocupação.
Chamada de C.1.2, a nova variante identificada na África do Sul ainda não é considerada de interesse ou de preocupação.| Foto: Bigstock

Como uma equipe de pesquisadores sul-africanos, nós identificamos uma nova linhagem do SARS-CoV-2, o vírus causador da Covid-19. Uma linhagem representa uma população viral geneticamente distinta, mas com um ancestral comum. Este vírus pode ser definido como uma variante, no futuro, com base em propriedades significativamente alteradas, mas antes é preciso entendê-lo melhor. Nossos achados, até o momento, são apresentados em um artigo não revisado por pares.

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A nova linhagem, chamada de C.1.2, foi encontrada em todas as províncias da África do Sul. Embora compartilhe algumas mutações com outras variantes, tem aspectos diferentes.

Vírus sofrem mutações o tempo todo. Algumas vezes, as mutações resultam em um benefício adicional para o vírus, como uma maior transmissibilidade. Mas muitas das mutações não trazem nenhum benefício. Então, mais mutações nem sempre significam mais problemas para nós, os hospedeiros.

Para o C.1.2, muitos detalhes ainda são desconhecidos. Por exemplo, ainda é cedo demais para falar se essas mutações vão afetar a transmissibilidade ou a eficácia das vacinas.

A Rede de Vigilância Genômica da África do Sul está monitorando mudanças no SARS-CoV-2 desde março de 2020. O país foi um dos primeiros no mundo a introduzir uma vigilância genômica sistemática e coordenada, sequenciando genomas do SARS-CoV-2 de amostras de pacientes representantes de diferentes regiões geográficas, e ao longo do tempo.

Seus achados forneceram detalhes sobre como e quando o SARS-CoV-2 foi introduzido no país, e sua propagação inicial. A Rede também vem sequenciando os genomas do vírus para identificar o desenvolvimento de novas linhagens virais que possam ser preocupantes.

No fim de 2020, a Rede detectou o que é hoje conhecido de variante de preocupação Beta, e mais recentemente observou, quase em tempo real, a chegada e a rápida disseminação da variante Delta na África do Sul.

O que se sabe, e o que ainda não se sabe

Nós selecionamos amostras de pacientes a partir de laboratórios de diagnósticos por todo o país, e fizemos o sequenciamento para analisar os genomas dos vírus. Comparamos essas sequências com as vistas anteriormente, e em outros lugares. É como aqueles jogos nos quais você tem que apontar a diferença entre imagens praticamente idênticas. Estamos brincando de "achar as diferenças" com o SARS-CoV-2.

Quando nós encontramos muitas diferenças – ou diferenças em alguns lugares particularmente importantes, como a proteína Spike do vírus [usada pelo coronavírus para entrar nas células humanas] – nós prestamos uma atenção especial. Então, tentamos ver quão frequente é esse vírus em particular e em quais lugares – se é em uma região do país, ou em múltiplas regiões do país, se apenas na África do Sul ou em outras partes do mundo. Nós também monitoramos se há um aumento com o passar do tempo, o que poderia sugerir que essa variante estaria substituindo versões prévias do vírus.

Quando sequenciamos o vírus e o comparamos a outros SARS-CoV-2, ele recebe um nome com base nas versões do vírus que mais se parecem com ele. Então olhamos para o vírus, e para aquele parecido, para vermos quão similares eles são entre si. Se virmos muitas diferenças, isso pode indicar uma nova linhagem.

Em maio de 2021, nós detectarmos pela primeira vez um grupo com mutações relacionado ao SARS-CoV-2 na África do Sul, que recebeu o nome de linhagem C.1.2. Até agora, de maio a agosto de 2021, C.1.2 foi detectado em todas as províncias. Apesar de ocorrer em uma frequência relativamente baixa, e embora nós tenhamos visto pequenos aumentos na linhagem com o passar do tempo, a frequência permanece baixa. Esta linhagem possui mutações dentro do genoma que foi visto em outras variantes do SARS-CoV-2.

A rede alertou a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Departamento de Saúde Nacional da África do Sul, sobre essa linhagem, em julho. Os dois meses entre nossa primeira descoberta e a notificação está associada à lentidão do processo de sequenciamento e análise.

Além disso, mutações de vírus aparecem de tempos em tempos – mas muitos desaparecem. Desta forma, nós precisávamos monitorar essa linhagem em particular para vermos se seria detectada em regiões adicionais. Somente quando começamos a detectar em outras províncias e quando houve registros vindos de outros países que nós sentimos que tínhamos evidências suficientes para sugerir uma nova linhagem.

A rede de vigilância continua a monitorar a frequência da linhagem ao redor do país, e a ajudar outros países africanos a fazer o mesmo. Da mesma forma, testes para avaliar o impacto funcional das mutações que abriga estão sendo feitos – por exemplo, quanto os anticorpos produzidos por pessoas que foram vacinadas ou que foram infectadas previamente neutralizam o novo vírus, e quão bem os vírus se multiplicam em culturas de células comparados a outras variantes, etc.

O vírus ainda não preencheu todos os requisitos da OMS para ser classificado como uma variante de interesse, ou uma variante de preocupação.

Uma variante de interesse tem mudanças genéticas que afetam características virais importantes (transmissibilidade, severidade da doença, escape imune, diagnóstico ou terapêutico), e impactos epidemiológicos que sugerem um risco para a saúde pública global.

Já uma variante de preocupação é a pior categoria – é uma variante comprovadamente mais transmissível e/ou virulenta e/ou que reduz a efetividade de medidas médicas ou de saúde pública, como as vacinas, testes e tratamentos.

A Delta é um bom exemplo de uma variante de preocupação que rapidamente dominou a epidemia globalmente, gerando grandes ondas em muitos países, inclusive entre aqueles com programas de vacinação adiantados.

A linhagem C.1.2 compartilha algumas mutações em comum com outras variantes de preocupação, incluindo a Beta, Lambda e Delta. Mas a nova linhagem tem uma série de mutações adicionais.

As implicações

Nós ainda estamos juntando mais dados para entender o impacto desta linhagem na transmissibilidade e nas vacinas.

O SARS-CoV-2, como todos os vírus, sofre mutações com o tempo, geralmente de uma forma que permita ao vírus algum tipo de vantagem. Algumas das mutações na linhagem do C.1.2 surgiram em outras variantes de interesse ou de preocupação. Mas nós ainda não temos todas as informações. Será necessária uma combinação de vigilância contínua (especialmente para vermos se ela substitui a variante prevalente, que é a Delta) e estudos em laboratório para caracterizar suas propriedades.

Baseado no nosso entendimento atual das mutações desta linhagem em particular, nós suspeitamos que ela pode ser capaz de parcialmente evadir a resposta imune. Apesar disso, no entanto, nossa visão baseada no que nós sabemos agora é que as vacinas ainda vão oferecer altos níveis de proteção contra internamentos e mortes.

Nós esperamos que novas variantes continuem a emergir sempre que o vírus se espalhar. A vacinação continua essencial para proteger aqueles na nossa sociedade que estão em maior risco para internamentos e mortes, para reduzir o impacto no sistema de saúde, e para ajudar a reduzir a transmissão. Isso precisa ser combinado às outras medidas sociais e de saúde pública.

Assim, orientamos o público a permanecer vigilante e continuar a seguir os protocolos contra a Covid-19, incluindo boa ventilação em todos os espaços compartilhados, e o uso de máscaras que cubram nariz, boca e queixo. Essas intervenções não farmacológicas ainda se mostram protetoras contra a disseminação do SARS-CoV-2, seja qual for a variante.

Nós também acreditamos que é improvável que a linhagem com mutação afete a sensibilidade dos testes PCR. Estes testes tipicamente detectam ao menos duas partes diferentes do genoma do SARS-CoV-2, que servem como uma reserva para o caso de uma mutação atingir uma delas. Estudos estão sendo conduzidos para avaliar o impacto nos testes de diagnóstico.

Por que a vigilância é necessária?

A Rede de Vigilância Genômica da África do Sul conecta o Laboratório de Serviços de Saúde Nacional e os laboratórios privados de testagem da Covid-19 com os centros acadêmicos de sequenciamento. Essa colaboração permitiu aos especialistas sul-africanos a, rapidamente, gerarem e analisarem dados de sequenciamento para fomentar respostas regionais e nacionais.

No fim de agosto de 2021, a variante Delta representava mais de 90% dos sequenciamentos na região Sul da África. Mas a evolução do vírus continuará em andamento, enquanto o vírus puder se espalhar de uma pessoa para outra, multiplicar e ser transmitido. É por isso que é necessário continuar o monitoramento da sua evolução, para detectar novas propriedades problemáticas precocemente e instituir medidas de controle, sempre que possível.

*Wolfgang Preiser é chefe da divisão de Virologia Médica da Universidade de Stellenbosch; Cathrine Scheepers é cientista médica sênior da Universidade de Witwatersrand;

Jinal Bhiman é diretor médico cientista do Instituto Nacional para Doenças Infecciosas (NICD, na sigla em inglês);

Marietjie Venter é chefe do programa de Vírus respiratórios, zoonóticos e arbóreos, e professora do departamento de Virologia Médica da Universidade de Pretória;

Penny Moore é diretor de Dinâmicas entre Vírus e Hospedeiros do Instituto Nacional de Doenças Infecciosas, pesquisador associado da CAPRISA e da Universidade de Witwatersrand;

Tulio de Oliveira é diretor da Plataforma de Pesquisa e Inovação em Sequenciamento KRISP - KwaZulu-Natal, Universidade de KwaZulu-Natal.

©2021 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.

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