É preciso estar atento: esquecimento e isolamento podem ser sinais de doenças como depressão e demência.
É preciso estar atento: esquecimento e isolamento podem ser sinais de doenças como depressão e demência.| Foto: Nick Karvounis/Unsplash

Negativismo, isolamento, falta de prazer, esquecimento, irritabilidade e desorientação, embora sejam características comumente encontradas naqueles que já alcançaram a terceira idade, não devem ser vistos com naturalidade ou normalidade. Isso porque muitas vezes elas podem configurar os primeiros sinais de doenças que exigem acompanhamento médico e tratamento especializado, como são os casos da depressão e demência.

A geriatra Ivete Berkenbrock, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, explica que as alterações da demência, doença de natureza psiquiátrica, são especificamente cognitivas, se apresentando com alterações de humor, irritabilidade, intolerância e, principalmente, desorientação e esquecimento. Diferentemente, a depressão, que é uma doença neurológica, apresenta manifestações relacionadas a desinteresse, tristeza, falta de prazer e iniciativa.

“As apresentações de cada uma delas, geralmente, tendem a ser bem diferentes. Porém, muitas vezes, é difícil fazer o diagnóstico, principalmente quando um dos sintomas da depressão também é a cognição, a memória”, destaca ela.

Por isso, é fundamental que, notando uma tristeza que não passa ou uma disfunção no padrão de comportamento, principalmente de esquecimento ou desorientação, o paciente, ou um de seus familiares, busque acompanhamento médico. Através dela, principalmente se realizada de forma presencial, o médico poderá realizar a avaliação da pessoa, inclusive notando seu comportamento, a forma como se movimenta, transmite as informações e as circunstâncias nas quais está inserida, contribuindo para um diagnóstico mais aprimorado, acredita Sérgio Cutin, psiquiatra, titular sênior da Associação Brasileira de Psiquiatria.

“Há instrumentos que o médico pode adotar para ver como a pessoa manifesta seus comportamentos, inclusive se ela acreditar que não há qualquer alteração, como acontece habitualmente quando os familiares a levam no consultório”, disse ele ao participar do 39º Congresso Brasileiro de Psiquiatria, realizado em Fortaleza, no início de outubro deste ano.

Um desses instrumentos, por exemplo, é um questionário realizado com o paciente, com perguntas simples do cotidiano, capaz de detectar sinais de demência, ainda que em fase inicial.

Mesmo que o diagnóstico demore, alguns cuidados são necessários

A depressão, assim como a demência, pode não ser identificada logo nos primeiros sinais que apresenta. Isso porque, segundo Ivete, nem sempre na primeira consulta se consegue fazer um diagnóstico, principalmente quando a patologia se encontra na fase muito inicial ou quando há dificuldade do paciente ou da família detectarem e relatarem as mudanças de comportamento.

Mesmo assim, é preciso estar alerta aos sinais, ainda que muitas vezes sejam necessários vários retornos ao especialista ou mais de uma avaliação profissional, até alcançar o diagnóstico ou o descarte dele, com segurança.

“Tanto a pessoa deve ficar atenta consigo mesma, buscar saber e identificar os sentimentos ou comportamentos que estão acontecendo de forma diferente, assim como os familiares e amigos podem notar e acompanhar tais alterações”, orienta a médica, ao destacar que, frente a tais sintomas, não se pode entendê-los como normais, visto que transtornos cognitivos leves, por exemplo, podem evoluir para alguma síndrome demencial.

“Mesmo que se entenda que a pessoa sempre teve aquelas características anteriormente, ou seja, ‘sempre foi assim’, é muito provável que conseguia administrar sua vida de forma funcional. Porém, quando há algum tipo de prejuízo, é sinal de que alguma coisa mudou, então tem que ser abordado”, acrescenta ela.

A depressão e demência podem acontecer juntas

Alguns estudos, segundo a geriatra, mostram que existe uma relação próxima entre depressão e demência, principalmente se a depressão acometer o paciente após os 60 anos de idade.

Por isso, Cutin destaca a importância de que se busque, principalmente no caso dos idosos, um diagnóstico diferencial, sendo analisados tanto os sinais observados pelo médico, como os sintomas relatados pelo paciente.

Isso contribuirá para que seja identificado o acometimento de ambas as patologias ou descartada uma delas, se presente apenas o sintoma da outra.

Nos casos de depressão, embora a tristeza seja um dos fatores mais relevantes, alguns dos pacientes podem apresentar esquecimento. “Porém, após a anamnese, conhecendo a história do paciente, pode ser identificada apenas a depressão, sendo descartada a demência”, exemplifica Ivete, ao contar que nesses casos, quando a depressão é tratada, a queixa do esquecimento desaparece.

“Porém, caso a queixa cognitiva permaneça após o tratamento, mesmo tendo um avanço no humor do paciente, podemos nos deparar com um quadro de demência somado à depressão”, acrescenta a médica.

Por outro lado, pacientes diagnosticados com alguma das formas de demência podem se apresentar deprimidos, principalmente quando têm a consciência e percepção do seu declínio cognitivo. E isso é tão comum que, muitas vezes, o tratamento da demência já comporta um antidepressivo, segundo Ivete.

Cutin indica como uma das formas para diferenciar a depressão da demência, a observação da capacidade da pessoa para fazer as coisas, principalmente aquelas que já lhe eram habituais. “Quando a pessoa começa a apresentar comportamentos disfuncionais, inclusive com dificuldades de realizar atividades muito simples e que habitualmente fazia, isso pode ser um indicativo de quadro demencial”, alerta o psiquiatra.

Nesses casos, caberá ao médico realizar o diagnóstico diferencial. “E se o paciente apresenta sintomas de ambas comorbidades, não importa qual foi estabelecida primeiro: o tratamento deve ser para as duas”, orienta o médico.

Buscar qualidade de vida pode minimizar o acometimento dessas comorbidades

Ainda que sejam muitas as causas tanto da demência quanto da depressão, inclusive com predisposições genéticas, Cutin acredita que, em termos preventivos, uma vida com atividades diversificadas pode diminuir o risco do acometimento por alguma delas.

“Mesmo que a pessoa tenha uma predisposição para um quadro demencial, é importante manter o cérebro em atividade, inclusive em termos de tratamento, para impedir a progressão mais rápida”, destaca.

O psiquiatra explica que na medida em que a pessoa exercita a memória com passatempos como palavras cruzadas, jogo da memória ou outros exercícios, ela estimula a oxigenação cerebral.

Por isso, orienta aos seus pacientes que busquem uma vida com atividades diversificadas, com horário para o trabalho, mas também para um descanso criativo, com lazer que não seja apenas mecânico.

“Busque fazer tudo que se possa te fazer mais feliz, com atividades que proporcionem prazer, desenvolva a espiritualidade, e proporcione situações de conforto”, conclui ele.

Deixe sua opinião