Estudo Solidarity continua ativo no Brasil, mas sem novos participantes
Estudo Solidarity continua ativo no Brasil, mas sem novos participantes| Foto: Bigstock

Ao anunciar na última semana a suspensão temporária de todas as pesquisas (dentro do esforço global Solidarity) que avaliam a hidroxicloroquina/cloroquina contra a Covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) atingiu centenas de estudos ao redor do mundo, inclusive no Brasil.

Desde março, o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI), da Fiocruz, coordena a pesquisa no país, que abrange 18 hospitais distribuídos por 12 estados. No dia 31 de março, o primeiro paciente havia sido incluído nos ensaios clínicos, que avaliam quatro linhas de tratamento:

  • Hidroxicloroquina ou cloroquina;
  • Lopinavir/ritonavir;
  • Lopinavir/ritonavir combinado ao Interferon Beta 1a;
  • Remdesivir.

Em entrevista ao Sempre Família, o coordenador desses estudos no Brasil, Estevão Nunes Portela, que também é vice-diretor de Serviços Clínicos do (INI), explica como estão, e como serão daqui para frente, as pesquisas que avaliam a cloroquina e as demais medicações no contexto do novo coronavírus:

Como estão as pesquisas que fazem parte do esforço Solidarity, da OMS, no Brasil?

A OMS, da semana passada para agora, suspendeu temporariamente o braço da cloroquina, devido a publicação do resultado de um estudo internacional com quase 100 mil casos. A avaliação sugere que tenha havido maior risco de morte aos pacientes expostos com a cloroquina. Mas é um estudo que vem sendo muito criticado, pela forma como os dados foram obidos e por não ser um estudo randomizado. Então, a OMS suspendeu a randomização especialmente para a cloroquina, até que se consiga avaliar se está havendo uma diferença entre o uso da cloroquina e o tratamento padrão.

Então, os estudos que envolvem a cloroquina, no Brasil, estão suspensos também?

Veja, o que foi suspensa foi a randomização. Os pacientes que já estão fazendo uso [da medicação nos ensaios clínicos] permanecem. O que suspendeu foi a randomização [inclusão de novos participantes e distribuição entre os grupos da pesquisa], e foi temporária, por um zelo, pela possibilidade aventada de que seu uso poderia estar associado a um maior risco de morte.

E com relação aos outros braços, que avaliam o lopinavir/ritonavir; interferon e remdesivir?

Esses outros braços continuam. Temos vários centros, em vários estados, cada um está em momentos diferentes da epidemia e, portanto, em um nível de inclusão diferente [participam desses estudos apenas pacientes com quadros graves da Covid-19]. Os quatro tratamentos são a cloroquina/hidroxicloroquina, lopinavir e ritonavir com ou sem o interferon e o remdesivir. Esse é aquela medicação nova, que recentemente recebeu o sinal verde do FDA [Food and Drug Administration, órgão semelhante à Anvisa], porque mostrou uma melhora na resolução dos sintomas em relação aos quadros graves da Covid-19. Dessas quatro, nem todas estão disponíveis em todos os centros de pesquisa. Se o centro tiver a cloroquina, o paciente vai ser sorteado entre o tratamento com essa medicação e o padrão. Isso é importante: existe um braço do estudo que recebe só o tratamento padrão.

Todos os centros de pesquisa que fazem parte do Solidarity aqui no Brasil seguem o modelo padrão-ouro de pesquisa, sendo randomizado, duplo-cego?

Nem todos os estudos do Brasil, nem mesmo o Solidarity, são duplo-cego. O estudo duplo-cego [quando nem o paciente, nem o médico, sabem qual medicação o participante está recebendo, para evitar viés na pesquisa] tem certa importância, mas quando você olha apenas para o desfecho de mortalidade, o placebo não tem uma grande diferença.

Os estudos conseguem responder a uma questão: a medicação foi usada e não teve nada sério ou teve muita toxicidade. Mas não se tem uma clareza se o tratamento impacta na probabilidade do risco de mortalidade.

O Solidarity é igual para todos no Brasil [em termos de metodologia], a única diferença é com relação aos medicamentos. O braço controle [com pacientes fazendo recebendo o tratamento padrão, a fim de comparação] tem que estar presente.

Se a OMS anunciar que, em vez de uma suspensão temporária, seja definitiva, o que acontece com os estudos em andamento aqui?

Quem faz essa avaliação é um comitê independente, não é bem a OMS. Se eles falarem que a medicação não faz diferença, os estudos continuam. Se falarem que está associado a uma maior letalidade e pedir a suspensão, aí evidentemente todos os nossos centros também vão deixar esse braço da pesquisa envolvendo a cloroquina/hidroxicloroquina.

Como os pesquisadores, especialmente você que coordena tudo isso, veem essa discussão mundial sobre a cloroquina/hidroxicloroquina?

Não se espera que nenhuma dessas medicações sejam um grande milagre, ou façam uma grande diferença. Porque, se fossem, já se saberia. Mas se uma medicação reduzir em 10% a chance de uma pessoa morrer, é um acréscimo bem-vindo, especialmente se somar a outras estratégias.

O estudo da Solidarity, se caso se descubra que um braço tenha uma letalidade pior, esse braço pode ser suspenso e o restante do estudo continuar. E outros braços podem ser agregados. A ideia é que você consiga chegar a essa resposta: em casos graves da Covid-19, existe a chance de uma das medicações estar associada a maior sobrevida ou risco de morte? E, então, vai conseguindo montar uma resposta mais bem articulada nas estratégias de tratamento da Covid-19 grave.
Até o momento não há medicamento algum que tenha se mostrado eficaz do ponto de vista de melhorar as chances de sobrevida em um quadro grave da Covid-19.

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