Ao aprovar o uso de dois anticorpos monoclonais, agência regulatória da Inglaterra destacou que ela pode prevenir a Covid-19.
Ao aprovar o uso de dois anticorpos monoclonais, agência regulatória da Inglaterra destacou que ela pode prevenir a Covid-19.| Foto: Bigstock

Ao anunciar a aprovação de uma nova medicação contra o Sars-CoV-2 nesta sexta-feira (20), a agência reguladora do Reino Unido destacou duas funções para substância: tratar e também prevenir a Covid-19. Formado por dois anticorpos monoclonais administrados em conjunto — casirivimabe e imdevimabe — o medicamento chamado de Ronapreve, produzido pelas farmacêuticas Regeneron e Roche, atua impedindo a entrada do coronavírus às células humanas.

Anticorpos monoclonais são um grupo de medicamentos criados em laboratório que imitam a ação dos anticorpos naturais do organismo e se conectam tanto às células quanto aos vírus, barrando a entrada. Para se replicarem e continuarem a infecção, os vírus precisam entrar nas células humanas e, tendo o acesso impedido, a doença não avança.

No caso de uma pessoa que entre em contato com alguém infectado pelo Sars-CoV-2, o Ronapreve poderia atuar prevenindo o desenvolvimento da Covid-19. No entanto, por se tratar de um medicamento caro, que só pode ser administrado de forma intravenosa e sob observação médica em hospitais, para o caso de efeitos colaterais, o uso indiscriminado não é viável, segundo os especialistas ouvidos pelo Sempre Família.

Em quem o Ronapreve poderia prevenir a Covid-19?

Embora a medicação tenha uma ação preventiva, não é indicada a todas as pessoas que possam ter tido contato com o coronavírus, segundo explica Sandra Farsky, farmacêutica, professora da USP e presidente da Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas.

"Como preventivo, [a medicação] cabe às pessoas que fazem parte do grupo de risco e que tiveram contato com pessoas infectadas. Uma pessoa idosa que teve contato com o filho que pegou a Covid-19, por exemplo, seria uma precaução. Mesmo porque a vacina não é 100% eficaz e, em idosos, é menos. Nesses casos, poderia ser preventivo", explica.

Farsky cita como exemplo o ator Tarcísio Meira, que morreu no início de agosto em decorrência da Covid-19. "Ele tinha sido vacinado, mas foi a óbito porque era idoso, provavelmente tinha comorbidades, e a vacina não foi tão eficiente, o que era esperado. Nesse caso, não que a medicação pudesse reverter o quadro do ator, mas poderia ser uma indicação."

Anticorpo monoclonal ou vacinas?

Em termos populacionais, não é possível comparar a atuação preventiva desses anticorpos monoclonais com a imunidade garantida pelas vacinas. De acordo com Ana Paula Herrmann, professora do departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o tempo de duração dos anticorpos monoclonais é limitado, ao contrário da imunidade conferida pelas vacinas.

"Não faz sentido dizer que é um 'medicamento preventivo', porque na prática é muito difícil. A gente não sabe exatamente quanto tempo esse anticorpo vai ficar no organismo da pessoa. Para ter um efeito duradouro, precisaria de administrações repetidas, porque ele não confere uma imunidade duradoura", explica a especialista.

Cada aplicação do Ronapreve oferece ao organismo uma quantidade de anticorpos monoclonais — ou clones de um único tipo de anticorpo — que servem como "soldados" para ajudar o sistema imunológico ao se ligarem nas células e nos coronavírus, e bloquear a infecção. Esses anticorpos, porém, não ensinam as demais células a se proteger do coronavírus como as vacinas fazem.

"É uma imunidade passiva, diferente das vacinas, que vão ensinar o corpo a produzir os anticorpos em uma grande variedade e na quantidade necessária. Os anticorpos monoclonais são uma possibilidade mais passageira, daquele momento que é preciso dar uma ajuda, mas não é nada duradouro", reforça Herrmann.

Momento certo

Para ter efeito, os anticorpos monoclonais casirivimabe e imdevimabe precisam ser aplicados no início da infecção pelo Sars-CoV-2. Pacientes com sintomas mais graves, que precisam de oxigênio, por exemplo, e que já passaram para a fase inflamatória da doença não vão ter benefícios com o tratamento do Ronapreve.

Isso porque esses anticorpos monoclonais se ligam aos vírus, e quando a doença entra em uma fase inflamatória — com a chamada tempestade de citocinas —, o inimigo não é mais o coronavírus, mas a reação que ele deixou no organismo. "Se o sistema imune já está atacando as nossas células, esses anticorpos monoclonais não seriam mais tão eficazes. Nessa fase, seriam outros alvos que trariam mais benefícios, como a dexametasona, que é um anti-inflamatório", explica Ana Paula Herrmann, professora do departamento de Farmacologia da UFRGS.

Há outros tipos de anticorpos monoclonais que podem ser usados nessas etapas mais avançadas, como lembra Sandra Farsky, presidente da ABCF. A ação é a mesma que o Ronapreve, mas em vez de se ligarem às células e aos vírus, os anticorpos se ligam às citocinas inflamatórias, como a interleucina-6 (IL-6).

"Quando tem a infecção e a resposta inflamatória, gera muitas citocinas, e a interleucina-6 é a primeira a ser liberada. Inibindo ela, via anticorpos monoclonais, é bastante eficiente nos pacientes graves, porque são os pacientes que estão atravessando a tempestade de citocinas", explica a especialista.

Anticorpos monoclonais no Brasil

O Ronapreve pode ter recebido a liberação no Reino Unido só agora, mas outros países já têm a autorização há mais tempo, como o Brasil.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou o uso emergencial dos dois anticorpos monoclonais no dia 20 de abril deste ano. Em um comunicado divulgado no site, a agência deixa claro que a medicação — conhecida por aqui como REGN-COV2 — não previne a Covid-19.

Além do casirivimabe e imdevimabe, outros anticorpos monoclonais receberam a autorização de uso emergencial no país. São eles:

  • Banlanivimabe e etesevimabe, produzidos pela farmacêutica Eli Lilly;
  • Regdanvimabe (chamado de Regkirona), cujo pedido foi feito pela empresa Celltrion Healthcare Distribuição de Produtos Farmacêuticos do Brasil Ltda. A aprovação do último foi a mais recente, divulgada no dia 11 de agosto.

Ainda, há o registro de outro medicamento, o remdesivir, da empresa Gilead Sciences. Ao contrário dos anteriores, o remdesivir é um antiviral, mas também atua impedindo a replicação do vírus. Nenhum dos medicamentos pode ser tomado fora de ambiente hospitalar e sem orientação médica.

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