Ainda que algumas pessoas continuem acreditando, equivocadamente, que a ciência e a religião não se misturam, estudos recentes comprovam o contrário. Tanto a religiosidade (relação do ser humano com um ser transcendente), quanto a espiritualidade (mergulho em si mesmo), estão vinculadas à melhora da saúde, com progresso no tratamento de algumas patologias e prevenção de outras, inclusive nos idosos.
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Segundo o psicólogo e gerontólogo Guilherme Falcão, a espiritualidade é capaz de modificar a qualidade de saúde de qualquer pessoa, independentemente da idade. Isto porque o ser humano é biopsicossocial e espiritual.
Falcão, que é membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, explica que o médico neurologista e psiquiatra Victor Frankl, criador da logoterapia e da análise existencial, na década de 1930, já acreditava que o homem não se restringia apenas aos instintos animais e ao inconsciente, ultrapassando a relação de causa e efeito. “Através da liberdade, responsabilidade, valores e da experiência de vida, o ser humano transcende do biopsicossocial, alcançando a espiritualidade que é capaz de conduzir todas as áreas da vida do indivíduo, inclusive na saúde”, destaca o gerontólogo.
Tanto é que, após a década de 1980, a Organização Mundial de Saúde passou a incluir a espiritualidade no conceito de saúde, que antes era entendida apenas como o bem-estar biopsicossocial.
Preservação da função cognitiva
Com base nas suas experiências, o psicólogo acredita que a prática religiosa, vivenciada de modo saudável, traz benefícios em todas as áreas de saúde, inclusive na área cognitiva mental. E estudos comprovam o mesmo.
É que os impactos causados pelo controle do estresse e maior sensação de bem-estar, resultado da vivência da espiritualidade, contribuem para melhora no comprometimento cognitivo dos idosos, inclusive na doença de Alzheimer, em estágio leve, conta a neurologista Sônia Brucki. “A prática, por exemplo, da meditação – presente em diversas expressões religiosas – fortalece as conexões cerebrais responsáveis pela cognição e atenção em si mesmo, capaz de reduzir o estresse e a depressão”, conta ela, que é coordenadora da comissão de educação médica da Academia Brasileira de Neurologia.
É comum que no envelhecimento exista uma discreta diminuição na capacidade de aprendizado da pessoa, sendo necessário um pouco mais de tempo para que ocorra do que na juventude. Além disso, tarefas que exigem rapidez de milissegundos também sofrem um declínio, assim como há maior dificuldade na manipulação de muitas informações ao mesmo tempo. Contudo, com uma visão mais positiva da vida e uma personalidade mais aberta a experiências variadas, muitas vezes motivada pela prática espiritual, há significativa superação destes quadros pelas pessoas na terceira idade.
Dessa forma, Guilherme Falcão acredita que, além das questões fisiológicas, a equipe médica, ao realizar a anamnese do paciente, aprofundando também na questão existencial, pode incorporar a espiritualidade no tratamento de saúde do paciente, adequando-a desde os casos leves até os mais graves. E, para incorporar a espiritualidade nos tratamentos de saúde, principalmente aos idosos, ainda que em estado grave, Sônia sugere que a conscientização e educação sobre o benefício destas práticas seja divulgado principalmente em diálogos com os profissionais de saúde, inclusive com a formação de grupos de meditação.
Mas, só isso não basta!
Ainda que alguns estudos demonstrem que a prática meditativa e o bem-estar espiritual, alcançados por meio da espiritualidade, podem reduzir o risco de declínio na função cognitiva no envelhecimento, Sônia alerta que apenas essas práticas não são suficientes.
As pessoas, segundo ela, devem associar a prática espiritual com a mudança no estilo de vida, atrelado ao cuidado geral de saúde. “Deixar o tabagismo, evitar o sedentarismo e a obesidade, tratar a depressão, manter atividade intelectual, física e uma boa rede de atividades sociais, evitando o isolamento são fatores que, em conjunto, também contribuem para redução do declínio cognitivo, na terceira idade”, conclui a neurologista.